O trapo e a garrafa

A anestesia produziu aparelhos mais engenhosos até mesmo do que a horticultura. John Snow foi o primeiro anestesista profissional do mundo. Natural de Yorkshire, o mais velho dos nove filhos de um fazendeiro, morava no Soho e trabalhava no Hospital George, em Hyde Park Comer, dando 10 anestesias por semana. Em 1847 inventou um inalador portátil de éter  do tamanho de um livro grosso, com um dispositivo de banho-maria para vaporizar o anestésico, que era derramado num recipiente com uma placa em espiral, do qual o paciente inalava o vapor mais pesado do que o ar por um tubo longo e flexível. Uma mascara triangular, com uma válvula, cobre a boca e o nariz na monografa de Snow, a boca e o nariz de uma bela jovem com deliciosos cachos de cabelo. Snow aplicou uma mente cientifica ao novo assunto que havia surgido por acaso e por especulação, e que podia facilmente ter-se perdido na superstição e na falsa medicina. Ele escreveu Sobre o clorofórmio e outros anestésicos e caiu morto.

Joseph Thomas Clover (1825-1882)), barba espessa e sempre de sobrecasaca, seguiu Snow como o mais procurado anestesista de Londres. Ele clinicava no Hospital Westminster e tinha entre seus pacientes Robert Peel, o ex-Napoleão III, a futura rainha Alexandra e Florence Nightingale, possivelmente para intimidá-lo. Ele inventou um inalador de clorofórmio no qual uma dose era vaporizada por uma seringa e bombeada por um fole numa bolsa do tamanho de uma fronha. Tudo isso apavorava os pacientes nervosos. Esse método desprendia 4,5% de clorofórmio no ar, o primeiro anestésico a ser medido. Ele inventou também a “muleta de Cover”, que mantinha erguidas pemas da paciente anestesiadas quando o cirurgião precisava alcançar o períneo.

Os vários aplicadores de anestesia usados na segunda metade do século XIX iam desde simples máscara de flanela com armação de arame, que podia ser levada dentro de uma cartola, até um reservatório ornamental como um bule de chá para o óxido nitroso que estava voltando a ser usado. Alguns tinham bolas como os pulverizadores de perfume para bombear o ar no vidro com clorofórmio, outros tinham espécies de manivelas que movimentavam engrenagens, ou bolsas de borracha como bolas de futebol, mas o francês Louis Ombrédanne (1871-1956) usava uma bexiga de porco.

Seu compatriota Paul Bert (1830-86) em 1879 inventou o carro anestésico, forte e hermeticamente fechado, com dez pequenas aberturas que podiam acomodar 12 pessoas, incluindo o paciente. A equipe cirúrgica ficava sujeita a uma grande pressão do ar e o paciente à alta pressão do óxido nitroso da bolsa que ficava debaixo da mesa de operação. O ar era refrigerado no verão e passava por igua quente no inverno, e quando começava a diminuir alguém assobiava para avisar o homem encarregado da bomba, que ficava no lado de fora. O carro se movia sobre rodas e chegava a todos os hospitais de Paris, até que em 1883 os passageiros conseguiram jogá-lo na pilha de ferro velho. Os médicos tiveram mais sorte do que os trés balonistas que Paul Bert fez subir para estudar a inalação de oxigênio. Só um deles voltou com vida.

Depois da I Guerra Mundial a anestesia passou a ser feita passando óxido nitroso comprimido e oxigênio de cilindros para o éter e, às vezes, clorofórmio contido em vidros. Essa foi a invenção simples de “Cocky” Boyle (1875-1941) que, com “Gloomy” Hoover (1896-1986) adornou a anestesia no Hospital de São Bartolomeu, em Londres. Sir Ivan Magill (1888-1986) havia aplicado a anestesia, durante a guerra, para Sir Harold Gilles, que inventou a cirurgia plástica em Sidcup. Para evitar que o rosto deformado se tornasse um campo de batalha para o cirurgião e o anestesista, Magill inseria um tubo no nariz, que passava pelo céu da boca, pela língua e pelas cordas vocais até a traquéia. Desse modo não havia impedimento entre a parte inferior do cilindro de oxigênio e os alvéolos esponjosos dos pulmões do paciente. Foi uma conveniência muito bem recebida pelos anestesistas, que passavam muito tempo lutando para evitar que o paciente morresse

A despeito dos aparelhos, cada vez mais aperfeiçoados, o anestesista continuava como a figura desprezada, homem do pedaço de pano e da garrafa, garrafa de clorofórmio no bolso traseiro da sobrecasaca, pedaço de pano no outro bolso para pingar o anestésico, ganhando 10% dos honorários do cirurgião o Fígaro, o Admirável Crichton, o Jeeves do teatro operatório.

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