Em 1856, a indústria francesa de vinho praticamente fechou. Garrafa após garrafa de vinho avinagrado era devolvida iradamente aos sommeliers, seu conteúdo despejado nos esgotos, quebradas com desespero contra a parede. A cerveja também estava horrível. Os vinhateiros de Bordeaux chamaram o professor de química de Lille, uma autoridade em fermentação como Flaubert era, em Rouen, autoridade em adultério.
Louis Pasteur (1822-1895), do Jura, era filho de um curtidor de peles, veterano da la grande armée. Em 1864, Pasteur descobriu que aquela trágica acidificação do vinho não era produzida por alguma química maligna, mas por organismos microscópicos vivos, gerados não pela própria bebida agradável, mas que estavam no ar. O desastre enológico podia ser evitado matando os organismos, o que podia ser feito aquecendo o lagar a 60 graus centígrados. Aquelas safras tão bien chambrées foram consumidas com tanto alívio e alegria que a indústria vinícola da França teve um lucro sem precedentes de 500 milhões de francos naquele ano. Pasteur observou então que os fermentos da boa cerveja eram esféricos, e os da cerveja azeda, elípticos, uma distorção provocada por micróbios. Assim, ele pasteurizou a cerveja também.
Na mesma época, os lucros anuais da indústria francesa da seda caíram de 130 bilhões para 8 milhões, porque o bicho-da-seda contraíra pébrine, doença da pimenta-negra. O bicho-da-seda gosta de amora, mas as plantações de amoreiras nas Montanhas Gévennes, do Languedoc, estavam se transformando em cidades fantasmas, atacadas pela vermiculite. Desesperados e confusos, os sericultores procuraram Pasteur.
Ele foi de Paris para Alais, no sul, e os presenteou com a descoberta de que a epidemia não era causada por um micróbio vivo (era um protozoário, um organismo unicelular como a ameba, que provoca a desinteria, mas naquele momento ele não podia por as mãos nele). Pasteur descobriu outra doença, a flâcherie, diarréia do bicho-da-seda. A cura para as duas consistia em separar os insetos que apresentavam os pontos cor-de-pimenta – os camponeses os guardavam em garrafas com conhaque, para mostrar aos entendidos – e higiene rigorosa da folha da amoreira. Logo o farfalhar da seda foi ouvido em nossa terra.
É reconfortante pensar que a gênese da anestesia foi o costume de cheirar “éter por bincadeira” (não seria por brincadeira? está escrito assim no livro), e que a bacteriologia – com suas benevolentes ramificações de inoculação e antibiótico – foi um copo de vinho, uma caneca de cerveja e um belo vestido. Nossos instintos para o prazer têm seus efeitos colaterais positivos.
Os gados bovinos e ovino da França estavam passado por uma fase terrível, também. Estavam sendo dizimados pelo antrax, extremamente doloroso. Em 1881, a vaciona contra o antrax, de Pasteur, reduziu a mortalidade por essa doença a 1% entre as ovelhas e a 0,34% no gado bovino. Todas as galinhas apanharam cólera. Pasteur viajou nos feriados e esqueceu no laboratório um espécie do fluido bacteriano que infectava as galinhas, e saiu para uns dias de descanso. Ele voltou para descobrir que sua cultura de bactérias em crescimento tinha enfraquecido, e concluiu que era ideal para inoculação contra a epidemia – como durante outro feriado, que veremos mais adiante, num clima menos ameno, o bolor da penicilina cresceu satisfatoriamente para Alexander Fleming. É muito inteligente ganhar o prêmio nobel in absentia.
Com a medula de cães raivosos Pasteur criou a vacina que salvou a vida do garoto pastor Juptile, eternizado na estátua que o mostra lutando contra um cão raivoso, no 15º arrondissement. Ele enfeita o jardim nos fundos do Instituto Pasteur, onde está enterrado nosso descobridor de micróbios vivos e da inoculação científica para combater sua incessante campanha contra nós.
A mente de Pasteur foi a luz e o fim do túnel da infecção, que não tinha começo. O valor em dinheiro das suas descobertas foi usado pela França para completar a indenização exigida pela Alemanha pela guerra de 1870-1871. Pasteur teve uma vida simples, séria e espiritual, e fez tudo isso a despeito de ter sofrido um sério derrame, em 1868. Sua filha de 12 anos morreu de febre tifóide, 15 anos antes de ser descoberto o germe dessa doença. A aplicação do seu gênio ao leite, no século XX, fez com que o nome de Pasteur passasse a aparecer na soleira de todas as portas da Grã-Bretanha.
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