Um gaudério na Irmandade

  • (Léo Ribeiro de Souza)

  • Meus senhores, permissão
  • Pra contar de um sucedido
  • Que há tempos passou comigo
  • Em São Chico, meu rincão.
  • Afora esse meu jeitão
  • Dizem que sou boa gente
  • E por isso, certamente,
  • Um amigaço do peito
  • Convidou esse sujeito
  • Para um clube diferente.

 

  • Começou essa jornada
  • Quando os filhos de Hiran
  • Estacionaram uma van
  • Em frente à minha morada.
  • Dei um ciao pra gurizada,
  • Embarquei na condução,
  • Que saiu na contramão,
  • Meio rodando na pista,
  • Depois me taparam as vistas,
  • Virou tudo escuridão.

 

  • E levaram este paisano,
  • Meio às cegas, vê se pode,
  • Pra um lugar que tinha bode
  • E um quartinho desumano.
  • Me chamavam de profano,
  • E aprontaram judiaria,
  • Porque deixaram esta cria
  • Sentada por mais de hora
  • Com um dos ombros de fora
  • No singrar da noite fria.

 

  • Depois de algumas caçoadas
  • M’entreveraram num jogo,
  • Senti quentura de fogo
  • Escutei umas trovoadas.
  • Até pelearam por nada
  • Pois quando veio a visão
  • Já tinha um morto no chão
  • Num ambiente fumacento
  • E todo mundo ali dentro
  • Com uma adaga na mão.
  •  
  • – Aonde estou? – Mas que diacho!
  • Era um salão sem janela!
  • O teto?! Uma gamela
  • Assim, de boca pra baixo.
  • Passando os olhos, num facho,
  • Vi que não era normal.
  • Não tinha prenda, e o pessoal
  • Era “loco” por fogão
  • Pois todos, sem exceção,
  • Tinham, atado, um avental.

 

  • Pensei em “frouxá” o garrão,
  • Em fugir, abrir o pala,
  • Mas lá por fora da sala
  • Tinha um outro guardião.
  • Devia ser garanhão
  • Lhe chamavam Cobridor.
  • Eu sentia o batedor
  • Pulsando no peito aberto
  • E ainda tinha um Experto
  • Se rindo do meu pavor.

 

  • Meu nome foi aprovado,
  • Sentei e fiquei bombeando…
  • Um xiru entrou rengueando
  • Tal qual tivesse baleado!
  • É que chegou atrasado
  • I’era esta a penitência.
  • Andejei por mil querências
  • E não vi nestas cruzadas
  • Uma gente tão educada
  • E com tanta reverência.
  •  
  • E o Patrão “tava” elegante
  • Com um brasão sobre o peito
  • E pra manter o respeito
  • Tinha até dois Vigilantes.
  • Não gostei por uns instantes
  • Dos cochichos que um fazia:
  • Vinha do palco e trazia
  • Pra um outro cochichador.
  • E o gaiteiro, o tocador,
  • Era um Mestre de Harmonia.
  •  
  • Um não parava sentado,
  • Sempre palmeando uma lança,
  • Outro vinha na esperança
  • De arrecadar uns trocados.
  • C’um saco, meio de lado,
  • Em zigue-zague na sala.
  • Tudo apartado por alas
  • E cada qual em seu posto
  • E lhes digo: me deu gosto
  • De ouvir o Xiru das Falas.

 

  • Duas tronqueiras na entrada,
  • Laço enrolado por cima,
  • Luz fraca de lamparina,
  • Cadeira “tudo” estofada.
  • Eu senti que aquela indiada
  • Mãos nos joelhos, braços retos,
  • Tinham um carinho, um afeto,
  • Por aquela construção.
  • Quem estruturou o galpão
  • Por certo é um Grande Arquiteto!

 

  • Eu fui ficando à vontade
  • Porque vi neste ambiente
  • Que o Olho Onividente
  • É um guia pra humanidade.
  • Ali eu vi que a igualdade
  • Tem valor e tem sentido.
  • Que homens esclarecidos
  • Tendo força e união
  • Podem estender as mãos
  • Pra este mundo sofrido.
  •  
  • Esta é minha sociedade
  • De ritos, simbologias,
  • Que busca no dia-a-dia
  • Padrões de moralidade.
  • Não é qualquer entidade
  • Q’eu sou tratado de irmão
  • Onde raça ou religião
  • Não é o que mais importa,
  • Onde, com três batidas na porta,
  • S’encontra a luz da razão.