Quando eu era criança, nos anos 1950, óleo de fígado de bacalhau era muito bom para a saúde, embora péssimo para a vida.
Eu suava frio com a perspectiva de engolir aquela gororoba horrorosa, uma sessão de tortura familiar, os irmãos em fila – até hoje sinto o resíduo daquele gosto na alma. Mas não reclamo – como felizmente conservo uma saúde razoável que vem me mantendo a uma distância segura dos médicos, com certeza aquele óleo de fígado cumpriu seu papel. Pelo menos para temperar a resistência e ensinar que nem tudo na vida é doce. Além do óleo de figado, ordem disciplina, obediência e missa aos domingos também eram bons para a saúde.
Dos anos 1960 em diante, o óleo de fígado foi perdendo seu prestígio, junto com o velho pacote familiar. Pensando bem, surgia uma geração bastante liberal nesse quesito do “bom para a saúde”. O que era importante mesmo estava, digamos, mais no mundo mental do que no mundo físico, e se hoje as pessoas andam muito mais esotéricas do que naquele tempo, acreditando em tudo quanto é mantra e disco voador que aparece pela frente, devem agradecer à geração dos anos 60 que redescobriu a Índia, os gurus, a transcendência, a maconha (naquele tempo um item importante da salvação do espírito, junto com qualquer coisa que supostamente abrisse “as portas da percepção”), a vida comunitária tudo que contestasse o sistema capitalista e o perverso mundo da razão. A regra era a vida desregrada; pode fumar quanto quiser, desde que a alma conserve-se pura.
O mundo gira e lá pelos anos 1980 veio o que se começou a chamar de “geração saúde”, junto com aqueles (para os velhos hippies) odiosos yuppies engravatados que passaram a achar o dinheiro uma coisa muito boa. Pouco a pouco o cigarro foi caindo em desgraça, surgiu a cultura – ou a indústria – de tudo que é light, o açúcar passou a ser demonizado como a maior fonte de sofrimento da vida humana, o café entrou na lista das drogas proibidas das patrulhas agressivas da “vida saudável e obrigatória para todos”, a alimentação virou um item farmacêutico-religioso da vida das pessoas, fizeram-se cruzadas contra o toucinho e o leitão à pururuca, o velho e bom ovo de galinha foi condenado à morte por um tribunal universal de vítimas do colesterol e daí por diante. Em suma, passamos a viver permanentemente na antessala de um hospital. Avaliar um produto no supermercado para colocá-lo no carrinho é uma complexa operação que envolve um cálculo preciso entre o prazer da vida e o tubo de soro na UTI. O prazo de validade é o menor dos perigos.
Felizmente, há reviravoltas espetaculares: súbito, o café é bom para a memória e o ovo foi reabilitado com honras medicinas e salva de tiros por especialistas. No meio dessas boas notícias, temo apenas a volta do óleo de fígado de bacalhau.
Por Cristovão Tezza
[Voltar]