Menstruar ou não?

Essa é a principal dúvida de boa parte das mulheres, especialmente daquelas que todo mês sofrem com os sintomas da TPM. O problema é que mesmo entre médicos ainda não há um consenso quanto à resposta. Viva Saúde levantou a opinião de especialistas que são a favor e contra a interrupção para tentar esclarecer um pouco mais sobre a polêmica

Há cerca de 15 anos, quando os médicos ginecologistas Malcolm Montegomery, de São Paulo, e Elsimar Coutinho, de Salvador (autor do livro Menstruação, a Sangria Inútil, de 1996), divulgaram em programas de televisão que estavam usando em suas pacientes um método contraceptivo que suspendia a menstruação, a classe médica entrou em polvorosa. A maioria dos ginecologistas e obstetras defendia que bloquear o sangramento mensal era ir contra a natureza da mulher e que o organismo feminino poderia sofrer prejuízos com o método. “Naquela época, não conhecíamos a formulação que esses dois médicos utilizavam (até hoje eles a mantêm em segredo), mas sabíamos que incluíam em seus implantes doses altas de testosterona, hormônio masculino que provoca efeitos colaterais, como o crescimento de pêlos. Por isso havia uma grande preocupação. Hoje, existem novos procedimentos e sabemos que a interrupção não provoca alterações no período fértil nem na menopausa”, explica a ginecologista e obstetra Lúcia Helena de Azevedo, professora assistente do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo.

Isto quer dizer que toda mulher nasce com um número determinado de óvulos e que estes são solicitados a cada mês, mesmo que não ocorra a ovulação propriamente dita. “Eles não atingem um estágio de maturação, mas as células envolvidas na sua produção são recrutadas e por isso dizemos que os óvulos vão sendo gastos todo mês”, explica a médica. Na prática, isso significa que a ocorrência ou não do sangramento não adianta nem retarda a menopausa. Além disso, assim que o método usado for suspenso há um retorno imediato da fertilidade. Ou seja, mulheres que deixam de menstruar por opção não têm mais dificuldade do que outras para engravidar.

“Isso acontece apenas no caso de ocorrer depósito de progesterona, hormônio utilizado no método de suspensão menstrual feito por meio de injeções aplicadas a cada três meses. Como a substância tem efeito residual no organismo, a mulher que a usa demora mais tempo para voltar a menstruar e ovular e, conseqüentemente, para engravidar”, esclarece a especialista.

Também já existe um certo consenso entre os especialistas sobre bloquear a menstruação quando estão em jogo doenças como endometriose (caracterizada pela presença de endométrio – camada interna do útero que é renovada mensalmente pela menstruação – em locais fora da região uterina). Antigamente, as mulheres tinham de 40 a 80 ciclos menstruais ao longo de toda a vida, o que acontecia porque cada mulher tinha cerca de dez gestações. Hoje, esse número de ciclos é dez vezes maior (uma média de 400 a 500 ciclos) em função do menor número de gestações e também do fato de a mulher moderna menstruar mais cedo e iniciar a menopausa mais tarde. “A endometriose é fruto dessa grande quantidade de ciclos e uma das causas da infertilidade e de câncer ginecológico”, diz o especialista Malcom Montgomery

Por que, então, não parar

Apesar de todos os pontos a favor, boa parte dos médicos ainda se recusa a receitar a interrupção nos casos de tensão pré-menstrual (TPM) ou quando a paciente quer deixar de menstruar simplesmente por uma questão de praticidade. E eles têm suas razões para discordar.

Segundo especialistas, o ciclo menstrual funciona como uma amostra de como anda nosso organismo. Afinal, para que a menstruação ocorra, é necessário um perfeito entrosamento entre vários sistemas do corpo, desde o hipotálamo e a hipófise (estruturas que regem uma série de reações orgânicas) e estão localizadas no cérebro, até o útero, ovários, vagina e demais glândulas endócrinas, tais como a supra-renal e a tireóide. A ausência de sangramento, portanto, quando não indica uma possível gravidez pode sinalizar inúmeros problemas de saúde.

Mas não é só. Para a ginecologista Mara Solange Carvalho Diegoli, do Ambulatório de Tensão Pré-Mestrual, do Hospital das Clínicas de São Paulo (ligado à USP), não existe método hoje disponível que realmente consiga interromper a menstruação de todas as mulheres (muitas irão apresentar pequenos sangramentos irregulares). Além disso, ainda não há tratamento de interrupção que deixe a mulher livre de efeito colateral.

Todos os medicamentos que bloqueiam a menstruação atuam em outros órgãos interferindo no corpo inteiro. Por isso, segundo ela, os hormônios usados para interromper o ciclo também podem causar retenção de líquidos, inchaço, alteração de humor, aumento de apetite e até sintomas semelhantes aos do climatério, como calores, dores de cabeça, desânimo. Sem contar aqueles que bloqueiam totalmente a produção de estrogênio, hormônio feminino importante para a manutenção do metabolismo do osso, da pele, das mamas e do cabelo, sem falar do humor.

As afirmações da médica têm aval científico. Há três anos, ela coordena um estudo com 300 mulheres que sofrem de TPM intensa e desejam ficar sem menstruar para conter o distúrbio. “O objetivo é saber se ao interromper a menstruação das pacientes haveria melhora dos sintomas típicos e/ou efeitos colaterais significativos”, conta Mara Diegoli. Para isso, as voluntárias foram divididas em grupos e se submeteram a tratamentos com injeção trimestral de progesterona, implante de progesterona e pílulas anticoncepcionais de uso contínuo (tanto aquelas contendo estrogênio e progesterona de média dosagem quanto as que contêm pequena quantidade de progesterona).

Resultado: todos os métodos apresentaram vantagens e desvantagens. “Todas as mulheres que interromperam a menstruação, por exemplo, tiveram os sintomas de TPM (dores de cabeça, cólicas, irritabilidade, entre outros) amenizados. Por outro lado, nenhum dos métodos utilizados garantiu com eficácia o bloqueio da menstruação (os mesmos métodos funcionaram para algumas e falharam com outras)”, revela. E a médica acrescenta: houve sim efeitos colaterais significativos, entre eles os mais freqüentes foram aumento de peso e diminuição da libido. “Algumas pacientes, aliás, apresentaram hemorragia contínua e precisaram suspender o tratamento”, conta Mara Diegoli.

Por isso tudo, a médica é relutante: só recomendo a suspensão em casos extremos, para mulheres com doenças que se agravam com a gravidez, problemas de coagulação do sangue ou que sofram de convulsões durante a menstruação. No caso de endometriose, cefaléia intensa e anemia, Mara Diegoli até recomenda a interrupção, mas só quando os sintomas são muito intensos e outros métodos tenham falhado.

“Ainda aguardamos a droga milagrosa que acabará com o sofrimento da mulher, sem provocar nenhum efeito colateral. Até lá, médicos e pacientes devem conversar e analisar todos os prós e contras de um método antes de optar por ele. E mais: a paciente deve saber que a reação ao método é individual e que não há como saber se a paciente deixará de menstruar ou terá sangramento, por exemplo”, alerta.

IMPLANTES PERSONALIZADOS

Diretor da regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Ginecologia Endócrina, da qual o médico Elsimar Coutinho é presidente, Malcolm Montgomery conta como surgiram os implantes que fizeram sucesso entre as famosas. “Na década de 80, a equipe de Coutinho, da qual eu fazia parte, pesquisava anticoncepcionais para tratar da endometriose. Testávamos contraceptivos de uso contínuo porque observou-se que, diminuindo os níveis de estrogênio, ocorria uma atrofia do endométrio. Com o tempo, notamos que o uso do contraceptivo sem a pausa habitual de uma semana fazia com que as mulheres não sangrassem. Depois, constatou-se outros benefícios como alívio da TPM e a alegria das mulheres que não gostavam de menstruar”, lembra. Em 1995, ele colocou um implante em uma atriz global e a novidade se espalhou. Segundo Malcolm, suspender a menstruação por meio desse tipo de implante (colocado sob a pele da nádega e que dura de seis meses a um ano) oferece muitas vantagens. Uma delas é o fato de ele utilizar concentração hormonal menor do que as pílulas de uso contínuo. “O implante vai direto para a circulação sangüínea e por isso pode ser manipulado com uma dose de hormônios menor”, explica. “Além disso, eles são personalizados. A concentração e o tipo de hormônios variam de acordo com idade, peso e hábitos (fumante ou não) da paciente e dos benefícios que ela pretende atingir. Combinando estrogênio, progesterona, testosterona, conseguimos reduzir a celulite, definir a musculatura e aumentar a libido. Mas há casos em que o ideal para a paciente é um implante de progesterona. Por isso, após a colocação do produto recomendamos que as pacientes retornem após dois meses para avaliar a necessidade de algum ajuste hormonal”, conclui.

PRODUÇÃO: LUANA PRADE

TIPOS DE IMPLANTES

Abaixo, os métodos de interrupção da menstruação mais usados pelos ginecologistas:

IMPLANTE SUBCUTÂNEO (IMPLANON)
O que é: um pequeno bastonete flexível do tamanho de um palito de fósforo, elaborado à base de progesterona, é colocado sob a pele no antebraço e tem validade de até três anos.
Vantagens: além de ser prático e de interromper a menstruação, melhora os sintomas da TPM e da endometriose.
Desvantagens: pode ocorrer sangramento contínuo e um discreto aumento de peso.

DISPOSITIVO INTRAUTERINO (DIU) MIRENA
O que é: um endoceptivo que libera doses pequenas de progesterona e dura cinco anos.
Vantagens: é prático e pode provocar amenorréia (interrupção da menstruação), diminuindo as dores da endometriose e das cólicas menstruais.
Desvantagens: costuma ocorrer sangramento e aumento do peso.

ANÁLOGO
O que é: substância injetada por especialista, mensalmente, por via intramuscular ou subcutânea. Atua inibindo a produção dos hormônios pelos ovários.
Vantagens: consegue interromper a menstruação quase sempre.
Desvantagens: a queda dos níveis hormonais pode desencadear os sintomas do climatério (como calores, aumento de peso, redução da libido e da massa óssea, a osteopenia). Não deve ser usado por mais de seis meses.

PÍLULAS DE USO CONTÍNUO
O que é: existem dois tipos.
As que contém pequenas doses de progesterona devem ser administradas diariamente, sem que haja interrupção.
Vantagens: podem ser usadas na amamentação pois não interrompem a lactação.
Desvantagens: não bloqueiam a ovulação e por isso a eficácia como anticoncepcional é menor.

As pílulas que contêm estrogênio e progesterona e que, ao invés de serem interrompidas como de costume, são administradas de forma contínua. Vantagens: o uso contínuo por dois meses ou três pode ser útil em casos de viagens.
Desvantagens: após três a cinco meses de uso seguido pode ocorrer hemorragia. O uso contínuo costuma causar os mesmos efeitos colaterais das pílulas normais (como dor de cabeça, retenção hídrica e mais raramente hipertensão).

INJEÇÃO DE PROGESTERONA
O que é: injeção contendo grande quantidade de progesterona, no organismo fica em depósito, sendo liberada continuadamente em pequenas doses diárias. É aplicada a cada três meses.
Vantagens: ser administrada em mulheres que correm riscos com o uso de estrogênio, como no caso de fumantes e cardiopatas.
Desvantagens: aumento de peso significativo (dois a seis quilos ou mais) e diminuição da libido.

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