José Maria da Silva, era pessoa de mente privilegiada.
Falava vários idiomas, além de formado em astronomia.
A sua profissão facilitava, em muito, para que ele vivesse somente “voando”.
O Zé, como chamavam-no, sempre foi membro ativo de uma Loja Maçônica. Ali, ele já havia exercido vários cargos. Exceto o de Venerável. Sua restrição era porque, apesar de inteligente, tinha um grande desvio nos olhos. Além de míope em graus avançadíssimos, era estrábico.
Estrábico era o nome carinhoso que se dava à doença do Zé, porque, na verdade, ele era caolho mesmo e quase cego.
Usava grandes óculos com lentes brancas e grossas, as quais faziam aumentar seus olhos tortos em quase três vezes mais.
Mesmo assim, o Zé foi eleito Venerável da sua Loja.
Os Irmãos resolveram fazer valer somente a inteligência do rapaz e até esqueceram-se de que ele ouvia muito pouco do seu ouvido esquerdo e quase nada do direito.
Era dia de iniciação.
Seria a primeira iniciação que o Zenerável, como carinhosamente chamavam-no, iria conduzir.
Trapalhão de natureza, agravado pelas deficiências físicas, o Zenerável colocava um objeto sob a mesa e, logo em seguida, começava a vasculhar as gavetas a procura daquele mesmo objeto, esquecendo-se de que ele acabava de coloca-lo à sua frente.
Sabendo disso, o Irmão Benedito, Ex Venerável e Grande Inspetor Geral da Ordem, como de costume, sentava-se ao lado esquerdo do Zenerável. Não só para compor o altar, mas também para orienta-lo e, principalmente, para encontrar na mesa objetos perdidos. Além do mais, para decifrar o que lhe era dito do seu lado direito, no seu ouvido esquerdo.
Naquele dia da iniciação, Bené sentou-se, como era de costume, à esquerda do
Zenerável, enquanto à direita, estava o Irmão Eugênio, Deputado da Soberana Assembléia Legislativa.
A sessão iniciou-se.
Tudo transcorria sob a orientação e o auxílio do Irmão Benedito.
Determinada hora, o Zenerável retirou os seus óculos para coçar as orelhas. Coçava a orelha direita com a mão esquerda por trás da cabeça. Colocou os óculos sobre a mesa, mas já não os encontrava mais.
Nesse momento, ele deveria bater com o malhete.
Todavia, não sabia se batia ou se procurava os óculos.
O Irmão Bené insistia, tentando alcançar o ouvido direito do Zenerável:
– Continua Zé! Eu pego os óculos!
Sem esperar. O Zé meteu o malhete na mesa. Bateu com vontade. Mas exatamente em cima dos óculos.
A força foi tanta que voaram pedaços de óculos e do castiçal para todos os lados; a jarra com água caiu, taças quebraram e as luzes do altar se apagaram…
O Irmão Chico, Mestre de Cerimônia, com muito cuidado e paciência, limpou e recuperou quase tudo, exceto os óculos do Zenerável. Eram só pedacinhos.
Mas a sessão tinha que continuar.
O Irmão Bené, pessoa de cor negra, esticou o pescoço e, no ouvido esquerdo do Zé, disse:
– Continua Zé! Bata o malhete de novo!
Zé levantou o malhete, como havia feito anteriormente. Já havia se esquecido do estrago que provocara e balançou o bicho no ar. Quando ia bater, nem notou que o toquinho onde o malhete deveria chocar-se, estava longe, na outra ponta da mesa.
Para evitar novo acidente, Bené levou a mão para puxar o toquinho escuro para o centro da mesa.
Não deu tempo.
O Zenerável só viu um vulto escuro sobre a mesa… E desceu o malhete!
Foi exatamente nas costas da mão direita do Bené.
Ele gritou de dor:
– Ui Zé! Ui Zé! Uí Zé!
Zé virou a cara para a direita e disse para o Irmão Deputado:
– Ta tudo errado, irmão! Essa parte de novo?
– Não sou eu não, Zenerável. É o Inspetor!
– O quê? Quem espetou? Ta tudo errado! Não é hora de espetar ninguém não!
Nesse momento, Chico, Mestre de Cerimônia, já estava com o candidato em frente ao altar, para apresentá-lo ao Zenerável, que folheava insistentemente o manual.
De repente, o Zenerável parou e ficou olhando para cima e para a esquerda.
Chico, achando que ele estava “voando” de novo, bateu com a mão direita e com força, três vezes na mesa do altar.
O Zé deu um pulo da cadeira, e com o malhete na mão, o encostou na testa do Mestre de Cerimônia:
– Quem é você? O que você quer?
Chico, com paciência, segurou o malhete e o conduziu para o lado do candidato.
– Eu não quero nada não, Zenerável. Mas ele aqui, quer.
O Zenerável, com o olho torto, olhou para o candidato e repetiu:
– Quem é você?
O Irmão Orador, lá da direita, respondeu:
– Sou o Irmão Orador, Zenerável! O Guarda da Lei!
Zé esticou a orelha direita, olhou para o Irmão Mestre de Cerimônia e disse:
– Mas eu não lhe perguntei nada, Irmão!
O Irmão Secretário, lá da esquerda, respondeu:
– Mas eu também não respondi nada, Zenerável!
Nesse momento, Bené, com a mão esquerda, assumiu o malhete.
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