As honras da Academia

Em 1937 surgiu entre os mestres de Oxford o primeiro professor de anestesia da Europa, para grande ultraje de todo o corpo docente. O dinheiro veio de Lord Nuffield, que já havia escandalizado Oxford com a produção em massa do automóvel Morris Minor (Oxford é o Quartier Latin de Cowley”, chique de morrer). Nuffield levou bola preta no clube de golfe local, por isso ele o comprou e instalou seu parceiro de golfe na Cadeira de Anestesia. O novo professor era Sir Robert Reynolds Macintosh (1897-1989), inventor do laringoscópio aperfeiçoado, que já havia provado sua habilidade administrando uma anestesia perfeita com gás no seu benfeitor. Sir Robert tinha uma ótima clínica em Harley Street com três máquinas de gás e dois Bentleys por anestesista, maldosamente chamada pelos invejosos de “Companhia Mayfair de Gás, Luta e sufocaçao”. Então o Serviço Nacional de Saúde criou anestesistas consultores como qualquer outra pessoa, e eles fundaram a Faculdade de Anestesia e, finalmente, seus membros chegavam ao hospital dirigindo carros iguais aos dos cirurgiões.

A América tinha um professor Ralph Milton waters (1883-1979), em Madison, Wisconsin. Ele introduziu o gás ciclo-propano com as desvantagens de ser tremendamente explosivo e horrivelmente dispendioso. Também o “Pentotal”, que mudou a terrível indução da anestesia de sufocação controlada para uma pequena picada no braço. (Se o anestesista conseguia acertar a veia: “Você tomou gás na sua operação?” perguntou a mulher, no ônibus. “Não, eles não usam mais o gás”, respondeu a amiga. “Um cara chega, enfia uma agulha nas costas da sua mão quatro ou cinco vezes, e voce dorme”).

“A local” era usada desde 1884, injetada no músculo, em determinados nervos, na medula ou simplesmente passada na superfície do olho, da língua ou do nariz. O poder mágico da cocaína foi famosamente explorado pelo vienense Carl Koller (1857-1944), cirurgião de olhos. Se Freud nao tivesse saído de férias com sua noiva, na ocasião, teria se tornado um aclamado pioneiro anestesista e poupado ao mundo muita introspecção angustiosa.

Os anestésicos para uso local eram muito usados porque produziam insensibilidade e paralisia sem os inconvenientes gerais do narcótico e sem a necessidade de um hábil anestesista. Porém, a anestesia “local” obstinadamente local e quase sempre o paciente prefere o sono, mais arriscado. O problema foi resolvido por Sir Walter Raleigh (1552-1618). Em 1595, viajando para o Orinoco, Sir Walter conheceu o veneno paralisante que os nativos da América do Sul usavam nas flechas, um xarope feito de uma trepadeira que mais tarde foi chamado de curare”. As mesas de operação do mundo todo estão agora repletas, dia e noite, de pessoas submetidas ao equivalente à picada do dardo envenenado de uma zarabatana. A paralisa provocada oferece ao cirurgião um corpo flácido, enquanto uma pequena quantidade de algum anestésico moderno, como o halotano, provoca um sono superficial. A extrema economia de anestésico nas cesarianas, para não prejudicar o bebê, muitas vezes tem como resultado uma paciente completamente acordada e paralisada durante todo o tempo da operação. Os tribunais concedem uma indenização tão generosa a esse tipo de agonia mental e física que qualquer mãe que se queixe de ter passado por ela pode trazer à lembrança de toda uma enfermaria de parturientes que elas também sofreram sem merecer.

Essa combinação épica de sono e paralisia que transformou a anestesia foi experimentada por Harold Randall Griffith (1896-1985) em Montreal, em 1942. Porém, o escritor francês Joris-Karl Huysmans foi quem teve a idéia pela primeira vez. Em 1884, escrevendo sobre as observações de Edgar Alan Poe a respeito da influência depressiva do medo sobre a vontade, Huysmans acrescenta:

“Que afeta como um anestésico

que paralisa os sentidos e o curare que

inutiliza os nervos motores.”

Ora, ora.

Ninguém sabe como os anestésicos funcionam. Mas ninguém sabe por que nós dormimos.

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