A bengala com cabo de ouro

O médico do século XVII era inútil, mas decorativo. Casaco de cetim abotoado, calça de couro até abaixo dos joelhos, meias de seda e sapatos com fivela, babados de renda, peruca inteira. balançando uma bengala comprida com cabo oco de ouro, cheio de vinagre aromático de Marselha. Era le vinaigre de quatre voleurs, a mistura eficaz usada por quatro ladroes de corpos aprisionados durante a epidemia de peste em Marselha e que nunca foram infectados. Era aspirado repetidamente para imunizar o médico contra a infecção e dar a ele tempo para pensar. A bengala tornou-se seu símbolo, a varinha mágica de Esculápio

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As honras da Academia

Em 1937 surgiu entre os mestres de Oxford o primeiro professor de anestesia da Europa, para grande ultraje de todo o corpo docente. O dinheiro veio de Lord Nuffield, que já havia escandalizado Oxford com a produção em massa do automóvel Morris Minor (Oxford é o Quartier Latin de Cowley”, chique de morrer). Nuffield levou bola preta no clube de golfe local, por isso ele o comprou e instalou seu parceiro de golfe na Cadeira de Anestesia. O novo professor era Sir Robert Reynolds Macintosh (1897-1989), inventor do laringoscópio aperfeiçoado, que já havia provado sua habilidade administrando uma anestesia perfeita com gás no seu benfeitor. Sir Robert tinha uma ótima clínica em Harley Street com três máquinas de gás e dois Bentleys por anestesista, maldosamente chamada pelos invejosos de “Companhia Mayfair de Gás, Luta e sufocaçao”. Então o Serviço Nacional de Saúde criou anestesistas consultores como qualquer outra pessoa, e eles fundaram a Faculdade de Anestesia e, finalmente, seus membros chegavam ao hospital dirigindo carros iguais aos dos cirurgiões.

A América tinha um professor Ralph Milton waters (1883-1979), em Madison, Wisconsin. Ele introduziu o gás ciclo-propano com as desvantagens de ser tremendamente explosivo e horrivelmente dispendioso. Também o “Pentotal”, que mudou a terrível indução da anestesia de sufocação controlada para uma pequena picada no braço. (Se o anestesista conseguia acertar a veia: “Você tomou gás na sua operação?” perguntou a mulher, no ônibus. “Não, eles não usam mais o gás”, respondeu a amiga. “Um cara chega, enfia uma agulha nas costas da sua mão quatro ou cinco vezes, e voce dorme”).

“A local” era usada desde 1884, injetada no músculo, em determinados nervos, na medula ou simplesmente passada na superfície do olho, da língua ou do nariz. O poder mágico da cocaína foi famosamente explorado pelo vienense Carl Koller (1857-1944), cirurgião de olhos. Se Freud nao tivesse saído de férias com sua noiva, na ocasião, teria se tornado um aclamado pioneiro anestesista e poupado ao mundo muita introspecção angustiosa.

Os anestésicos para uso local eram muito usados porque produziam insensibilidade e paralisia sem os inconvenientes gerais do narcótico e sem a necessidade de um hábil anestesista. Porém, a anestesia “local” obstinadamente local e quase sempre o paciente prefere o sono, mais arriscado. O problema foi resolvido por Sir Walter Raleigh (1552-1618). Em 1595, viajando para o Orinoco, Sir Walter conheceu o veneno paralisante que os nativos da América do Sul usavam nas flechas, um xarope feito de uma trepadeira que mais tarde foi chamado de curare”. As mesas de operação do mundo todo estão agora repletas, dia e noite, de pessoas submetidas ao equivalente à picada do dardo envenenado de uma zarabatana. A paralisa provocada oferece ao cirurgião um corpo flácido, enquanto uma pequena quantidade de algum anestésico moderno, como o halotano, provoca um sono superficial. A extrema economia de anestésico nas cesarianas, para não prejudicar o bebê, muitas vezes tem como resultado uma paciente completamente acordada e paralisada durante todo o tempo da operação. Os tribunais concedem uma indenização tão generosa a esse tipo de agonia mental e física que qualquer mãe que se queixe de ter passado por ela pode trazer à lembrança de toda uma enfermaria de parturientes que elas também sofreram sem merecer.

Essa combinação épica de sono e paralisia que transformou a anestesia foi experimentada por Harold Randall Griffith (1896-1985) em Montreal, em 1942. Porém, o escritor francês Joris-Karl Huysmans foi quem teve a idéia pela primeira vez. Em 1884, escrevendo sobre as observações de Edgar Alan Poe a respeito da influência depressiva do medo sobre a vontade, Huysmans acrescenta:

“Que afeta como um anestésico

que paralisa os sentidos e o curare que

inutiliza os nervos motores.”

Ora, ora.

Ninguém sabe como os anestésicos funcionam. Mas ninguém sabe por que nós dormimos.

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O trapo e a garrafa

A anestesia produziu aparelhos mais engenhosos até mesmo do que a horticultura. John Snow foi o primeiro anestesista profissional do mundo. Natural de Yorkshire, o mais velho dos nove filhos de um fazendeiro, morava no Soho e trabalhava no Hospital George, em Hyde Park Comer, dando 10 anestesias por semana. Em 1847 inventou um inalador portátil de éter  do tamanho de um livro grosso, com um dispositivo de banho-maria para vaporizar o anestésico, que era derramado num recipiente com uma placa em espiral, do qual o paciente inalava o vapor mais pesado do que o ar por um tubo longo e flexível. Uma mascara triangular, com uma válvula, cobre a boca e o nariz na monografa de Snow, a boca e o nariz de uma bela jovem com deliciosos cachos de cabelo. Snow aplicou uma mente cientifica ao novo assunto que havia surgido por acaso e por especulação, e que podia facilmente ter-se perdido na superstição e na falsa medicina. Ele escreveu Sobre o clorofórmio e outros anestésicos e caiu morto.

Joseph Thomas Clover (1825-1882)), barba espessa e sempre de sobrecasaca, seguiu Snow como o mais procurado anestesista de Londres. Ele clinicava no Hospital Westminster e tinha entre seus pacientes Robert Peel, o ex-Napoleão III, a futura rainha Alexandra e Florence Nightingale, possivelmente para intimidá-lo. Ele inventou um inalador de clorofórmio no qual uma dose era vaporizada por uma seringa e bombeada por um fole numa bolsa do tamanho de uma fronha. Tudo isso apavorava os pacientes nervosos. Esse método desprendia 4,5% de clorofórmio no ar, o primeiro anestésico a ser medido. Ele inventou também a “muleta de Cover”, que mantinha erguidas pemas da paciente anestesiadas quando o cirurgião precisava alcançar o períneo.

Os vários aplicadores de anestesia usados na segunda metade do século XIX iam desde simples máscara de flanela com armação de arame, que podia ser levada dentro de uma cartola, até um reservatório ornamental como um bule de chá para o óxido nitroso que estava voltando a ser usado. Alguns tinham bolas como os pulverizadores de perfume para bombear o ar no vidro com clorofórmio, outros tinham espécies de manivelas que movimentavam engrenagens, ou bolsas de borracha como bolas de futebol, mas o francês Louis Ombrédanne (1871-1956) usava uma bexiga de porco.

Seu compatriota Paul Bert (1830-86) em 1879 inventou o carro anestésico, forte e hermeticamente fechado, com dez pequenas aberturas que podiam acomodar 12 pessoas, incluindo o paciente. A equipe cirúrgica ficava sujeita a uma grande pressão do ar e o paciente à alta pressão do óxido nitroso da bolsa que ficava debaixo da mesa de operação. O ar era refrigerado no verão e passava por igua quente no inverno, e quando começava a diminuir alguém assobiava para avisar o homem encarregado da bomba, que ficava no lado de fora. O carro se movia sobre rodas e chegava a todos os hospitais de Paris, até que em 1883 os passageiros conseguiram jogá-lo na pilha de ferro velho. Os médicos tiveram mais sorte do que os trés balonistas que Paul Bert fez subir para estudar a inalação de oxigênio. Só um deles voltou com vida.

Depois da I Guerra Mundial a anestesia passou a ser feita passando óxido nitroso comprimido e oxigênio de cilindros para o éter e, às vezes, clorofórmio contido em vidros. Essa foi a invenção simples de “Cocky” Boyle (1875-1941) que, com “Gloomy” Hoover (1896-1986) adornou a anestesia no Hospital de São Bartolomeu, em Londres. Sir Ivan Magill (1888-1986) havia aplicado a anestesia, durante a guerra, para Sir Harold Gilles, que inventou a cirurgia plástica em Sidcup. Para evitar que o rosto deformado se tornasse um campo de batalha para o cirurgião e o anestesista, Magill inseria um tubo no nariz, que passava pelo céu da boca, pela língua e pelas cordas vocais até a traquéia. Desse modo não havia impedimento entre a parte inferior do cilindro de oxigênio e os alvéolos esponjosos dos pulmões do paciente. Foi uma conveniência muito bem recebida pelos anestesistas, que passavam muito tempo lutando para evitar que o paciente morresse

A despeito dos aparelhos, cada vez mais aperfeiçoados, o anestesista continuava como a figura desprezada, homem do pedaço de pano e da garrafa, garrafa de clorofórmio no bolso traseiro da sobrecasaca, pedaço de pano no outro bolso para pingar o anestésico, ganhando 10% dos honorários do cirurgião o Fígaro, o Admirável Crichton, o Jeeves do teatro operatório.

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A evaporação do clorofórmio

O clorofórmio tinha um problema. Matava rapidamente, matava rápida, inesperada e indiscriminadamente. A primeira vitima foi Hannah Greener, quinze anos e em perfeita saúde, em Newcastle, 28 de janeiro de 1848, durante a remoção de uma unha do pé.

É claro que clorofórmio demais mata qualquer um, como qualquer coisa em demasia. Porém, logo descobriram que o coração podia parar de repente, logo no começo da administração do anestésico – “sincope do clorofórmio”. Ninguém sabia por que. Isso provocou uma grande desordem em Hyderabad, no dia 25 de janeiro de 1889.

O duque e a duquesa de Connaught estavam distribuindo prêmios na escola de medicina, naquele remoto posto acadêmico do império onde o sol jamais se põe. O diretor da escola (Serviço Médico do Exército em Bengala) afirmava que sua escola era melhor do que muitas da Europa, e que haviam descoberto que não existe essa coisa de “síncope do clorofórmio”. Fizeram isso matando com uma superdose 128 cachorros vira-latas adultos. Ele aconselhava as escolas de medicina de Londres a continuar com o éter, que eles sabiam controlar.

A Lancet interessou-se pelo assunto. Cartas e artigos defrontavam-se grandiosamente nos números semanais da revista que viajava a bordo dos navios-correio P&O. Nizam de Hyderabad, esportivamente ofereceu 1.000 libras para a Lancet enviar um especialista e testar sua teoria. A Lancet enviou um farmacologista eminente, que passou um telegrama dizendo NENHUMA PARADA DO CORAÇÃO, depois de matar 490 cães, cavalos, macacos, a Lancet orgulhosamente sugeriu que seu homem tinha virado nativo. Como sempre acontece na medicina, os médicos continuaram a discutir e os pacientes continuaram a morrer.

O clorofórmio não é inflamável – ao passo que o eter é explosivo o que recomendava seu uso nas batalhas e nos ataques aéreos. Na II Guerra Mundial o éter foi superado por um fluido para limpar a seco, inflamável, o tricloretileno (os tintureiros adoraram e se embriagavam cheirando os tanques). Depois da guerra, como certas marcas de chocolate e de sorvete o clorofórmio nunca mais apareceu.

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Clorofórmio e religião

Sir James Young Simpson, baronete (1811-1870), sétimo filho de um padeiro, Professor de Parteiras, acconcheur do comércio de carruagens, Médico da Rainha Vitória, santificado por uma capela particular construída na sua casa quadrada de granito que dava para o Firth of Forth, atraía para os hotéis locais Uma clientela de 80.000 libras por ano. Ele era um Festival de Edimburgo em todos os dias do ano.

No dia 4 de novembro de 1847, depois do jantar, Sir James e seus dois jovens assistentes da Enfermaria Real de Edimburgo tomaram clorofórmio, ao invés de vinho do porto. Inalando o bouquet, os dois jovens médicos começaram a dar gargalhadas, a gritar e tentaram atirar cadeiras e a mesa pela janela, depois deslizaram para o chão e adormeceram. “Muito mais forte do que o éter, observou o corpulento professor, adormecendo também ao lado deles.

A abençoada lua-de-mel do éter tinha acabado. O cheiro desagradável, a irritação dos pulmões, as crises de vômito dos pacientes, a necessidade das máscaras desajeitadas de vidro e uma quantidade enorme do anestésico levaram os médicos à procura de outras varinhas mágicas para a anestesia. O clorofórmio era rápido. A inconsciência era imediata, e não gradual. Cheirava bem, e seu efeito era mais duradouro, mais forte, era mais barato e de administração mais simples. Bastava uma borrifada num gorro de dormir ou numa luva, ou uma esponja embebida no anestésico, e podiam cortar qualquer coisa. Meia colher de chá de clorofórmio, num lenço dobrado sobre o nariz, exorcizavam as dores do parto que atormentavam as mulheres desde Eva e escandalizaram o clero (masculino) da Escócia.

“Entre dores darás a luz teus filhos”, ordenava o Gênesis. “Privar os ouvidos de Deus dos gritos profundos e angustiados” da mãe em trabalho de parto, pregavam eles, é garantir que ela jamais amará o filho pelo qual jamais sofreu. Ah, sim, dizia Simpson, igualmente piedoso (que tinha duas Bíblias da família na sua sala de jantar). Mas a frase seguinte manda o homem ganhar com sofrimento o pão de cada dia, porém não estavam todos se deliciando com suas tortas de miúdos e purê de batatas?

Os religiosos discutiram sobre a tradução da palavra “sofrimento”. Ele os corrigiu: “Não significa a sensação de dor, mas o grande esforço muscular em que consiste o trabalho de parto, sendo o útero mais poderoso e os obstáculos mecânicos muito mais numerosos do que os que tem de suportar, por exemplo, a vaca doméstica”. o exemplo da vaca não adiantou. Aquelas pessoas ameaçadoramente virtuosas e perigosamente bem-intencionadas (que estão sempre ao nosso lado) continuaram a dissentir até 7de abril de 1853, quando John Snow (1813-1858) administrou clorofórmio a la reine, à rainha Vitoria, para o parto sem dor do Príncipe Leopold, concedendo respeitabilidade ao Gênesis.

Como Jackson, em Boston, roubou de Morton o crédito pela descoberta do éter, assim também um cirurgião escocês virou químico, calvo, de barba espessa. David Waldie (1813-1889), estendeu a mão para as honras conferidas a Sir James Simpson. O clorofórmio é composto pouco sofisticado: CHCl3, tão simples quanto o eter (C2H5)2O e mais simples do que o simples C2H5OH, da universal alegria engarrafada do homem, o álcool. O clorofórmio foi preparado em 1831 independentemente em Paris, Alemanha e no Estado de Nova York. Foi experimentado como anestésico, em animais, pelo fisiólogo francês Pierre-Jean-Marie Hourens (1794-1867), que descobriu o centro regulador da respiração no cérebro nove meses antes de Simpson experimentar nele mesmo. Já havia embriagado muita gente em Nova York.

Waldie foi quem primeiro falou sobre o clorofórmio com Simpson, na Sociedade Médico-Cirúrgica de Edimburgo, em outubro de 1847. Waldie trabalhava para a Companhia de Apotecários em Liverpool, e havia visto a fórmula no Dispensatório dos Estados Unidos, para atender ao pedido de um médico local que estava tentando fazer soltar o catarro de Liverpool com outa coisa que não o éter. Waldie prometeu a Simpson uma amostra, mas quando chegou em casa encontrou seu laboratório destruído pelo fogo. Quando Simpson proclamou o clorofórmio para o mundo (comprado em Duncan e Hockhart, ao lado da Princess Street), uma semana depois do seu jantar com anestésico, Waldie viu-se reduzido a uma insignificante nota de rodapé.

O ressentimento sobreviveu detrator. “Ele ficou com uma parte maior na introdução do clorofórmio do que a do Dr. Jackson na introdução do éter”, declarou John Snow – um elogio tremendamente precário. Waldie morreu ainda zangado, mas rico, em Calcutá, depois que seu Linlithgow nativo pôs as coisas no devido lugar com uma placa que diz: “A ele pertence a distinção de ter sido primeiro a recomendar e tornar praticável o uso do clorofórmio para aliviar o sofrimento humano”.

Também estavam ressentidos 117 quilômetros ao sul, em Dumfries. A amputação da perna direita do garçom de 36 anos, Harley Street, por Robert Liston, no University College Hospital, teve grande publicidade em Londres. Porém, no sábado anterior fora realizada discretamente a primeira operação com anestesia da Europa, na Enfermaria Real de Dumries e Galoway, realizada por William Fraser (1819-1863), cirurgião a bordo do Acadia, que chegou ao porto de Liverpool as 9:15 da manha, três dias antes, trazendo a boa notícia sobre o desempenho de Morton, vinda de Boston, via Halifax. Talvez todos eles merecessem o conselho amistoso de Simpson: Jamais guarde ressentimento. É tão desconfortável quanto uma bolsa de água quente, fria.”

O clorofórmio logo substituiu o éter em toda parte. Contudo, certos sádicos desavisados persistiam em aprovar as palavras de Florence Nightingale: “O ardor do bisturi é um poderoso estimulante, e é melhor ouvir um homem gritando com toda a força do que vê-lo mergulhar silenciosamente para o túmulo”, ordenava Sir John Hall (1795-1866), principal oficial médico na Crimeia.

WE Henley faz a apreciação, na década de 1870:

“Vejam-me esperando – esperando a faca

Mais um pouco e num instante vou saltar com a tempestade

O espesso, doce mistério do clorofórmio

A embriaguez escura, como morte-em-vida.”

E sua utilidade nas duas extremidades da operação é indicada por George Bernard Shaw, em 1906:

“O clorofórmio fez muitas diabriras. Permitiu que qualquer tolo se tornasse cirurgião.”

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Boas ações e finais infelizes

Nesse meio-tempo, Morton precisava de um secretário. Há trés meses ele praticamente não dormia, nem comia. Seu milagre estava em todos os jornais, e os médicos da Nova Inglaterra querem pôr as mãos nele. Morton coloriu seu éter fluido e o denominou de “Letheon“. Qualquer coisa para guardar o segredo até ser concedida a patente. Então ele anunciaria para o mundo todo, começaria a fabricação em massa dos seus inaladores, presentearia com eles os cirurgiões mais eminentes e as instituições de caridade, e “enviaria vários de alto preço aos principais soberanos da Europa” . Mais tarde, Fabergé poderia ter aproveitado a ideia. Morton escreveu panfletos e contratou vendedores para vender o anestésico de costa a costa. Ofereceu sociedade a Horace Wells (Wells recusou).

Foi então que apareceu Charles Thomas Jackson (1805-1880). Era químico e geólogo de Boston, e Morton fora seu pensionista. Jackson inventou o telegrafo elétrico, antes de Morse, em 1836, e o algodão-pólvora antes de Schonbien, em 1846. Foi declarado louco em 1873.

Morton, prudentemente, embora um tanto evasivo, havia pedido o conselho de Jackson sobre a química do éter, antes da operação de Warren. Agora Jackson afirmava ter sugerido o éter a Morton. Ele era o verdadeiro pai da anestesia e queria 500 dólares, ou 10% dos lucros. Morton, astutamente concordou em compartilhar com ele a patente. Jackson pertencia ao mundo científico de Boston, e Morton sabia que os cientistas de Boston o consideravam “um homem de cultura e pouca ciência” – muito bem, Boston também pensou assim de Jacob Bigelow (1787-1879), de Harvard, o botânico e médico que, em 1832, salvou Boston da cólera (100 mortes, contra 3.000 cidade de Nova York) E os dentistas de Boston, enciumados, estavam todos contra ele. A sociedade com Jackson seria o mesmo que um casamento respeitável.

A patente número 4.848 foi concedida em 12 de novembro de 1846.

Comoção!

Os dentistas de Boston e o Massachusetts General Hospital estavam ofendidos com o fato de

éter ter se tornado “um medicamento secreto”. Muitos relutam em concordar com a conveniência de restringir, por meio de patente, o uso de um agente capaz de mitigar o sofrimento humano”, lamentou altivamente Bigelow. Morton ficou arrasado. Jackson, de repente, se lembrou das patentes Europeias. Exigiu uma parte dos lucros, do contrário enviaria naquela mesma noite, por um navio-correio, uma carta à Academia de ciências de Paris reivindicando seu direito de único descobridor. (Ele enviou a carta). Ninguém deu importância ao Escritório de Patentes dos EUA, nem mesmo o Exército e a Marinha, na guerra do México, aos quais Morton se ofereceu para “eterisar” os feridos à razão de dois centavos por cabeça. De seis em seis meses, os advogados creditavam a Morton e Jackson o lucro líquido da anestesia nos EUA. No fim dos primeiros seis meses eles estavam a zero

Antes do fim do seu ano de triunfo, Morton havia tomado o caminho enevoado da eterna desesperança. Dissipou o resto da vida não concedendo aos outros os benefícios da anestesia, mas reivindicando-os para ele mesmo. Três vezes entrou com uma petição junto ao congresso, que formou um Comitê Especial, que não resolveu nada.

Em 1852, Crawford Williamson Long (1815-78) anunciou calmamente que desde março de 1842 realizava cirurgias superficiais usando o éter como anestésico, quase cinco anos antes de Morton. Long era um médico rural muito popular em Jefferson, Georgia. Outro clínico geral da zona rural também farejou o sucesso da anestesia. Henry Hill Hickman (1800-30), de Shifnal, Shropshire havia publicado experiências em filhotes de cachorro com o resultado de animação suspensa usando dióxido de carbono em 1824. Sua proposta insistente para que fosse usada a insensibilidade por meio de gases na cirurgia, na Inglaterra e em Paris, então o centro da moda da ciência, foi tristemente refutada por todos, de Carlos X da França para baixo.

Crawford Long atribuiu o fato de evitar a publicidade a uma uma cautela natural, a escassez de operações de grande vulto na clínica rural e ao risco de confusão com o mesmerismo dos curandeiros. Porém, sua filha e acrescentou: “Em toda a região corria o rumor de que ele possuía um medicamento estanho com o qual ele podia fazer dormir e cortar em pedaços sem que a pessoa percebesse o que estava acontecendo. Se houvesse alguma fatalidade, ele seria linchado.”

Morton tornou-se fazendeiro.

Em 19 de abril de 1854, o Senado aprovou um projeto de lei para recompensar Morton, e em 21 de abril a Camara dos Deputados o rejeitou. Ele foi recebido pelo presidente Pierce, que elaborou um plano para ele, aconselhando-o a processar um cirurgião do governo, ao invés de lutar contra o governo que não podia ser processado. Morton ganharia e o governo pagaria os custos da ação. Morton perdeu e o governo ganhou. Morton faliu, sua fazenda foi confiscada, sua família passou fome sua reputação foi ridicularizada, suas lembranças ficaram amargas, sua saúde decaiu, sua vida ficou vazia. Como diversão, em julho de 1868 ele viajou de Boston para Nova York para processar a Atlantic Monthly, mas caiu morto no Central Park. Wells era agora vendedor de chuveiros, viciou-se em clorofórmio, foi preso por jogar ácido em duas prostitutas na Broadway (com o nome de John Smith) e em 23 de janeiro de 1848 morreu de hemorragia na prisão Tombs, depois de cortar a artéria femoral com uma navalha. Foi então eleito membro honorário da Sociedade Médica de Paris

Seu busto encontra-se na Place des Etats Unis, perto do Arco do Triunfo, ao lado de um triste pedestal que espera ainda a estátua do General Pershing, da I Guerra Mundial. A placa diz Au dentist American Horace Wels inovateur de l’anaestbeste chirurgical.

A lógica francesa é inexpugnável.

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Brincadeiras com o gás hilariante e com o éter

Esta é uma história contada e recontada. Na manhã de quarta-feira, 11 de dezembro de 1844, em Hartford, Connecticut, Horace Wells (1815-1848), 29 anos, bonito, gorducho e de costeletas escuras – inventor de uma solda sem sabor para firmar dentes falsos, que falhou, apesar da garantia financeira de um paciente – sentou na própria cadeira de dentista para que seu colega, o Dr. Riggs – que deu nome à doença de Riggs que provoca a queda de todos os dentes -, extraísse seu dente siso dolorido. Eles acabavam de deixar Union Hall, onde Gardner Quincy Colton (1814-1898), atendendo a um pedido especial, havia feito uma exibição privada de “óxido nitroso ou gás hilariante”, que, na noite anterior, havia alegrado uma palestra muito anunciada como sendo “sob todos os aspectos, um evento elegante”.

Colton era um estudante reprovado de medicina que vivia da ciência popular. O admirável desejo de aprender e a falta do que fazer em casa, à noite, que não fosse ouvir ou tocar piano, fazia com que esse tipo de palestra fosse muito popular, especialmente quando acompanhada por lampejos elétricos, explosões químicas e odores desagradáveis convincentes.

O óxido nitroso foi criado em 1772 por Joseph Priestley (1733—1804). Ele era um ministro presbiteriano, constrangedor e ímpio, eram Birmingham, e seu livro, História da Corrupção do Cristianismo, foi queimado pelo carrasco em Dort, em 1785. Filho de um comerciante de tecidos de Yorkshire, sem nenhuma educação científica, Priestley tornou se o “pai da química moderna… Que jamais reconheceu sua filha”(porque apegou—se cegamente à teoria deque a matéria continha um misterioso flogiston, o material do fogo).

Quando Priestley aceitou o convite para jantar, em julho de 1791, para comemorar a importância da Queda da Bastilha para Birmingham, um bando de desordeiros invadiu sua casa, destruiu seus papéis e seus aparelhos. Ele se mudou para Londres para ser o pregador matinal em Gravel Pit, Hackney, onde suas opiniões sobre a bíblia não foram bem recebidas,e então emigrou para a Pensilvânia. Um ano antes de descobrir o óxido nitroso, Priestley havia extraído o oxigênio puro da atmosfera, que misteriosamente aumentava a claridade do fogo das velas e alongava o tempo de vida dos ratos. Ele inventou a água gasosa.

Sir Humphrey Davi (1778—1829) gostava de inalar óxido nitroso para curar suas dores de cabeça. “Uma sensação agradável… ideais vívidas passam rápidas pela mente, e o controle dos movimentos é completamente destruído, fazendo cair dos meus lábios abertos a máscara do gás”. Um nativo do Leste, Davy, foi o descobridor do K (potássio), Na (sódio), Ba (bário), Sr (estrôncio), Ca (cálcio), Mg (magnésio) e Cl (cloro), e era.com professor educado que dirigia o elegante Instituto Pneumático, perto de Bristol. Ele inventou a lâmpada dos mineiros.

Davy achou que o óxido nitroso podia ser útil para operações cirúrgicas. Porém, apesar de ter segurado os membros dos pacientes e ouvido seus gritos quando era um jovem aprendiz de cirurgião em Pezance, não fez nada a respeito. Limitou—se a borrifar o óxido nitroso em Robert Southey, Samuel Taylor Coleridge e Roget do Thesaurus, que o aspirava entre goles de champanhe e dizia que o fazia sentir-se como o som de uma harpa.

O pôster de Quincy Colton, em Hartford, citava tentadoramente Southey (poeta):a atmosfera do mais alto de todos os céus possíveis deve ser composta desse gás.” Ele fazia a pessoa “rir, cantar, dançar, falar ou brigar etc., de acordo com o traço predominante do seu caráter”. É sempre divertido ver as pessoas agindo como tolas. Oito homens fortes sentavam na primeira fila, para proteger o público do frenesi dos doze jovens que se ofereciam para inalar o gás da bolsa de borracha e que, como uma precaução contra a vulgaridade, deviam ser todos cavalheiros extremamente respeitáveis.

Um desses cavalheiros era Sam Cooley, um empregado de farmácia, que alegremente começou a correr como um doido entre os bancos. Mais tarde, olhando atônito para suas canelas e joelhos ensanguentados, exclamou: “um homem pode entrar numa briga e nem perceber que está ferido.” E acrescentou: “se um homem estivesse seguro, poderia submeter-se a uma cirurgia sem sentir nenhuma dor no momento.”

Cooley acabava de anunciar o Fiat lux da anestesia. Horace Wells estava entre o público. “Então, o homem pode extrair um dente sem sentir dor, com o gás hilariante?”, pensou ele. Na manhã seguinte ele pôs a ideia em prática. “Uma nova era da extração de dentes!” Exclamou, depois. Como no caso do homem que inventou uma ratoeira mais aperfeiçoada, o mundo com dor de dente fez fila na frente da sua porta. Depois de um mês ele foi para Boston, para ganhar mais dinheiro.

Seu antigo sócio, William Thomas Green Morton (1819-1868), tinha estudado no Colégio de Cirurgia Dental de Baltimore e trabalhado algum tempo no Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, fundado por John Collins Warren (1778-1856) em 1811. Morton apresentou Wells a Warren, que de boa vontade organizou uma demonstração para extrair o dente de um aluno de Harvard. Foi um fracasso. Todos riram. Wells voltou para Hartford, matou um paciente, perdeu o interesse pelo óxido nitroso, desistiu da odontologia.

Passemos agora para o cão spaniel de Morton.

O éter era “óleo doce de vitríolo” para seu descobridor, em 1540, o botânico alemão Valerius Cordus (1515-1544). Seu Dispensatorium de 1535 foi a primeira farmacopéia publicada e campeã de vendas (35 edições). Rebatizado com o nome de aether em 1730, o vapor pungente, aspirado, havia soltado o catarro de três séculos. Morton leu na Materia Medica de Pereira, de 1839, que Michael Faraday (1791-1867) havia notado, em 1818, que o éter anestesiava como o óxido nitroso. Por toda a parte as pessoas estavam se deliciando com “farras de éter”, a alternativa da festa de gás de Colton, ambos ancestrais dos coquetéis de nossos dias. A anestesia, como a embriaguez, nasceu do desejo de eterno do homem de escapar de si mesmo, e felizmente escapou de ser sacrificada num ato de infanticídio pelos cruéis puritanos.

Roubando abertamente a ideia de Wells, Morton experimentou o éter no cachorro que “amoleceu completamente nas suas mãos e permaneceu insensível a todos seus esforços para acordá-lo, mexendo nele e beliscando-o”. Dois minutos depois, e o fiel Nig estava tão esperto como sempre! Morton continuou a experiência no cão, em si mesmo e nos seus aprendizes. Tudo no maior segredo. Ele queria patentear o processo e fazer fortuna.

Roubando abertamente a ideia de Weel, Morton experimento o éter no cachorro que amoleceu completamente nas suas mãos e permaneceu insensível a todos seus esforços para acordá-lo, mexendo nele e beliscando-o. Dois minutos depois, e o fiel Nig estava tão esperto como sempre! Morton continuou a experiência no cão, em si mesmo e nos seus aprendizes. Tudo no maior segredo. Ele queria patentear o processo e fazer fortuna.

Morton ofereceu cinco dólares, no porto de Boston, para quem quisesse servir de cobaia, mas ninguém se interessou. Na noite de 30 de setembro de 1846, Eben H. Frost apareceu no consultório de Morton com uma tremenda dor de dente, aspirou éter num lenço e, quando acordou, seu dente estava no chão.

Dezesseis dias depois, Morton deu éter para o Hospital Geral de Massachusetts para que John Warren extraísse um tumor venoso da mandíbula esquerda de Gilbert Abbot, de 21 anos. Morton se atrasou 15 minutos. “Como o doutor Morton ainda não chegou, suponho que deve estar ocupado com outra coisa”, disse Warren, secamente, para o grupo de médicos que esperava a demonstração. Todos riram outra vez.

Warren se sentou, bisturi em riste. Momento dramático! Morton entrou apressado, seu novo inalador, um globo de vidro contendo uma esponja embebida em éter, com válvulas de couro para garantir fluxo unidirecional para os pulmões do paciente. Sucesso! Warren dirigiu-se aos que assistiam: “Cavalheiros, isso não é uma farsa” Fim da gênese da anestesia.

O mecanismo do triunfo de Morton era simples. O éter é mais poderoso do que o óxido nitroso, que tem maior probabilidade de provocar asfixia antes da anestesia.

A boa notícia viajou rapidamente. Na tarde de segunda-feira de 21 de dezembro de 1846, Robert Liston (1794-1847), dedos de relâmpago realizou a primeira operação sob anestesia na Europa, no University College Hospital, ao norte de Londres, o cirurgião era um escocês com 1,84m de altura, capaz de amputar uma perna em dois minutos e meio. Com o paciente acordado, a rapidez do cirurgião era tão misericordiosa quanto a do carrasco. Liston segurava o bisturi ensanguentado com os dentes, como um açougueiro, ficar com as mãos livres e economizar para tempo, e orgulhosamente marcava o cabo dos bisturis de amputação como um pele-vermelha marcava o número de vítimas no seu tacape.

Liston amputou a perna direita enquanto Peter Squire, dono de uma farmácia em Oxford Street, aplicava o éter com a esponja dentro do inalador, que parecia um copo de vinho do porto. “Cavalheiros, este truque ianque ganha de longe do mesmerismo”, admitiu o cirurgião vaidoso, irônico e agressivo, com grande e significativa generosidade. No quadro que representa essa operação histórica felizmente o artista não o cirurgião, remove a perna errada.

SALVE ESTA HORA FELIZ! CONQUISTAMOS A DOR Essa foi a manchete do People’s Londom Journal. Até o Natal daquele ano, o mesmerismo – do nome de Franz Anton Mesmer, de Viena, o hipnotizador da moda em Paris, que emitia “magnetismo animal” – ou ópio, ou cannabis, mandrágora ou bebida alcoólica eram usados nas cirurgias, todos com mais compaixão do que esperança. Os assírios faziam a pessoa ficar inconsciente pressionando as artérias carótidas no pescoço. Helena de Tróia oferecia ânforas de nepente. Os chineses, em 2000 a.C. fabricavam uma droga do sono com pó de jasmim e rododendro. A marinha usava uma mordaça embebida com rum, o exército fazia morder uma bala. Nada funcionava. Era tão desanimador quanto as massagens de terebentina na barriga dos doentes de cólera, feitas por Florence Nightingale, e tão ineficaz quanto o atual tratamento do câncer. Não havia alternativa para a coragem.

Antes da primavera de 1847, o velho cirurgião de Napoleão, Joseph François Magagne (1806-65), especialista em rótula, havia registrado cinco anestesias com éter em Paris. Johann Fnedrich Dieffenbach, um velho cirurgião plástico, havia administrado éter em Berlim. Em Edimburgo seu inovador foi James Syme, primo de Robert Liston. Nikolai Pirogoff administrou éter, em São Petersburgo, pelo reto. O Conselho de Saúde de Zurique o proibiu por ser perigoso.

A famosa velocidade de cirurgiões como Pirogoff e Liston comparados com virtuosos do violino ou duelistas de um momento para outro tornou-se tão fora de moda quanto a pequena carruagem de duas rodas.

 

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Um bom lar para uma causa perdida

O verão de 1940 acordou as torres sonhadoras com o alarme de ataque aéreo. A guerra começava a se fazer sentir. A Inglaterra há nove meses tateava no escuro do blackout, e naquela primavera tinha cantado: “Vamos estender nossas roupas para secar na linha Siegfried.” Agora, manteiga, carne, chá e gasolina estavam racionados, o scotch era difícil de encontrar e 15 depois do começo oficial da guerra, com os panzers cruzando as fronteiras dos países vizinhos, os alemães chegaram a Boulogne, na França. Segundo a tradição de Drake, o críquete continuava a ser jogado no Parks.

Ao sul do Parks, num anexo do Departamento de Patologia da Escola de Medicina de Oxford, que geralmente abrigava cobaias e ratos de laboratório, uma construção de garrafas de limonada de cabeça para baixo, comadres, tubos de borracha, tubos de vidro, uma estante de mogno de Bodleian, uma centrífuga para leite, banheira, caixa de correspondência de bronze e campainha elétrica – o que teria feito a delícia do lápis de Heath Robinson – estava fabricando o medicamento mais necessário do século.

O professor de patologia era Howard Walter Florey (1898-1968), australiano de Adelaide, parecido com Glenn Miller. Ele chegou a Oxford depois de ter sido professor de patologia em Sheffield, em 1935, e como muitas vassouras novas no mundo acadêmico varreu seus assistentes para a Biblioteca de Ciências, encarregando-os de procurar pesquisas esquecidas ou abandonadas que merecessem uma revisão.

Florey notou que uma parte do trabalho realizado pelo professor Alexander Fleming, no Hospital Santa Maria, em Londres, em 1929, talvez devesse ser examinada. Fleming estava estudando o germe estafilococo, causador de furúnculos, carbúnculos, abscessos, infecção de feridas, osteomielite, mastite, pneumonia, septicemia e morte. Ele estava examinando as variações de cor nas colônias amarelas brilhantes dos estafilococos que cresciam no ágar nutritivo nas placas de Petri, rasas e arredondadas. Essas mudanças de cor eram mais acentuadas quando os micróbios cresciam ao ar livre do que no incubador.

Aparentemente, o professor Fleming foi passar férias na Escócia, quando terminou a experiência, e deixou as placas de Petri empilhadas num balde com um forte anti-séptico. Porém, a placa de cima havia escapado sem que lhe notasse, e durante sua ausência de um mês o bolor o invadiu e começou a devorar os estafilococos. O professor chamou o bolor de penicillium (escova) e, engenhosamente, o usou para limpar as placas de Petri daqueles germes irritantes e contaminadores, como estafilococos e outros. Assim, ele poderia cultivar o puro Bacillus influezae, que é imune a penicillium e que causa bronquite e sinusite, às vezes meningite, mas nunca a gripe.

Florey notou que a penicilina do seu colega podia ser redirecionada para atacar aqueles germes comuns, mas ferozes no interior do corpo. Seu químico, o alemão – russo Ernest Chain ( 1906-1979), cultivou o bolor em levedo de cerveja e extraiu o suco e, em 12 de fevereiro de 1941, Florey experimentou o resultado na Enfermaria Radcliff, num policial com septicemia estafilocócica resultante de um ferimento na boca, quando podava os arbustos do seu jardim. A penicilina produzida na estante de livros booleana era tão pouca que tiveram que subir de bicicleta a ladeira até o Departamento de Patologia, levando urina do paciente para fazer uma nova dose.

O paciente morreu, mas a experiência foi um sucesso. Florey restringiu seus esforços à tentativa de salvar a vida de crianças, que podia ser tratadas com doses menores do precioso líquido. Sua equipe planejou passar o bolor na roupa e fugir, se os alemães aparecessem no High. Ele publicou seus primeiros resultados na revista Lancet de 28 agosto 1940. Para surpresa de Florey, no dia 2 setembro Alexander Fleming (1881-1955) apareceu em Oxford. Ainda não estava atrasado.

Fleming teve sorte. Aquela placa de Petri do Hospital Santa Maria (encontra-se agora no Museu Britânico) foi exposta em um dos horríveis meses de agosto da Grã-Bretanha, a temperatura ideal para o crescimento do bolor. O bolor não caiu do céu, subiu do laboratório no andar inferior, onde o colega de Fleming estava estudando os diversos tipos de bolor. Fleming ignorava o potencial da penicilina porque sua mente estava atrás de uma cortina, mesmo no mais versátil e inventivo laboratório de microbiologia da Europa, sob autoridade rigorosa de Sir Almroth Wright. Para Florey, as cortinas estavam abertas. O fato de que germes “comuns” invasores podiam ser mortos no sangue por substâncias químicas foi definitivamente estabelecido em Wuppertal, um mês antes de Hitler dominar a Alemanha, pelo professor Gerhard Domagk (1895-1964) várias centenas de ratos.

I. G. Farbenindustrie, na Renânia, sempre fabricou belos corantes. Um obscuro químico vienense chamado Gelmo, em 1908, havia sintetizado a sulfonamida, que o chefe de Domagk, o químico professor Heinrich Hörlein (1882-1954) rapidamente transformou numa substância tenaz, de um vermelho muito vivo. Em 1919, dois americanos, sem muito entusiasmo, tentaram usá-la para matar bactérias em tubos de ensaio, pondo em prática ideia de um alemão que, em 1913, havia usado corante vermelho como desinfetante da pele.

Foi o professor Hörlein quem teve a inspiração de usar a sulfonamida como antisséptico no interior do corpo. Foi o sonho da moda. Em toda a Alemanha, os químicos estavam sintetizado compostos capazes de curar, com a tenacidade dos seus antepassados na identificação das bactérias, na década de 1880, mas sem resultado. Os químicos eram animados pela descoberta de Paul Ehrlich (1854-1915), de Frankfurt, em 1909, a famosa injeção 606 de arsênico (” a bala mágica “) para matar o espiroqueta da sífilis no sangue. Os químicos da L. G. Farben, em 1930, chave na transformada um corante amarelo vivo no medicamento mepacrina, para matar os parasitas da malária no sangue.

Hörlein encarregou seus químicos Mietzsch e Klarer de sintetizar inúmeros compostos diferentes contendo sulfonamida, que Domagk sistematicamente dava os ratos que ele havia infectado com 25 bactérias comuns. Estas incluiu bacilo da tuberculose, gonococos, pneumococos, meningococos e o estreptococo, o germe causador da amidalite, escarlatina, febre puerperal, erisipela, de infecções de ferimentos e o fatal envenenamento do sangue. Todos os ratos morreram. Domagk, era o arquétipo do homem com avental branco.

De acordo com a tradição da firma, I. G. Farben patenteou a sulfonamida no dia de Natal de 1932. Na véspera de Natal, Domagk notou que 12 ratos infectados com estreptococos de um homem que estava morrendo de septicemia estavam vivos e muito bem dispostos. Um composto chamado sulfanilamida tinha funcionado.

Domagk ganhou o prêmio Nobel em 1939, mas Hitler não queria que os alemães fossem contaminados com prêmios estrangeiros, e Domagk foi preso pela Gestapo. Hörlein foi aprisionado pelos americanos em 16 agosto 1945. I. G Farben fabricou também o gás zyklon-B, usado pela SS para matar seus prisioneiros. Ele foi julgado em Nuremberg em 1947, mas foi libertado. Enquanto isso, os britânicos haviam se apossado da patente quando a Guerra começou, e desenvolveram eficaz sulfanilamida antiestreptococica no composto sulfapiridine, eficaz contra pneumonia. A penicilina que fora cultivada por Florey em comadres do hospital foi fabricada pelos americanos em barris de cerveja, assim havia o bastante para os exércitos de Eisenhower e Montgomery, no Dia D. Os americanos, como a I. G. Farben, patentearam o processo e, daí em diante, ficaram com todo o dinheiro.

Ironia, teu nome e progresso.

Florey e Fleming dividiram o primeiro Nobel de 1945, mas mal conseguiram conversar. Então Fleming de repente pensou que era Robert Bruce. O pequenino, seco, astuto, inarticulado, incompreensível escocês viajou pelo mundo todo como salvador da humanidade, o descobridor da penicilina, e dominou completamente o coração dos clubes femininos norte – americanos. Florey se aposentou com magnífica solenidade acadêmica.

Quem foi o pai da penicilina? Florey e Fleming foram o esperma e o ovo? Quem se lembra ainda das palavras do grande médico eduardiano Sir Willian Osler: ” na ciência, o crédito vai para o homem que convence o mundo, não para o homem que teve a ideia em primeiro lugar”?

Quem se lembra ainda das ordenhadoras de Gloecestershire e dos meninos de Shropshire que, inteligentemente, evitavam que seus cortes fossem infectados fazendo um curativo com pão embolorado?

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Nascimento e morte

Lord Lister era bonito, robusto, gentil, impassível, resoluto e impermeável à crítica ou ao ridículo. Ignaz Philipp Semmelweiss (1818-1865), da Hungria, era calvo, usava bigode bem tratado, era excitável, sensível e louco. Quando Lister era ainda estudante, em 1846, Semmelweiss era assistente na Primeira Clínica Obstétrica de Allgemeines Krankenhaus, em Viena, o maior hospital do mundo para pacientes internos. A Primeira Clínica ensinava estudantes de medicina. A Segunda Clínica ensinava só parteiras. Na Primeira Clínica a febre puerperal, que aparecia uma semana depois do parto provocando hemorragia, trombose, peritonite, abscesso, septicemia e estupor, matava três vezes mais do que na Segunda Clínica. Toda Viena sabia tão bem, como conhecia o preço do Bratunurst, que as mulheres grávidas imploravam histericamente para dar à luz na Segunda Clínica.

Semmelweiss notou que a febre puerperal imitava outra doença violenta que matava os médicos desafortunados que cortavam os dedos nas autópsias. Ele lembrou que cada mulher tinha um ferimento aberto, o útero, depois de livre da placenta. Notou que os estudantes da Primeira Clínica vinham da sala de anatomia, onde dissecavam cadáveres, e as parteiras da Segunda Clínica chegavam de suas casas. Concluiu então, imediatamente: “A febre puerperal é causada pelo transporte para as mulheres grávidas de partículas putrefatas derivadas de organismos vivos, através dos dedos de quem as examina”.

Ele fez os estudantes lavarem as mãos com um desinfetante, cloreto de cálcio. O índice de mortalidade na primeira clínica caiu de 18 para 1%. Voltando a Pasteur, isso foi 17 anos antes dele identificar as “partículas putrefatas ” como micróbios e 19 anos antes de Koch relacionadas micróbios com as doenças. Como Jenner, Lister e Lind, Semmelweiss curou o que ele não sabia que estava curando. Os obstetras vienenses a deram tão pouca atenção ao seu tiro no escuro quanto os de Londres deram ao de Lister.

Lister acabou como um membro fundador da Ordem do Mérito, com um instituto, um memorial na Abadia de Westminster e uma estátua ao lado de fora do prédio da BBC. Semmelweiss acabou num asilo para loucos em Budapeste, onde morreu em 15 dias. Ele havia cortado o dedo na sua última operação e o ferimento infeccionou, e a gangrena invadiu seu corpo e o matou com um abcesso nos pulmões, exatamente como as vítimas da febre puerperal. Setenta anos mais tarde, entre as mulheres que davam à luz, três contraíam a febre, e entre 100 com febre, três morriam. Semmelweiss conseguiu contê-la, mas foram as sulfas que a erradicaram.

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