Ninguém fala em fechar o palácio de Lula

Por Aluízio Amorim

Com razão os cidadãos brasileiros estão revoltados e enojados com a “farra das passagens aéreas” patrocinada pelo Congresso Nacional.

A primeira reação consiste numa simples proposta: “fechar o Congresso”.

Entretanto, nunca se ouve outra proposição muito mais coerente, lógica e democrática: não reeleger nenhum dos parlamentares que garfaram o erário para se locupletar.

É que a primeira reação – fechar o Congresso – significa simplesmente um golpe de Estado. Sem parlamento não se tem democracia.

A instituição parlamentar é legítima e constitui o principal esteio de um regime democrático. Quem a conspurca são os eleitos por esses mesmos eleitores que agora se revoltam.

Há pouco lia editorial do Estadão deste domingo numa linguagem dura, porém necessária em casos dessa natureza. Não prega o fechamento do parlamento, mas leva água ao moinho da sua desmoralização, já que não faz a ressalva que estou agora fazendo tendo em vista a separação da instituição parlamentar, que é legítima e democrática, de sua manipulação vil, rasteira e debochada.

Quando explodiram os escândalos do mensalão e dos cartões corporativos ninguém falou em fechar o Palácio do Planalto. Lula disse apenas que não sabia de nada e ficou tudo por isso mesmo. A reação dos eleitores teria de ser a mesma que ocorre agora em relação ao Parlamento, não?

O que deve ser levado em consideração, em qualquer análise respeitante a esses recorrentes escândalos que integram de forma vergonhosa a história da República brasileira, é o sistema presidencialista imperial.

Explico: ao contrário do sistema parlamentarista, quando o primeiro ministro tem de ter o aval da maioria do parlamento para ser ungido no cargo, no Brasil o Presidente da República pode ser eleito sem que a maioria parlamentar lhe conceda apoio.

Nenhum Poder Executivo funcionaria se o parlamento lhe fosse permanentemente hostil. No caso brasileiro, essa maioria necessária ao funcionamento da máquina estatal é conseguida na base da barganha, da compra de apoio, do aliciamento em troca de favores, no toma lá dá cá.

Vejo na origem da dominância do patrimonialismo, expressada no uso particular do dinheiro público, o esdrúxulo sistema político brasileiro que já viciou o eleitorado na cultura da venda do voto. Vendem seu voto por um punhado de cartões do programa Bolsa-Família, pela promessa de um emprego ou de uma carrada de tijolos para construção de um barraco.

A vagabundagem vigorante no Parlamento brasileiro é o espelho a refletir o movimento camaleônico da maioria dos eleitores brasileiros que, a cada eleição, já nem se lembram do candidato em que votaram.

A revolta contra a farra das passagens e outras orgias nos bastidores do poder, sempre bem dissimuladas pela esperteza e a malandragem dos amanuenses profissionais que compõem nossa pesada burocracia, é justificada e legítima. Mas, por outro lado, não deixa de revelar uma indecente hipocrisia do eleitorado que na urna sagrou todos os atuais senadores e deputados.

Se os eleitores clamam pelo fechamento do Congresso é porque vêem possibilidade muito mais ampla e efetiva de viver, eternamente em berço esplêndido, a oportunística confusão entre as esferas pública e privada.

Democracia dá muito trabalho, obriga à participação e, principalmente, à tomada de partido e a ter opinião política.

Normalmente, os brasileiros – todos eles, com as exceções de sempre – dizem detestar a política e se apressam em proclamar que não têm partido.

No entanto, não demonstram qualquer escrúpulo quando se trata de mercadejar o voto.

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