Síndrome de Dravet: a importância do diagnóstico precoce

Conhecida como uma epilepsia genética da infância, a Síndrome de Dravet é uma doença rara, progressiva e incapacitante que se manifesta no primeiro ano de vida e que é, frequentemente, confundida com convulsões febris. No dia em que se assinala internacionalmente a doença, falamos-lhe de uma Síndrome que resulta na detiorização cognitiva e motora dos doentes.

A Síndrome de Dravet é “uma epilpsia genética da infância caracterizada por convulsões resistentes a fármacos, muitas vezes induzidas por febre” e que frequentemente resulta na detiorização cognitiva e motora.

Estima-se que tenha uma prevalência de 1 em 20 mil nascimentos, com maior incidência no sexo masculino, e que, em Portugal, afete 500 pessoas. “Das quais mais de 80 por cento não estará identificada”, avança a Associoação Síndrome de Dravet – Portugal, em comunicado.

De acordo com Ana Isabel Dias, Neurologista Pediátrica no Hospital Dona Estefânea, esta síndrome “é uma doença genética, sendo cerca de 85 por cento dos caso devidos a uma mutação ou deleção no gene SCN1A, que codifica os canais de sódio que interferem na excitabilidade dos neurónios. Os restantes casos serão devidos a alterações em outros genes, muitos deles ainda desconhecidos”.

Manifestando-se  durante o primeiro ano de vida, “geralmente entre os cinco e os oito meses, em crianças previamente saudáveis”, as suas crises podem apresentar-se como “estado de mal epilético febril, com duração de mais de 20 minutos, sobretudo nos primeiros anos de vida”.

Cada criança pode registar até 500 ataques por dia, sendo que, em casos mais graves, uma crise pode deixá-la em coma.

Os dados revelam ainda que 15 por cento das crianças com esta síndrome morre antes de atingir a adolescência.

A especialista Ana Isabel Dias explica que o dianóstico “é baseado em achados clínicos e electroencefalográficos (EEG). No ínicio o EEG é geralmente normal e as alterações só surgem mais tarde”.

O diagnóstico precoce é fundamental sendo designado como “uma questão de vida”.

Patrícia Fonseca, presidente da Associação Síndrome de Dravet – Portugal afirma que “a síndrome de Dravet não pode ser confundido com outras formas de epilepsia. É urgente diagnosticar e identificar corretamente as pessoas com Síndrome de Dravet e é imprescindível um diagnóstico precoce que combine o diagnóstico clínico com um diagnóstico genético”.

“O teste genético pode identificar uma alteração SCN1A, confirmando o diagnóstico”, acrescenta a neurologista.

“Nas famílias com uma mutação conhecida SCN1A, a hereditariedade é autossómica dominante e o aconselhamento genético é possível, embora a variação das manifestações clínicas numa família possa ser grande. Nos caso com mutações de novo, o aconselhamento genético pode ajudar no processo de tomada de decisão para futuros filhos”, explica Ana Dias.

A dificuldade no diagnóstico, que muidas vezes confunde esta síndrome com outras patologias pode levar a prescrição de medicamentos contraindicados e fatais para os portadores da doença.

O impacto desta patologia em bebés e crianças é severo, levando à necessidade de um acompanhamento diário 24 horas por dia. “Uma pequena distração e uma crise pode surgir. E dependendo do tipo de crise, se não houver intervenção imediata, a criança poderá não sobreviver”, avança a Associação.

Distúrbios de coordenação, crescimento e nutrição, transtornos cognitivos ou perturbações do comportamento são os principais problemas ao longo da vida.

“Pelos dois anos de idade o atraso no desenvolvimento é já muitas vezes aparente, com atraso na linguagem, desequílibrio e dificuldades na coordenação motora. Podem surgir perturbações do sono”, revela a especialista em neurologia.

“São frequentes também as perturbações de comportamento, com agitação e dispersão da atenção”, acrescenta.

No tratamento da doença podem ser usados alguns medicamentos epiléticos, que devem ser adaptados caso a caso.

“O principal objetivo do tratamento é reduzir a frequência das crises e prevenir a ocorrência do estado de mal epilético”, explica Ana Isabel Dias.

No entanto, “alguns medicamentos,  como a carbamazepina, a fenitoína e a lamotrigina, devem ser evitados pois podem agravar o quadro”.

“Para melhorar a sua qualidade de vida, estes doentes deverão beneficiar de apoios especializados e individualizados, eventualmente em instituições de ensino especial, com terapias de estimulação global, de modo a otimizar as suas capacidades”, acrescenta a especialista, revelando a importância destas famílias terem uma vida tão normal quando possível. “É importante ter um ou mais cuidadores alternativos e integrar os irmãos nas atividades”, revela.

“A associações de familiares têm um papel essencial nestes e noutros aspetos, nomeadamente em dar visibilidade à Síndrome de Dravet e incentivar a investigação científica para o desenvolvimento de novas terapêuticas”, conclui.

Pedro esperou até aos dois anos pelo diagnóstico

Pedro, atualmente com 5 anos, teve as primeiras crises convulsivas aos cinco meses e “esperou” até aos dois anos para ter o diagnóstico certo que lhe permitia ter acesso à medicação adequada à sua doença. “Uma sorte”, nas palavras da mãe.

“A síndrome apareceu na nossa vida aos cinco meses e meio. O Pedro era aparentemente uma criança normal até que teve a sua primeira convulsão”, começa por explicar Sandra Tavares, mãe do menino.

“Depois dessa crise seguiram muitas outras sempre diagnosticadas como convulsões febris”, conta, revelando que uma das mais graves durou cerca de uma hora.

“O Pedro fez vários exames e pensou-se que sofresse de epilepsia”, acrescenta Sandra.

No entanto, com o aumento do número de episódios os pais começaram a investigar. “Os próprios médicos não sabiam do que se tratava. Nós decidimos procurar informações e acabámos por ir a um especialista no Porto, no Hospital de São João”, conta.
O Pedro tinha 20 meses quando fez um teste genético que permitia identificar a doença de que sofria. Sete meses depois confirmava-se o diagnóstico.

“Foi uma sorte termos ido ao Porto porque foi imediatamente medicado para o Dravet”, afirma a mãe. “A medicação para a epilepsia era contraindicada para o caso do Pedro”, acrescenta.

Antes de diagnosticada a patologia, as crises apareciam sem aviso. “Era um sufoco. Nós não conseguíamos controlar. Confesso que tínhamos uma vida de loucos. No entanto, ainda hoje o Pedro tem de ser vigiado 24 horas por dia. Costumo dizer que os pais do Dravet não dormem. Eu e o pai acordamos, à vez, várias vezes por noite só para ver se o nosso filho está a respirar”, revela.

Apesar de não o eliminar totalmente, a medicação controla o número de crises. “Cada caso é um caso. O medicamento que funciona para uma criança pode não funcionar para a outra. E há várias condicionantes”, afirma Sandra.

“A medicação deixa de funcionar e tem de se adaptar uma nova. O próprio crescimento das crianças leva a que a medicação deixe de fazer efeito, por exemplo”, justifica.

“O Pedro antes de fazer a medicação podia ter 10 crises por semana. Ainda hoje em dia, sempre que há um quadro febril, há convulsão”, diz.

Sandra explica que por isso mesmo sabe quando Pedro está a ficar doente. “Nós damos conta que ele vai ficar doente quando faz convulsão. E só como exemplo, na última virose que durou quatro dias, o Pedro teve três crises por dia”, revela.

Sempre que surge uma crise a criança é colocada na posição lateral de segurança e os pais esperam que ela passe por si. “Esperamos dois ou três minutos para que passe. Se não passar utilizamos um medicamento administrado via retal, que tem de andar sempre com o Pedro”, explica.

“Em Portugal só existe este medicamento. Sabemos que noutros países há medicação que não tem de ser administrada via retal mas se o quisermos temos de o pagar na totalidade”, revela. “Por enquanto, nós conseguimos dar alguma privacidade ao nosso filho, mas e quando ele tiver 15 anos e tiver uma crise e tivermos de usar este fármaco na rua? Não sei que consequências isso vai ter para o Pedro. Em termos sociais não é fácil…”, acrescenta.

Sandra admite que não tem sido fácil lidar com a doença mas que faz o possível para ter uma vida normal.

“Depois do diagnóstico primeiro passamos pela fase da negação, depois do desespero e há um dia em que acordamos, lavamos a cara e pensamos «ok, é com isto que temos de viver!». Há uma tomada de consciência e fazemos o que podemos para que a nossa vida seja o mais normal possível”, diz.

“Não nos privamos de fazer as atividades que temos de fazer diariamente, mas tomamos sempre as devidas precauções”, acrescenta a mãe.

Ao contrário do que acontece com crianças com quadros mais graves, Pedro frequenta um colégio.

“Por opção, ao contrário de outras familias que não têm mesmo hipótese, eu não deixei de trabalhar e vou trabalhar completamente descansada porque sei que o Pedro tem um acompanhamento excelente. São muito vigilantes e estão despertos desde o início para a sua situação”, afiança.

Com cinco anos, Pedro expressa-se como uma criança de três. “O Pedro iniciou a terapia da fala aos três anos, e eu como sou professora, embora dentro das minhas limitações também, fui começando a fazer essa terapia. Embora não tenha o discurso de uma criança de cinco anos tem muito vocabulário e para nós foi uma conquista”, revela.

“Se estivermos à espera do diagnóstico mais consequências existirão no futuro para estas crianças”, alerta, mostrando a importância de um diagnóstico precoce.

“Apesar de todo o drama do Dravet, o Pedro tem um quadro «simpático» porque é autónomo. E todo este processo se ficou a dever a termos tido um diagnóstico cedo”, afirma.

“Quanto mais tarde a medicação é ajustada à doença mais consequências terá. Por isso, quanto mais cedo existir um diagnóstico mais rápida é a intervenção. E o teste genético é a única forma que existe de confirmar a doença”, conclui Sandra Tavares.

Sofia Esteves dos Santos

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