Leonardo da Vinci (1452-1519) foi um anatomista casual. A rainha conserva em Windsor seu encantador desenho de um casal cortado ao meio, fazendo sexo. Estão de pé, e o desenho apresenta em corte longitudinal o pênis firmemente inserido na vagina, com nervos vigorosos transmitindo o prazer para a medula espinhal do homem, seu coração bombando o sêmen para fora do escroto por um longo tubo espinhal e o útero dela ligado ao mamilo. O detalhe que acompanha o desenho, um pênis cortado como uma linguiça, mostra corretamente as cavernas esponjosas, inundadas de sangue durante a ereção. A outra ilustração, representando a genitália feminina, faz lembrar a robustez da entrada de uma catedral. Tudo uma concepção razoável dos eventos.
Em Paris, o estudante de medicina Andreas Vesalius (1514-1564) encontrou, fora dos muros Louvain, perto de Bruxelas, onde nasceu, um patíbulo onde balançavam um esqueleto dissecado completo com ligamentos. Ele correu para casa com aquela preciosidade – qualquer esqueleto humano era uma avis rara – ele iniciou sua carreira, que culminou com um anfiteatro anatômico lotado, em Pádua (Ticiano pintou o quadro). A perfeição artística do belo átlas anatômico de Vesalius, De Humani Coporis Fabrica, mostra os corpos esfolados, os músculos abrindo-se como pétalas de uma flor, a vivacidade vigorosa dos tenistas de Wimbledon. Ele demonstrou bravamente que Galeno, depois de descobrir que a mandíbula era um único osso, não dois, que o esterno é formado por três ossos, não sete, e que os filhos de Adão não têm uma costela a menos, e portanto, Eva deve ter vindo de algum outro lugar. Tudo isso provocou a ira dos que, desde o começo do mundo, se julgavam importantes .
A heresia e a blasfêmia persistiam como disfarces pomposos para oprimir a liberdade da palavra, a qual sempre escolhe assuntos que provocam implicitamente nos opressores um mal-estar secreto. O próprio Papa Urbano VIII devia perder o sono, imaginando que talvez Galileu estivesse certo, e e pur si mouve. Michael Servetus (1509-1553) foi queimado vivo por Galvin, numa fogueira alimentada por seus livros, por ter descoberto a circulação pulmonar. Vesalius foi obrigado a abandonar a anatomia quando tinha 30 anos, e foi ser médico da corte em Madri. Ele dissecou um nobre espanhol, que se moveu alarmantemente sob o bisturi, o que provocou a ira da Inquisição, que o condenou a uma peregrinação expiatória a Jerusalém, na qual o navio naufragou e ele morreu de fome na ilha grega de Zante. Depois de Vesalius, vieram Eustáquio (1510-1574) e Falópio (1523-1562), famosos por suas trompas, a primeira no ouvido médio, a outra na pélvis feminina.
No século XI, Salerno, da Dame Trot, foi o primeiro centro de excelência médica, uma expressão usada hoje para designar a si próprios por Guy Bart, Tommy, etc. Esse balneário popular veio a ser a original Civitas Hippocratica, um ponto de reunião para médicos, numa bela paisagem e isenta de impostos. Napoleão fechou a escola de medicina em 1811. Não existe mais, como o resto da velha Salerno, depois do bombardeio para o desembarque dos aliados em 9 de setembro de 1943.
A escola de medicina de Salerno foi suplantada por excelência, durante o século XIII, pela escola de Montpellier, e depois pela de Leyden, perto de Haia, fundada por Guilherme de Orange em 1575. a Estrela de Leyden era Hermann Boerhaave (1668-1738), um médico prático que lecionava elegantemente em latim, e atraiu estudantes até da América, estendeu sua clínica particular até a China e deixou dois milhões de florins. Durante um breve período, Montpellier abrigou o bêbado, errante, agressivo e arrogante Paracelso (1668-1738) de Zurique, que começava suas aulas queimando as obras de Galeno e desdenhava os médicos tradicionalistas, seus contemporâneos, médicos com manto de veludo e que falavam latim. “Eu não agrado ninguém, exceto aos doentes que curo”, gabava-se ele, com razão. Montpellier produziu o único papa médico, João XXI, que morreu quando o teto lhe caiu em cima.
Sessenta e cinco anos depois de Vesalius se tornar seu professor de anatomia e cirurgia, Pádua ensinou Willian Harvey (1578-1657), de Folkstone, que era baixo, moreno, com cabelos crespos, agitado e falante e que voltou para casa para trabalhar no Hospital São Bartolomeu e para James I e Carlos I.
Todo o mundo sabia que o sangue se movia, fosse pela observação da artéria de uma orelha abatida, fosse pela tendência do homem para mater e ferir seus semelhantes (Harvey sempre usava uma adaga no cinto). Até o século XVII, imaginava-se que o sangue saía e entrava, como as marés. Em 1628, Harvey demonstrou que ele percorria um caminho circular, como a música da década de 1930.
Havia uma dúvida: como o sangue voltava ao coração através da carne? Galeno havia dito que ele passava de um lado para o outro do coração. “Somos levados a admirar o maravilhoso artesanato do Todo-Poderoso”, comentou Vesalius, sarcasticamente, “que faz o sangue se escoar do ventrículo direito para o esquerdo por passagens invisíveis ao olho humano”. A resposta tantalizou os estudantes de Harvey durante 32 anos.
O microscópio foi inventado acidentalmente por um óptico holandês que introduziu duas lentes num tubo. Antony van Leeuwnhoek (1632-1723), de Delf, explorou a invenção – ele tinha 247 microscópios e foi o primeiro homem a ver o próprio espermatozóide. O microscópio, de Marcello Malpighi (1628-1964), de Bolonha, revelou o elo que Harvey procurava, mostrando o corpo todo percorrido por capilares minúsculos que canalizavam as artérias para as veias. A partir de então, o corpo foi alegremente examinado ao microscópio e estudado pela anatomia por toda a Europa.
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