Brincadeiras com o gás hilariante e com o éter

Esta é uma história contada e recontada. Na manhã de quarta-feira, 11 de dezembro de 1844, em Hartford, Connecticut, Horace Wells (1815-1848), 29 anos, bonito, gorducho e de costeletas escuras – inventor de uma solda sem sabor para firmar dentes falsos, que falhou, apesar da garantia financeira de um paciente – sentou na própria cadeira de dentista para que seu colega, o Dr. Riggs – que deu nome à doença de Riggs que provoca a queda de todos os dentes -, extraísse seu dente siso dolorido. Eles acabavam de deixar Union Hall, onde Gardner Quincy Colton (1814-1898), atendendo a um pedido especial, havia feito uma exibição privada de “óxido nitroso ou gás hilariante”, que, na noite anterior, havia alegrado uma palestra muito anunciada como sendo “sob todos os aspectos, um evento elegante”.

Colton era um estudante reprovado de medicina que vivia da ciência popular. O admirável desejo de aprender e a falta do que fazer em casa, à noite, que não fosse ouvir ou tocar piano, fazia com que esse tipo de palestra fosse muito popular, especialmente quando acompanhada por lampejos elétricos, explosões químicas e odores desagradáveis convincentes.

O óxido nitroso foi criado em 1772 por Joseph Priestley (1733—1804). Ele era um ministro presbiteriano, constrangedor e ímpio, eram Birmingham, e seu livro, História da Corrupção do Cristianismo, foi queimado pelo carrasco em Dort, em 1785. Filho de um comerciante de tecidos de Yorkshire, sem nenhuma educação científica, Priestley tornou se o “pai da química moderna… Que jamais reconheceu sua filha”(porque apegou—se cegamente à teoria deque a matéria continha um misterioso flogiston, o material do fogo).

Quando Priestley aceitou o convite para jantar, em julho de 1791, para comemorar a importância da Queda da Bastilha para Birmingham, um bando de desordeiros invadiu sua casa, destruiu seus papéis e seus aparelhos. Ele se mudou para Londres para ser o pregador matinal em Gravel Pit, Hackney, onde suas opiniões sobre a bíblia não foram bem recebidas,e então emigrou para a Pensilvânia. Um ano antes de descobrir o óxido nitroso, Priestley havia extraído o oxigênio puro da atmosfera, que misteriosamente aumentava a claridade do fogo das velas e alongava o tempo de vida dos ratos. Ele inventou a água gasosa.

Sir Humphrey Davi (1778—1829) gostava de inalar óxido nitroso para curar suas dores de cabeça. “Uma sensação agradável… ideais vívidas passam rápidas pela mente, e o controle dos movimentos é completamente destruído, fazendo cair dos meus lábios abertos a máscara do gás”. Um nativo do Leste, Davy, foi o descobridor do K (potássio), Na (sódio), Ba (bário), Sr (estrôncio), Ca (cálcio), Mg (magnésio) e Cl (cloro), e era.com professor educado que dirigia o elegante Instituto Pneumático, perto de Bristol. Ele inventou a lâmpada dos mineiros.

Davy achou que o óxido nitroso podia ser útil para operações cirúrgicas. Porém, apesar de ter segurado os membros dos pacientes e ouvido seus gritos quando era um jovem aprendiz de cirurgião em Pezance, não fez nada a respeito. Limitou—se a borrifar o óxido nitroso em Robert Southey, Samuel Taylor Coleridge e Roget do Thesaurus, que o aspirava entre goles de champanhe e dizia que o fazia sentir-se como o som de uma harpa.

O pôster de Quincy Colton, em Hartford, citava tentadoramente Southey (poeta):a atmosfera do mais alto de todos os céus possíveis deve ser composta desse gás.” Ele fazia a pessoa “rir, cantar, dançar, falar ou brigar etc., de acordo com o traço predominante do seu caráter”. É sempre divertido ver as pessoas agindo como tolas. Oito homens fortes sentavam na primeira fila, para proteger o público do frenesi dos doze jovens que se ofereciam para inalar o gás da bolsa de borracha e que, como uma precaução contra a vulgaridade, deviam ser todos cavalheiros extremamente respeitáveis.

Um desses cavalheiros era Sam Cooley, um empregado de farmácia, que alegremente começou a correr como um doido entre os bancos. Mais tarde, olhando atônito para suas canelas e joelhos ensanguentados, exclamou: “um homem pode entrar numa briga e nem perceber que está ferido.” E acrescentou: “se um homem estivesse seguro, poderia submeter-se a uma cirurgia sem sentir nenhuma dor no momento.”

Cooley acabava de anunciar o Fiat lux da anestesia. Horace Wells estava entre o público. “Então, o homem pode extrair um dente sem sentir dor, com o gás hilariante?”, pensou ele. Na manhã seguinte ele pôs a ideia em prática. “Uma nova era da extração de dentes!” Exclamou, depois. Como no caso do homem que inventou uma ratoeira mais aperfeiçoada, o mundo com dor de dente fez fila na frente da sua porta. Depois de um mês ele foi para Boston, para ganhar mais dinheiro.

Seu antigo sócio, William Thomas Green Morton (1819-1868), tinha estudado no Colégio de Cirurgia Dental de Baltimore e trabalhado algum tempo no Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, fundado por John Collins Warren (1778-1856) em 1811. Morton apresentou Wells a Warren, que de boa vontade organizou uma demonstração para extrair o dente de um aluno de Harvard. Foi um fracasso. Todos riram. Wells voltou para Hartford, matou um paciente, perdeu o interesse pelo óxido nitroso, desistiu da odontologia.

Passemos agora para o cão spaniel de Morton.

O éter era “óleo doce de vitríolo” para seu descobridor, em 1540, o botânico alemão Valerius Cordus (1515-1544). Seu Dispensatorium de 1535 foi a primeira farmacopéia publicada e campeã de vendas (35 edições). Rebatizado com o nome de aether em 1730, o vapor pungente, aspirado, havia soltado o catarro de três séculos. Morton leu na Materia Medica de Pereira, de 1839, que Michael Faraday (1791-1867) havia notado, em 1818, que o éter anestesiava como o óxido nitroso. Por toda a parte as pessoas estavam se deliciando com “farras de éter”, a alternativa da festa de gás de Colton, ambos ancestrais dos coquetéis de nossos dias. A anestesia, como a embriaguez, nasceu do desejo de eterno do homem de escapar de si mesmo, e felizmente escapou de ser sacrificada num ato de infanticídio pelos cruéis puritanos.

Roubando abertamente a ideia de Wells, Morton experimentou o éter no cachorro que “amoleceu completamente nas suas mãos e permaneceu insensível a todos seus esforços para acordá-lo, mexendo nele e beliscando-o”. Dois minutos depois, e o fiel Nig estava tão esperto como sempre! Morton continuou a experiência no cão, em si mesmo e nos seus aprendizes. Tudo no maior segredo. Ele queria patentear o processo e fazer fortuna.

Roubando abertamente a ideia de Weel, Morton experimento o éter no cachorro que amoleceu completamente nas suas mãos e permaneceu insensível a todos seus esforços para acordá-lo, mexendo nele e beliscando-o. Dois minutos depois, e o fiel Nig estava tão esperto como sempre! Morton continuou a experiência no cão, em si mesmo e nos seus aprendizes. Tudo no maior segredo. Ele queria patentear o processo e fazer fortuna.

Morton ofereceu cinco dólares, no porto de Boston, para quem quisesse servir de cobaia, mas ninguém se interessou. Na noite de 30 de setembro de 1846, Eben H. Frost apareceu no consultório de Morton com uma tremenda dor de dente, aspirou éter num lenço e, quando acordou, seu dente estava no chão.

Dezesseis dias depois, Morton deu éter para o Hospital Geral de Massachusetts para que John Warren extraísse um tumor venoso da mandíbula esquerda de Gilbert Abbot, de 21 anos. Morton se atrasou 15 minutos. “Como o doutor Morton ainda não chegou, suponho que deve estar ocupado com outra coisa”, disse Warren, secamente, para o grupo de médicos que esperava a demonstração. Todos riram outra vez.

Warren se sentou, bisturi em riste. Momento dramático! Morton entrou apressado, seu novo inalador, um globo de vidro contendo uma esponja embebida em éter, com válvulas de couro para garantir fluxo unidirecional para os pulmões do paciente. Sucesso! Warren dirigiu-se aos que assistiam: “Cavalheiros, isso não é uma farsa” Fim da gênese da anestesia.

O mecanismo do triunfo de Morton era simples. O éter é mais poderoso do que o óxido nitroso, que tem maior probabilidade de provocar asfixia antes da anestesia.

A boa notícia viajou rapidamente. Na tarde de segunda-feira de 21 de dezembro de 1846, Robert Liston (1794-1847), dedos de relâmpago realizou a primeira operação sob anestesia na Europa, no University College Hospital, ao norte de Londres, o cirurgião era um escocês com 1,84m de altura, capaz de amputar uma perna em dois minutos e meio. Com o paciente acordado, a rapidez do cirurgião era tão misericordiosa quanto a do carrasco. Liston segurava o bisturi ensanguentado com os dentes, como um açougueiro, ficar com as mãos livres e economizar para tempo, e orgulhosamente marcava o cabo dos bisturis de amputação como um pele-vermelha marcava o número de vítimas no seu tacape.

Liston amputou a perna direita enquanto Peter Squire, dono de uma farmácia em Oxford Street, aplicava o éter com a esponja dentro do inalador, que parecia um copo de vinho do porto. “Cavalheiros, este truque ianque ganha de longe do mesmerismo”, admitiu o cirurgião vaidoso, irônico e agressivo, com grande e significativa generosidade. No quadro que representa essa operação histórica felizmente o artista não o cirurgião, remove a perna errada.

SALVE ESTA HORA FELIZ! CONQUISTAMOS A DOR Essa foi a manchete do People’s Londom Journal. Até o Natal daquele ano, o mesmerismo – do nome de Franz Anton Mesmer, de Viena, o hipnotizador da moda em Paris, que emitia “magnetismo animal” – ou ópio, ou cannabis, mandrágora ou bebida alcoólica eram usados nas cirurgias, todos com mais compaixão do que esperança. Os assírios faziam a pessoa ficar inconsciente pressionando as artérias carótidas no pescoço. Helena de Tróia oferecia ânforas de nepente. Os chineses, em 2000 a.C. fabricavam uma droga do sono com pó de jasmim e rododendro. A marinha usava uma mordaça embebida com rum, o exército fazia morder uma bala. Nada funcionava. Era tão desanimador quanto as massagens de terebentina na barriga dos doentes de cólera, feitas por Florence Nightingale, e tão ineficaz quanto o atual tratamento do câncer. Não havia alternativa para a coragem.

Antes da primavera de 1847, o velho cirurgião de Napoleão, Joseph François Magagne (1806-65), especialista em rótula, havia registrado cinco anestesias com éter em Paris. Johann Fnedrich Dieffenbach, um velho cirurgião plástico, havia administrado éter em Berlim. Em Edimburgo seu inovador foi James Syme, primo de Robert Liston. Nikolai Pirogoff administrou éter, em São Petersburgo, pelo reto. O Conselho de Saúde de Zurique o proibiu por ser perigoso.

A famosa velocidade de cirurgiões como Pirogoff e Liston comparados com virtuosos do violino ou duelistas de um momento para outro tornou-se tão fora de moda quanto a pequena carruagem de duas rodas.

 

[Voltar]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.