A guerra dos mundos

Por ocasião do nascimento de H. G. Welles, em 1886, ninguém conhecia a existência do exército de micróbios na terra. Quando ele morreu, em 1946, nós os estávamos atacando aos poucos, com algumas vitórias. Os humildes e micro-organismos herdaram a terra antes de nós, são em número infinitamente maior do que nós, eles nos matam sorrateiramente, restringem nosso prazer sexual, eles pilotaram nossa história e comandaram nossos pensamentos, eles nos massacraram intermitentemente, e eles nos reduzem ao medo abjeto e à meticulosidade absurda, eles estarão aqui depois de nós. A descoberta desses micro-organismos na segunda metade do século passado foi uma materialização de duendes, diabretes e feiticeiros que desde o início dos tempos dançam na memória dos povos. É um mundo de insetos.

O décimo terceiro capítulo do Levítico é um manual perfeito de saúde pública. Para o controle da lepra, as roupas do doente são queimadas – seja qual for a utilidade ou o material – e gritando “Impuro, impuro” ele desaparece no isolamento. Casais com gonorréia enfrentam uma quarentena de uma semana, tudo em que ele sentam é lavado, incluindo suas selas. O homem sempre soube que podia apanhar uma doença de outra pessoa ou de alguma coisa – mas apenas vagamente, como imagina ainda que o vento frio traz romantismo. O próprio Hipócrates não chegou a conceber a idéia de infecção.

A febre era atribuída aos deuses, ou mais especificamente ao ar impuro – malária significa, em italiano, o tremor de frio provocado pelas emanações venenosas dos Pântanos Pontine. Foram necessárias as pragas devastadoras da Idade Média para que se começasse a suspeitar de que algo sólido pode transmitir doenças de uma pessoa para outra. Em 1546, um médico jovial e poeta de Verona, Hieronymus Fracastorius (1483-1553) dizia no De Contagione que as epidemias que assolavam as margens do Lago Garda progrediam por meio de sementes invisíveis. Essas sementes propagavam-se rapidamente, levadas pela respiração ou pelo ar, ou por beber num mesmo copo ou dormir com a mesma mulher, por meio de roupas, pentes, moedas, qualquer coisa infectada, que ele chamava de “fomites”. Ele só não descobriu que as sementes eram vivas, tanto quanto ele.

Não aconteceu muito mais do que isso na conquista da infecção, até 17 de setembro de 1683.

O nosso arrojado almofadinha e de Delft, Antony van Leeuwenhoek, estava tão na moda como criador do microscópio quanto seu contemporâneo Stradivarius, o fabricante de violinos. Naquele dia de setembro ele tirou restos de comida de seus dentes e descobriu pequenos animais “Mais numerosos do que a população dos países baixos, todos se movimentando alegremente”. Eram bactérias nos seus típicos aglomerados e cadeias, tão conhecidos hoje em dia. Esses “Animalúculos” persistiram na mente dos médicos como sendo gerados, a exemplo das larvas, pela própria carne putrefata. Assim como os chineses supunham que os insetos eram gerados pelo bambu molhado, as abelhas surgiam de vacas mortas e a lama do Nilo, cozida pelo sol, produzia rãs e cobras, se não crocodilos.

Quando Francesco Redi (1626-1697), da Toscana, antecipou a Sra. Pooter, cobrindo a carne para protegê-la das moscas, ele acabou com as larvas. Elas não brotavam espontaneamente. Omne vivux ex ovo, anunciou ele, até uma larvas tem mãe e pai. Somente Homero teve a idéia antes:

“Mãe”, queixou-se Aquiles em Tróia, “Tenho um medo terrível de que nesse meio-tempo as moscas profanem o corpo de meu senhor Patroclos, pousando nos ferimentos abertos e depositando vermes neles.”
“Meu filho”, Tetis o tranquilizou, “Vou providenciar para que as moscas sejam afastadas, salvando-o assim dessas pestes que devoram os corpos dos homens mortos em batalha.”

O tratamento preventivo da mãe Tetis consistia em Ambrósia e néctar vermelho, administrado pelo nariz.

As modas dos tratamentos aparecem tão absurdamente quanto na alta-costura. Aquelas larvas que rastejavam repulsivamente em volta dos ferimentos só estavam fazendo o bem. Avidamente elas limpavam os restos sépticos de pele morta, de carne e de pus, e estão agora sendo recrutadas para atuar como abutres não-tóxicos do corpo. Para uma infecção do ouvido externo, nada melhor do que uma larvas na orelha.

Ninguém foi muito adiante até a chegada da maior médico do século XIX, que não era qualificado.

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