As pragas que nos ameaçam

A mentalidade germânica saltou para a classificação dos micróbios com a mesma agilidade com que saltou para a metafísica ou o misticismo. A mentalidade britânica explorou as doenças sobre as quais o sol jamais se põe.

O médico hindu Susruta (c. 500 d.C.) suspeitava que a malária era disseminada não pelo ar, mas pelos mosquitos que zumbiam ao fim do dia (com a mesma percepção com que suspeitava que os ratos mortos transmitiam a peste). Marco Polo, no século XIII, observou os cortinados contra mosquitos, que mais tarde velaram os sonhos, as paixões e o suor da insônia do Raj Britânico. Os professores togados de Cambridge eram atacados pela “febre dos pântanos”, mas continuaram, como todo o mundo, a ignorar os insetos que injetavam a febre intermitente, até que em 6 de novembro de 1880 o oficial médico do exército francês na Argélia, Alphonse Laveran (1845-1922), descobriu o parasita unicelular plasmódio nos glóbulos vermelhos do sangue de doentes de malária.

O escocês Sir Patrick Manson (1844-1922) foi diretamente da Universidade de Aberdeen para o Serviço de Alfândega da Marinha Imperial da China, chegando à praia de Formosa numa noite escura de 1866. Três anos antes da descoberta de Laveran ele afirmou, em Hong Kong, que os vermes filária de cinco centímetros causavam a elefantíase, uma condição provocada pelo bloqueio dos condutores de linfa humana que pode causar um edema gigantesco nos membros e obrigar os homens a carregar os testículos num barril, para se movimentarem. Além disso, ele descobriu que as pequenas e extremamente móveis filárias larvais, que invadiam o sangue dos pacientes, eram sugadas à noite pelos mosquitos Culex fatigans, depois incubadas neles e em seguida passadas para outra pessoa. Ninguém acreditou.

Manson voltou voltou para casa e fundou a Escola de Medicina Tropical de Londres. Em 1894, ele conheceu o futuro Sir Ronald Ross (1857-1932), nascido na Índia, filho de um general de pescoço grosso, com um bigode espetado de oficial não comissionado, que acabava de desembarcar do navio P&O, de licença do Serviço Médico da Índia. Manson apresentou a ele, por meio de um microscópio, o parasita da malária do oficial francês da Argélia. O estudioso Ross, de volta ao seu laboratório na frente da estátua da Rainha Vitória, voltou a encontrar o parasita no estômago do mosquito anofeles, que tem pontos escuros nas asas.

Tamanho foi o júbilo do Império britânico com a elucidação da doença que devastava indiscriminadamente e impertinentemente os nativos e seus governantes de capacetes de cortiça e abanadores para espantar os mosquitos, que essa data foi denominada “dia da malária”, comemorada com enormes almoços no Instituto Ross em Putney. Ross também escrevia poesia, que agradava imensamente a Oliver Sitwell. Outro bacteriologista/poeta foi Max von Pettenkofer (1818-1901), da Bavária, parecido com Vitor Hugo, que cometeu suicídio. Von Pettenkoffer duvidava com tanto ardor da descoberta de Koch, em 1884 — que a cólera causada por um germe móvel, com a aparência de uma vírgula — que tomou publicamente um copo inteiro de água contaminada. Ao contrário de Tchaikovsky, ele saiu ileso.

A teoria de Sir Roland Ross foi definitivamente comprovada por Manson. Ele fez com que um jovem fosse picado por mosquitos, o jovem apanhou malária; esse jovem era seu filho. O Império imediatamente declarou guerra aos mosquitos, devastando seu habitat, matando—o em pleno vôo, protegendo seus alvos com repelentes. Os americanos, como em duas outras ocasiões, acompanharam o Império nessa luta.

A companhia francesa que começou a construção do Canal do Panamá, faliu em 1880. Tinha empregado 86.000 homens, dois quais 52.816 adoecem e 5.627 morreram, quase todos de febre amarela. A febre amarela é uma icterícia explosiva, uma doença viral transmitida pelo mosquito tigre, listrado. Isso foi provado repetindo se a tradição de Manson por dois bacteriologistas de Baltimore, James Carrol (1854—1907) e Jessie Lazear (1866—1900), ambos picados por mosquitos infectados.Carrol se curou, Lazear morreu.

O chefe da estratégia americana na guerra do canal foi o major Walter Read (1851-1902), um bacteriologista da Universidade John Hopkins que já havia exterminado o mosquito em Havana. Seu comandante de campo era o enérgico Coronel William Crawford Gorgas (1854-1920), de Mobile, que havia sobrevivido a um ataque inimigo quando servia como cirurgião do exercito, no Texas. O Coronel Gorgas entrou em ação com lança-chamas, grupos de ataque, guerra química, armadilhas aquáticas e multas por abrigar o inimigo, matando com clorofórmio todos os prisioneiros. O preço da sua ofensiva foi calculado em 10 dólares por mosquito. Quando o canal foi aberto, em 1913, a Zona do Canal – em relação ao índice de mortalidade – era duas vezes mais saudável do que os EUA na época.

A mosca tsé-tsé, com dois centímetros de comprimento, marrom, sugadora de sangue, transmite aos serem humanos a doença do sono, uma das muitas do vasto reservatório de doenças provocadas nos animais selvagens pelo protozoário de cauda longa, o tripanossoma. O tripanossoma foi descoberto no sangue dos doentes em 1849 por Sir David Bruce, depois ele foi transferido de seu posto em Malta para a Zuzulândia. A mosca tsé-tsé foi notada por David Livingstone (1813-1873), ex-operário de Glasgow, médico missionário, explorador, descobridor da grandiosa Catarata Vitória e que durante 30 anos sofreu de uma fratura não soldada no braço, causada por uma mordida de leão. Ele vira a mosca em 1857, 14 anos antes de ser perder na selva.

Hoje, um terço das mortes no mundo tem alguma relação com moscas.

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