Boas ações e finais infelizes

Nesse meio-tempo, Morton precisava de um secretário. Há trés meses ele praticamente não dormia, nem comia. Seu milagre estava em todos os jornais, e os médicos da Nova Inglaterra querem pôr as mãos nele. Morton coloriu seu éter fluido e o denominou de “Letheon“. Qualquer coisa para guardar o segredo até ser concedida a patente. Então ele anunciaria para o mundo todo, começaria a fabricação em massa dos seus inaladores, presentearia com eles os cirurgiões mais eminentes e as instituições de caridade, e “enviaria vários de alto preço aos principais soberanos da Europa” . Mais tarde, Fabergé poderia ter aproveitado a ideia. Morton escreveu panfletos e contratou vendedores para vender o anestésico de costa a costa. Ofereceu sociedade a Horace Wells (Wells recusou).

Foi então que apareceu Charles Thomas Jackson (1805-1880). Era químico e geólogo de Boston, e Morton fora seu pensionista. Jackson inventou o telegrafo elétrico, antes de Morse, em 1836, e o algodão-pólvora antes de Schonbien, em 1846. Foi declarado louco em 1873.

Morton, prudentemente, embora um tanto evasivo, havia pedido o conselho de Jackson sobre a química do éter, antes da operação de Warren. Agora Jackson afirmava ter sugerido o éter a Morton. Ele era o verdadeiro pai da anestesia e queria 500 dólares, ou 10% dos lucros. Morton, astutamente concordou em compartilhar com ele a patente. Jackson pertencia ao mundo científico de Boston, e Morton sabia que os cientistas de Boston o consideravam “um homem de cultura e pouca ciência” – muito bem, Boston também pensou assim de Jacob Bigelow (1787-1879), de Harvard, o botânico e médico que, em 1832, salvou Boston da cólera (100 mortes, contra 3.000 cidade de Nova York) E os dentistas de Boston, enciumados, estavam todos contra ele. A sociedade com Jackson seria o mesmo que um casamento respeitável.

A patente número 4.848 foi concedida em 12 de novembro de 1846.

Comoção!

Os dentistas de Boston e o Massachusetts General Hospital estavam ofendidos com o fato de

éter ter se tornado “um medicamento secreto”. Muitos relutam em concordar com a conveniência de restringir, por meio de patente, o uso de um agente capaz de mitigar o sofrimento humano”, lamentou altivamente Bigelow. Morton ficou arrasado. Jackson, de repente, se lembrou das patentes Europeias. Exigiu uma parte dos lucros, do contrário enviaria naquela mesma noite, por um navio-correio, uma carta à Academia de ciências de Paris reivindicando seu direito de único descobridor. (Ele enviou a carta). Ninguém deu importância ao Escritório de Patentes dos EUA, nem mesmo o Exército e a Marinha, na guerra do México, aos quais Morton se ofereceu para “eterisar” os feridos à razão de dois centavos por cabeça. De seis em seis meses, os advogados creditavam a Morton e Jackson o lucro líquido da anestesia nos EUA. No fim dos primeiros seis meses eles estavam a zero

Antes do fim do seu ano de triunfo, Morton havia tomado o caminho enevoado da eterna desesperança. Dissipou o resto da vida não concedendo aos outros os benefícios da anestesia, mas reivindicando-os para ele mesmo. Três vezes entrou com uma petição junto ao congresso, que formou um Comitê Especial, que não resolveu nada.

Em 1852, Crawford Williamson Long (1815-78) anunciou calmamente que desde março de 1842 realizava cirurgias superficiais usando o éter como anestésico, quase cinco anos antes de Morton. Long era um médico rural muito popular em Jefferson, Georgia. Outro clínico geral da zona rural também farejou o sucesso da anestesia. Henry Hill Hickman (1800-30), de Shifnal, Shropshire havia publicado experiências em filhotes de cachorro com o resultado de animação suspensa usando dióxido de carbono em 1824. Sua proposta insistente para que fosse usada a insensibilidade por meio de gases na cirurgia, na Inglaterra e em Paris, então o centro da moda da ciência, foi tristemente refutada por todos, de Carlos X da França para baixo.

Crawford Long atribuiu o fato de evitar a publicidade a uma uma cautela natural, a escassez de operações de grande vulto na clínica rural e ao risco de confusão com o mesmerismo dos curandeiros. Porém, sua filha e acrescentou: “Em toda a região corria o rumor de que ele possuía um medicamento estanho com o qual ele podia fazer dormir e cortar em pedaços sem que a pessoa percebesse o que estava acontecendo. Se houvesse alguma fatalidade, ele seria linchado.”

Morton tornou-se fazendeiro.

Em 19 de abril de 1854, o Senado aprovou um projeto de lei para recompensar Morton, e em 21 de abril a Camara dos Deputados o rejeitou. Ele foi recebido pelo presidente Pierce, que elaborou um plano para ele, aconselhando-o a processar um cirurgião do governo, ao invés de lutar contra o governo que não podia ser processado. Morton ganharia e o governo pagaria os custos da ação. Morton perdeu e o governo ganhou. Morton faliu, sua fazenda foi confiscada, sua família passou fome sua reputação foi ridicularizada, suas lembranças ficaram amargas, sua saúde decaiu, sua vida ficou vazia. Como diversão, em julho de 1868 ele viajou de Boston para Nova York para processar a Atlantic Monthly, mas caiu morto no Central Park. Wells era agora vendedor de chuveiros, viciou-se em clorofórmio, foi preso por jogar ácido em duas prostitutas na Broadway (com o nome de John Smith) e em 23 de janeiro de 1848 morreu de hemorragia na prisão Tombs, depois de cortar a artéria femoral com uma navalha. Foi então eleito membro honorário da Sociedade Médica de Paris

Seu busto encontra-se na Place des Etats Unis, perto do Arco do Triunfo, ao lado de um triste pedestal que espera ainda a estátua do General Pershing, da I Guerra Mundial. A placa diz Au dentist American Horace Wels inovateur de l’anaestbeste chirurgical.

A lógica francesa é inexpugnável.

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