Reflexões sobre o livro Responsabilidade Civil dos Hospitais de Miguel Kifouri Neto:
1. Saúde é produto?
2. Enfermo é consumidor?
3. Onus probandi ou ônus da prova: inversão de que trata o código de defesa do consumidor inverte a obrigação do autor (geralmente o paciente que acusa o médico) de apresentar a prova, cabendo ao médico provar que não errou ou negligenciou o tratamento do paciente.
4. Obrigação dos profissionais liberais é de meio e não de resultado. O profissional liberal se compromete a empregar toda sua técnica, cuidado e conhecimento no tratamento do cliente, mas não é responsável pelo resultado, ou não tem a obrigação de resultado, que muitas vezes é influenciado por fatores intrínsecos do paciente, alheio à vontade do médico ou de qualquer outro profissional.
5. Os hospitais e seus funcionários não podem ser responsabilizados solidariamente pelas obrigações de meio dos profissionais que locam seus serviços, ou seja: o hospital que aluga centro cirúrgico e leito de internação para médicos não integrantes de seu quadro funcional, não responde solidariamente pelos danos causados pelo profissional médico que operou em seu centro cirúrgico, a menos que haja negligência de sua equipe de profissionais no cuidado dos pacientes – responsabilidade objetiva.
Regras técnicas da profissão – Lex artis.
Cargas probatórias dinâmicas: Atribuir ao reu ou à vítima o ônus da prova conforme a possibilidade de um ou de outro produzi-la.
Quirófano: interior da sala de cirurgia.
Aresto: decisão ou sentença.
Se o paciente anestesiado e inconsciente foi vítima de dano por erro, não é ele que tem que provar o erro, não é ele que tem que fazer ou produzir a prova, mas sim quem causou o dano, neste aso a inversão do ônus da prova é justo e cabível, obrigando o médico a provar que não errou.
Culpa: desvio de um modelo ideal de conduta.
Negligência: é o oposto da diligência (cuidado).
Imperícia é diferente de imprudência.
– Imperícia é não ter o conhecimento necessário e causar dano.
– Imprudência é ter o conhecimento, mas não cuidar para evitar a ocorrência do dano.
1.12 Fuga do hospital e morte de paciente (p.127)
Conforme o caso, pode haver responsabilização do médico, que se avisado ou tendo notado alterações de comportamento do paciente não tomou medida farmacoterapêutica ou mesmo física para contê-lo. Pode a responsabilidade recair sobre a enfermagem e à vigilância (hotelaria), caso se comprove falta de cuidado e vigilância sobre o paciente ou ainda, pode recair sobre o próprio paciente, caso fique evidente premeditação da fuga e uso de expedientes para consumá-la.
1.13 Homicídio de paciente no interior do hospital, cometido por terceiros, estranhos ao nosocômio (p.128)
Se a vítima for criminoso e o homicídio foi cometido por rival ou gangue em vingança ou acerto de contas, o estabelecimento não responde, mas se o homicídio for decorrente de assalto onde o paciente foi vítima e o meliante entrou no nosocômio por falha ou omissão de vigilância, o hospital responde e tem o dever de indenizar.
1.14 Recusa ou retardamento no atendimento de paciente (p. 131)
Se não houver vaga, o hospital não é obrigado a abri-la, mas o médico de plantão deve encaminhar a paciente a outro estabelecimento.
1.15 Médico de sobreaviso ou plantão a distância (p.131)
A falta de atendimento ou retardo que gere prejuízo ou dano ao paciente é caracterizado como negligência e se trouxer dano financeiro ao paciente, à instituição ou ambos, deve ser indenizado pelo médico ou, no caso de vínculo empregatício, por ambos.
1.16 Não interessa ao HC
1.17 Prazo para a guarda de prontuários (p.132)
Pelo Código Civil de 2003, é de três anos (art. 206), se o atendimento gerador do fato for posterior a 11 de janeiro de 2003, e da metade do tempo já decorrido do atendimento se for anterior a data anteriormente citada e o prazo disposto no Código Civil de 1916, que era de 20 anos.
O Código de Defesa do Consumidor estipula o prazo em cinco anos, mas como a responsabilidade do médico é subjetiva, não está sujeita ao CDC, mas ao CC.
1.18 Hospital psiquiátrico (p.133)
Embora não seja o caso do HC, aplica-se alguns dos princípios discutidos aqui: o hospital não é responsável pela situação imprevisível ou infelicitas facti, ou seja, pelo ato cometido por doente do qual não se podia esperar tal atitude em função de seu histórico clínico, mas será responsável se ficar demonstrada que a situação ou evento decorreu de falta de vigilância ou medidas terapêuticas sobre comportamento já conhecido e/ou apresentado anteriormente pelo doente mental ou qualquer outro paciente com perturbação ou desvio de conduta, consciência ou comportamento – evento previsível.
1.19 Serviços hospitalares terceirizados
O hospital responde solidariamente com o serviço terceirizado por ele contratado no caso de dano de qualquer natureza a pacientes.
Ex.: no caso de uma ação indenizatória por causa de uma infecção adquirida pelo paciente dentro do hospital, devida a negligência de trabalhadores de serviço de zeladoria terceirizada, o hospital também é responsável e terá que indenizar o autor da ação (o paciente, a familia ou dependente).
1.20 O hospital e o sigilo médico
O dever do sigilo se estende a todos os profissionais que trabalham no atendimento ao paciente, seja enfermagem, farmácia, psicologia, fisioterapia, serviço social, hotelaria, segurança, etc.
No caso de fornecimento de prontuários para seguradora de saúde pagar o tratamento do cliente, não caberá alegação de quebra de sigilo, desde que se respeite a confidencialidade de informações do paciente pelos peritos ou auditores médicos da seguradora de saúde, até porque, ao assinar o contrato com a seguradora de saúde, o cliente autorizou tacitamente a tomada de informações com os prestadores de serviço.
1.21 O hospital e a ordem judicial de busca e apreensão de prontuário
Mesmo diante de mandado judicial o prontuário só poderá ser entregue em envelope lacrado e sob sigilo de justiça, após obtido o consentimento do paciente, sendo o pedido de permissão ao paciente feito pelo médico.
A simples entrega de prontuário a qualquer solicitante, seja ele membro da família do paciente, médico de outra instituição ou mesmo oficial de justiça munido de mandado judicial é crime previsto no art. 154 do Código Penal.
Caso apareça oficial de justiça munido de mandado de busca e apreensão de prontuário, passar o caso ao médico da especialidade que atende o cliente ou então ao médico da especialidade envolvida na demanda, para que ele consulte o paciente e obtenha dele a autorização, por escrito, de fornecimento do prontuário.
Pode ser permitida consulta in loco ao prontuário do paciente por perito médico designado por juízo, munido do competente alvará ou portaria de designação, mas não sendo permitida cópia por nenhum meio dos dados nele contidos, muito menos retirada do prontuário, no todo ou em partes.
O perito designado poderá consultar apenas e tão somente o prontuário objeto da ação. Nenhum outro.
1.22 Responsabilidade civil do anestesista
Se o dano for causado por fator intrínseco do paciente a responsabilidade é subjetiva e a obrigação é de meio, mas se resultou de erro do profissional por imperícia, imprudência ou negligência, a responsabilidade passa a ser objetiva e a obrigação de resultado e o profissional terá de indenizar o paciente.
Caso o dano decorra de falha de equipamento ou do pessoal do quadro do hospital, a responsabilidade pela indenização também recai sobre o hospital ou clínica.
1.23 Clínica: ilegitimidade passiva
O hospital ou clínica que aluga centro cirúrgico a médico não pertencente a seu quadro, não é responsável pelos atos e resultados do profissional, exceto se houver falha de equipamentos de centro cirúrgico ou de falha do pessoal de seu quadro funcional.
No caso do Hospital de Clínicas da UFPR cabe uma pergunta: sendo ele um hospital universitário federal mantido pelo poder público, é permitido alugar centro cirúrgico ou leitos para profissionais alheios ao quadro de servidores? Isso não se constitui peculato doloso e/ou prevaricação?
1.24 Denunciação da lide, pelo hospital ao médico
A denunciação da lide consiste em chamar o terceiro (denunciado) que mantém um vínculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo.
É o ato pelo qual o autor ou o réu chamam a juízo terceira pessoa, que seja garantia de seu direito, a fim de resguardá-lo no caso de ser vencido a demanda em que se encontram
1.25 Hospitais e o respeito aos mortos em suas dependências
Troca de corpo ou mesmo comunicação de óbito de paciente que não faleceu sujeita o hospital ao pagamento de indenização à família.
Meus comentários: Também é mister cuidar da família enlutada no acompanhamento dentro das instalações hospitalares evitando comentários ou situações que choquem os familiares, como por exemplo dar acesso à família para ver o corpo em sala de necrotério que tenha outros cadáveres. Jamais mostrar o falecido à família em gaveta de câmara fria (acontece muito no HC, especialmente nos plantões). Não expor corpo de falecido completamente nu.
Parece desnecessário estes cuidados ou recomendações, mas ocorrem muitas situações que para os servidores/funcionários são normais ou corriqueiras, mas para as famílias dos falecidos são altamente agressivas e traumatizantes e podem ensejar reclamações judiciais por vilipêndio de cadáver.
1.26 Estado de perigo e as obrigações contraídas perante hospitais e médicos
Não interessa muito ao HC, mas diz respeito ao caso de pessoas que internam familiares em estado grave em hospital particular, assumindo todas as exigências financeiras da instituição e depois não pode pagar a dívida contraída.
O aceite das obrigações deu-se em momento de grande aflição e temor da perda do ente querido e nesses casos, quando ocorre o inadimplemento (não pagamento ou calote) do devedor e não havendo acordo, o entendimento dos tribunais é pela anulação da dívida ou do negócio por entendimento dos juristas de ter havido coação, mesmo que velada.
Há no STF inúmeras ações de anulação de dívida ou negócio contraído entre familiares de pacientes e hospitais motivado pelo estado de perigo e cujo tratamento era custeado pelo SUS, mas o hospital ou o corpo clínico estava cobrando da família ou do paciente. Atenção nisso, colegas. Qualquer reclamação desse tipo encaminhar o reclamante à Ouvidoria do HC.
1.27 Recusa à transfusão de sangue
Em casos onde o paciente é menor de idade e existe o risco iminente de morte e sendo transfusão sanguínea o único recurso terapêutico que pode salvá-lo, o médico pode realizar a transfusão, independente da vontade dos familiares.
No caso de adultos, o médico é obrigado a respeitar a vontade do doente, mas poderá levar o caso a juízo deixando ao tribunal a decisão final sobre o procedimento. O médico pode acionar juridicamente o paciente que se recusa a receber sangue ou qualquer outro recurso terapêutico que objetiva preservar-lhe a vida.
O Código e Ética Médica em vigor preceitua que, na ausência de risco de morte, o médico deverá respeitar a vontade do cliente, mas em caso contrário, deverá praticar a transfusão. Não resta, pelo Código de Ética Médica, nenhuma faculdade do médico fazer ou não o procedimento, mas sim entende-se por obrigação do médico transfundir o paciente em caso de risco iminente de morte.
Geralmente este problema não afeta o hospital por ser recurso terapêutico disponível e aplicável após diagnóstico, neste caso, de responsabilidade do médico e obtido de acordo com seus conhecimentos e seu imperativo de consciência profissional. Ao hospital compete apenas fornecer os insumos, equipamentos e ambiente para realização do procedimento. Ao hospital caberá apenas e tão somente pagamento de indenização no caso de danos decorrentes de reação transfusional, falha de equipamentos, erro de pessoal de assistência (troca de bolsas ou outros) e de insumos.
1.28 Perda de uma chance e responsabilidade médico-hospitalar: a probabilidade de cura ou sobrevivência deve ser concreta, real e séria (p.168)
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o médico, o hospital ou ambos, deixam de aplicar todos os conhecimentos, os recursos e as técnicas terapêuticas existentes e possíveis no tratamento e recuperação do paciente. Pode ser também encarado como um ato de negligência de médico, de hospital ou de ambos, ou ainda, de outros profissionais que integram a equipe multidisciplinar.
A responsabilidade pela indenização do paciente em caso de negligência pode recair tanto sobre o hospital, quanto sobre a equipe.
1.29 Hospital e erro de diagnóstico (p.181)
O hospital também pode ser responsabilizado por erro de diagnóstico quando acontece falha de equipamentos essenciais à elucidação da doença do paciente, como por exemplo aparelhos de raios-X, de análises clínicas, qualidade de reagentes e outros, bem como por erro de interpretação de informações obtidas nos exames radiológicos ou laboratoriais estes resultando em laudos errôneos ou incompletos.
Nestes casos o hospital também terá de indenizar os pacientes.
1.30 Hospital e obstetrícia (p.198)
O hospital pode ser responsabilizado e ser obrigado a indenizar nos seguintes casos:
1. Falta de obstetra na sala de parto, no momento do parto.
2. Falta de materiais e equipamentos.
3. Falta de pediatra na sala de parto.
4. Infecções pós-puerperais e pós-natais por falha no processo de esterilização do instrumental.
5. Eventos adversos decorrentes de falta de fármacos necessários ao procedimento, como em qualquer outro caso.
6. Desrespeito ou descumprimento da lei do acompanhante.
7. Com relação à lei do acompanhante, obrigar companheiro, pai, a assistir o parto sem que ele tenha condições emocionais para tal. Exite muitos (as) sádicos (as) tanto no corpo médico, quanto na equipe de enfermagem que obrigam pais a assistirem parto como uma forma de punição por terem engravidado a mulher. Podem pensar que isso é um absurdo, mas não é. Cansei de ouvir comentários da enfermagem da Maternidade Vítor do Amaral que me levaram a esta conclusão.
8. Exposição da parturiente à situações constrangedoras ou permitir a violação de sua intimidade.
9. Pela imperícia, imprudência ou negligência do obstetra ou da parteira, se forem empregados do nosocômio. Isto se aplica integralmente ao HC.
10. Ausência de anestesista no caso de cesariana de emergência.
11. Demora na realização de cesariana, quando indicada como único recurso, devido a falta de sala disponível, falta de pessoal, equipamentos, materiais ou fármacos.
12. Retardamento de procedimentos por quaisquer motivos que não sejam precaução ou conduta expectante
1.31 Hospital e consentimento informado
Embora seja obrigatório no caso de pesquisa clínica, o TCLE ou termo de consentimento livre e esclarecido é tratado de forma displicente no âmbito de internação hospitalar, de procedimentos clínicos, sejam eles invasivos ou laboratoriais, ou mesmo nas relações médico-paciente – o contrato terapêutico.
Face ao contido no art. 5, incisos II, III e X, da Constituição da República Federativa do Brasil, o TCLE é, na prática, obrigatório pois comprova que o paciente recebeu – em tese – todas as informações sobre todos os procedimentos a que será submetido e também foi informado dos riscos e possíveis sequelas resultantes, dando seu consentimento mediante assinatura, mas não exime o médico ou a instituição hospitalar de danos acarretados por negligência, imperícia, imprudência do profissional ou de falhas decorrentes da estrutura hospitalar.
O TCLE, também chamado de termo de consentimento informado, deve ser exigido de pacientes que serão submetidos a procedimentos mutilantes como amputações, esterilizações, imobilização de articulações ou membros e deve ser assinado também por testemunhas de que o paciente recebeu todas as informações necessárias e esclarecimentos possíveis.
O TCLE exime o médico e o hospital apenas em casos de reações adversas intrínsecas do indivíduo, incomuns ou imprevisíveis pelo médico. No caso de fármacos em teste clínico, o fabricante ou o patrocinador do estudo é o responsável pelos danos diretos à saúde dos agentes das pesquisa acarretados pela droga em teste e tem a obrigação de indenizar, desde que comprovado que tanto o médico, quanto toda a equipe envolvida no ensaio clínico agiu dentro das normas e recomendações do fabricante/promotor/patrocinador do estudo.
2 Infecção hospitalar
A infecção no ambiente hospitalar geralmente acontece por falhas nos processos de esterilização e armazenamento do material esterilizado, mas também ocorre por outros fatores como por exemplo, falha da cobertura antibiótica ou antimicrobiana.
A maioria dos procedimentos invasivos é precedida de uma etapa de profilaxia antimicrobiana que objetiva reduzir a flora bacteriana potencialmente patogênica no sítio cirúrgico, usando antibióticos específicos, mas que podem saciar por diversos motivos expondo organismo aos patógenos que eles deveriam eliminar e, nesse caso, a responsabilidade não é da instituição ou mesmo do médico ou da equipe, mas sim no fabricante, desde que não tenha ocorrido erro na escolha do antibiótico, ou seja, não tenha sido usado usado um antibiótico sem espectro sobre as bactérias do sítio que seria manipulado.
2.2 Comissões de controle de infecção hospitalar
Desde 1983, todos os hospitais devem manter CCIH, mas nem todos os estabelecimentos cumprem esta determinação legal.
Uma CCIH deve ser constituída por no mínimo um médico, um farmacêutico-bioquímico, um enfermeiro e profissionais de estatística e administrativos.
2.3 Legislação pertinente à infecção hospitalar: anotações
O programa de controle de infecções hospitalares (PCIH) foi instituído pela lei nº 9431/77, de 6 de janeiro de 1997 e estabelece as obrigações e atribuições das CCIHs, que são: a) exercer rígida vigilância epidemiológica do hospital; b) elaborar normas técnicas para a prevenção das infecções hospitalares mais ocorrentes; c) exercer o controle do uso de antimicrobianos; d) entregar à direção do estabelecimento relatório dos casos de doença de notificação compulsória às autoridades sanitárias; e) inventariar os casos de infecção.
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