Jesus era Deus?

Jesus era Deus? Claro, esta é uma pergunta que só interessa a cristãos. Mas nem tanto.

Para qualquer estudioso do cristianismo, importa saber como um jovem, que morreu humilhado numa distante província do império romano, chegou a ser visto como Deus por alguns poucos judeus na época e por muitos gregos, romanos e outros povos da região.

O livro “Como Jesus se Tornou Deus” (editora LeYa, R$ 49,90, 544 págs.), de Bart Ehrman, explica esse processo. Especialista em Novo Testamento e história do cristianismo primitivo, Ehrman é professor de estudos religiosos na Universidade da Carolina do Norte. Um “scholar”, pois.

Seu livro (o autor tem vários sobre o tema) tem outra grande qualidade, além de ser escrito por um cara que entende do traçado. “Como Jesus se Tornou Deus” é gostoso de ler e não serve apenas como objeto de culto para iniciados. Qualquer pessoa que aprecie o tema e tenha o hábito da leitura vai aprender muito e se deleitar com ele.

Ehrman parece ter preocupação semelhante à do filósofo judeu alemão Franz Rosenzweig (1886-1929): falar com o homem comum.

Rosenzweig abandou a academia por entender que ela mais atrapalhava a busca de respostas urgentes sobre os temas importantes (para ele, crítica da metafísica e o estudo do judaísmo) do que ajudava.

Ehrman não chega a tanto. Eu também acho que não é necessário abandonar a academia, mesmo porque ela tem um papel essencial no estabelecimento de repertório qualificado sobre qualquer assunto.

O livro de Ehrman é rico em referências históricas precisas, articuladas numa linguagem aberta e divertida. Uma pérola para quem gosta de aprender sem o peso dos textos truncados.

Por que seria mais fácil entender que gregos e romanos tenham chegado à conclusão de que Jesus era Deus do que entender que judeus (os primeiro seguidores de Jesus eram judeus, seguramente) tenham chegado à conclusão de que Jesus era Deus? Porque os “pagãos” tinham inúmeros deuses e deusas e semideuses e semideusas. Portanto, uma “rede” de divindades povoava seu panteão.

Jesus foi visto por muitos dos seus seguidores como o Messias, que raramente foi entendido como Deus no judaísmo. Para a mente judaica, ver Deus na forma de um homem parecia um tanto absurdo. Verdade? Nem tanto, mostra Ehrman.

Além do fato de que a Bíblia Hebraica (o Velho Testamento) traz inúmeras referências a Deus na forma de anjos (que mais parecem homens muitas vezes), a passagem de Jesus humano para Jesus Deus tem etapas essenciais em que “Deus”, aí, deve ser entendido, antes de tudo, como “um deus”.

Os judeus eram monoteístas, mas nem tanto. Já a figura do “Filho do Homem”, um “semideus” que sentaria ao lado de Deus e faria seu trabalho apocalíptico, era muito comum, inclusive na literatura cristã da época. O universo judaico antigo carregava em si toda uma gama de figuras semidivinas, abaixo de Adonai (o Deus único).

O primeiro momento desse processo é como a teia de semideuses (como o “Filho do Homem”) e anjos judaicos preparou a divinização do Jesus histórico: Ele foi, muito provavelmente num primeiro momento, associado a uma dessas figuras semidivinas do panteão judaico. E, só posteriormente, chegou ao topo da lista para alguns, se transformando no Deus de Israel encarnado –mesmo assim, não para todos.

O Messias, na sua forma mais comum, deveria ser um guerreiro. Jesus, para aqueles que esperavam um guerreiro, foi um fracasso: morreu na cruz como um bandido miserável.

A obra não se ocupa de nenhum aspecto de fé, apenas do processo histórico que levou à divinização de Jesus. Tampouco das reviravoltas doutrinárias para fazer de Cristo um Messias do amor total.

Portanto, outra face desse processo é como a ressurreição de Jesus foi importante para resolver o fracasso do seu movimento apocalíptico. Sem a ressurreição, Ele, provavelmente, teria sido esquecido, como outros candidatos a Messias ao longo da história judaica.

Enfim, o estudo histórico das religiões pode fazer de você um cético. É o caso de Ehrman, como ele mesmo confessa. Mas nem só de fé vive o homem.

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