Pare a vacinação agora

Como qualquer ideia nova que desabrocha em qualquer sociedade ou instituição, não demorou para que as portas se fechassem para Jenner. A Real Sociedade a rejeitou ativamente.

Ele não devia arriscar sua reputação apresentando para o ilustre grupo de médicos algo que parecia tão contrário ao conhecimento estabalecido e, ao mesmo tempo, tão incrível.

Talvez eles tenham zombado do título de 33 palavras de “Um Inquérito sobre as Causas e Efeitos” etc. do seu livro fino e elegantemente escrito, que apresentava a heresia com ilustrações coloridas das mãos elegantes das ordenhadoras, 7 shillings e 6 pence.

“As pessoas tinham medo de serem transfornadas em vacas.

Ali, mastigando uma haste de grama, estão Jem, Joe e Mary,.

Nas suas testas, oh, horríveis chifres torcidos começam a brotar;

Lá está Tom com sua calda, e o pobre Willian todo peludo.

Reclinado num canto rumina o que comeu.”

dizia a canção.

Mas a vacinação venceu. Em 1800, 6.000 compartilharam a felicidade das ordenhadoras. Em 1802, o Parlamento votou 10.000 libras para Jenner, Em 1807 mais 20.000, uma generosidade histórica com o dinheiro dos contribintes. Ele se tornou um Homem Livre de Londres e médico de Oxford, e foi membro honorário da Sociedade Real de Medicina, envergonhada da sua atuação anterior. Quando em 1813, Jenner Implorou a Napoleão para libertar um parente capturado, o Imperador exclamou: “Ah! C’est Jenner, je ne puis rien refuser à Jenner.” A resposta de Jenner a tudo isso foi: “E o que é a fama? Um traseiro dourado, para sempre castigado pelas flechas da maledicência”, o que devia ocorrer com frequência a qualquer pessoa cujo nome aparecia nos jornais.

A varíola continuou a matar. Só os nobres podiam pagar a vacinação. A solução era vacinar de graça as crianças, o que foi feito na Grã-Bretanha, em 1840, e tornado compulsório em 1853 (depois da Bavária, Dinamarca, Suécia, Würtemburg, e Prússia). Mas, para qualquer atividade , em qualquer parte da Grã-Bretanha l logo é criada uma sociedade para impedi-la. Hoje, a Associação Scotch Whisky, em Edinburgh, bebe à saúde da Liga Nacional da Temperança, em Sheffield; os Mestres da Caça à Raposa gritam “Tally-ho!”, através dos Costwolds para a Liga Contra Esportes Cruéis, no Elephant and Castle; o Clube Naval e Miltar, em Picadilly, avista além do seu porto as xícaras de chá da Liga da Amizade Internacional, em Ashton, e até o Colégio Real de Cirurgiões, em Lincoln’s Inn Fields, tem de reconhecer a Associação de Pacientes do East End. Assim, o espírito de Jenner, em 1867, enfrentou a Liga Antivacinação.

“Cortar com instrumento agudo o braço do seu bebê pequeno e saudável, nascido há poucas semanas, e pôr nos cortes uma matéria imunda tirada de uma vaca…”

dizia a liga.

O suficientes para fazer chorar um crocodilo.

A liga organizou uma grande demonstração em 1885, o futuro Primeiro-ministro Belfour interveio, a vacinação tornou-se uma peça teatral com tema político e, como todas as peças desse tipo, chegou até a direção do nosso precário Serviço de Saúde. O script foi a partir daí, escrito por Lewis Carrol. Os Antis chegaram a conseguir a revogação da vacinação compulsória nas forças armadas, no ano da Batalha do Somme.

Em 1899, os pais podiam objetar conscientemente contra a vacinação, a respeito da qual a atitude do público público passou a ser de apatia, só quebrada no caso de alguma epidemia local. Mas a vacinação em massa venceu. Na II Guerra Mundial, a Inglaterra teve apenas duas mortes por varíola. O triunfo de Jenner foi paradoxalmente proclamado em 1946, quando o Ministro da Saúde da Grã-Bretanha despertou para o perigo de que as mortes infrequentes, provocadas pela vacina, eram em maior número do que o perigo de mortes mais raras ainda, causadas pela varíola. Assim, em 1948 foi suspensa a vacinação compulsória das crianças, embora a vacinação voluntária continuasse sendo feita gratuitamente, para provar a generosidade do Serviço Nacional de Saúde.

Em 1971, a vacinação voluntária rotineira das crianças foi abolida. Em 1977, a varíola estava erradicada do mundo todo. Como é agradável terminar assim, como uma simplicidade tão gratificante.

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