A malandragem da indústria farmacêutica

Uma molécula química com potencial farmacoterapêutico percorre um longo e obviamente demorado caminho até chegar às prateleiras das farmácias e à ponta da caneta dos médicos que são cooptados pela indústria farmacêutica para prescrevê-la.

A primeira providência, após decifrada a estrutura química e feitos os primeiros ensaios de farmacologia básica, geralmente com animais, nos quais o candidato a fármaco mostra potencial comercial, é patenteá-lo para garantir a propriedade intelectual e industrial.

As patentes farmacêuticas são válidas por vinte anos no Brasil e, considerando que, desde o registro da patente até chegar ao mercado, o fármaco leva cerca de dez anos, se forem seguidas honestamente e fielmente todas as etapas do ensaio farmacológico, o fabricante terá dez anos para explorar aquele produto e recuperar o dinheiro que gastou em seu desenvolvimento, pois, após a patente expirar, poderão ser lançadas apresentações genéricas do fármaco.

Quando um fármaco tem sua patente expirada e cai em “domínio público”, a indústria farmacêutica já tem outro lançamento em desenvolvimento, geralmente um composto químico da mesma família do anterior, patenteado com pequenas alterações na estrutura molecular do anterior.

Como exemplo dessa malandragem, podemos citar o composto H168/68, patenteado com o nome de omeprazol na segunda metade da década de 70 do século passado, um fármaco bloqueador da bomba de prótons no estômago, que reduz a acidez gástrica, diminuindo a formação de úlceras gástricas, e chegou ao ensaio clínico de fase III em 1982, sendo lançado comercialmente por volta de 1986 (KOROLKOVAS, 1988).

Omeprazol

Omeprazol

Dissecando a estrutura química do Omeprazol:

Dissecando o Omeprazol

Chega-se a esta estrutura base:

Estrutura base do Omeprazol

A partir dela, foram patenteados outros derivados para manter as patentes e faturar cada vez mais.

O primeiro deles foi o pantoprazol, que tem uma taxa de recidiva de 80% de úlcera gástrica contra 10% do omeprazol.

Pantoprazol

Depois veio o lanzoprazol:

Lanzoprazol

Na sequência veio o Dexlanzoprazol:

Dexlanzoprazol

Após veio o Rabemprazol:

Rabemprazol

E muitos outros, lançados por diferentes fabricantes, sendo apenas derivações do omeprazol, como se pode verificar nas estruturas químicas acima, cuja parte em azul é a estrutura básica do omeprazol.

Em hospitais universitários e públicos, apenas o omeprazol é padronizado pela Comissão de Farmácia e Terapêutica, por dois motivos básicos: 1. é mais barato e fácil de adquirir no mercado; e 2. como está no mercado há mais de três décadas, todos os seus efeitos adversos já são conhecidos.

O fármaco da moda agora é a Vonoprazona, cuja estrutura química apresenta modificações significativas em relação à estrutura básica, não em composição, mas em estereoquímica (posição dos grupamentos químicos).

Vonoprazona

Reparem na estrutura dobrada da vonoprazana que, segundo o fabricante Takeda, é ativa até contra o Helicobacter pylori, uma bactéria que é flora normal do estômago, mas foi transformada em vilã de potencial cancerígeno, tudo para apavorar os incautos e vender mais fármacos inúteis.

Outra safadeza escancarada da indústria farmacêutica é forçar a redução dos limites máximos em exames bioquímicos, como por exemplo o limite máximo de glicose no sangue em jejum, que na década de 1970 era de 120mg/dl, na década de 1990 foi baixado para 110mg/dl, e atualmente está em 100mg/dl, mas muitos cientistas a serviço dos fabricantes de hipoglicemiantes orais publicam artigos defendendo que o limite deve ser 90mg/dl. (MONTGOMERY, 1990)

Comprovadamente, o uso de qualquer fármaco produz um fenômeno chamado de regulação para cima de receptores, ou “up-regulation” (como os que se consideram eruditos costumam dizer), que nada mais é que o aumento do número de receptores para aquele fármaco. O uso contínuo pode levar à dependência devido ao excesso desses receptores.

O exemplo clássico são as sulfonilureias, base de fármacos hipoglicemiantes como a metformina, a glibenclamida e muitos outros. Esses medicamentos forçam o aumento de receptores de glicose nas membranas celulares através do aumento da expressão gênica, quando há insuficiência ou morte das células beta, localizadas nas ilhotas de Langerhans e consequente deficiência ou mesmo ausência de insulina na corrente sanguínea (AYRES, 2011).

Metformina

Com o tempo, uma pessoa que, por algum engano baseado em falsos parâmetros de glicose no sangue, especialmente nos quadros psíquicos de transtorno de ansiedade generalizado ou simplesmente chamado de síndrome do pânico, quadro onde há uma desfosforização massiva de glicogênio e consequente aumento de glicose no sangue, e passou a utilizar erroneamente e continuamente um hipoglicemiante sem ser realmente diabética pode acabar desenvolvendo diabetes pela dependência da estimulação externa (farmacológica) do seu material genético para a produção de receptores de glicose, substituindo a insulina.

Assim é que a indústria farmacêutica se mantém: astutamente, adicionando radicais químicos a estruturas de fármacos já estabelecidos, patenteando-os como se fossem inovadores e persuadindo médicos a prescrevê-los. Este é o principal motivo pelo qual médicos e suas instituições demonizam a prescrição farmacêutica, que eliminaria presentes, benesses, propinas e outras vantagens financeiras pagas pela indústria farmacêutica.


Referências bibiográficas:

AYRES, M. M., et al. Fisiologia. 3 ed. Rio de Janeiro : Guanabara-Koogan, 2008.

KOROLKOVAS, A., BURCKHALTER. J. H. Química Farmacêutica.. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 1988.

MONTGOMERY, R., CONWAY, T.W., SPECTOR, A. A. Biochmestry: A case Oriented Approach. 5th ed. Toronto, CA : Mosby Co., 1990.

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