Assistência farmacêutica no uso da talidomida

Em 2006, cientistas japoneses descobriram de que maneira a talidomida interfere no desenvolvimento dos fetos (testes em animais) e ocasiona a sua má-formação.

A talidomida tem um potencial terapêutico que não pode ser desprezado. A descoberta de como se dá o seu efeito teratogênico abre uma possibilidade de uma reformulação em sua estrutura química, com vistas a que seu uso seja mais seguro, que essa possibilidade é algo a se pensar e se viabilizar. Contudo, é imprescindível que o farmacêutico esteja à frente da dispensação desse medicamento, nos hospitais da rede SUS (sistema único de saúde), para orientar os seus usuários e evitar as graves reações indesejáveis que o produto pode gerar. A observação é do diretor tesoureiro do conselho federal de farmácia, Edson Taki, referindo-se às discussões acerca das possibilidades farmacológicas do produto. A talidomida é uma alternativa terapêutica para o tratamento da Hanseníase, mieloma múltiplo, doenças crônico-degenerativas e algumas doenças oportunistas que afetam portadores de HIV.

Para o dirigente do conselho federal de farmácia, o serviço público de saúde precisaria contar com o farmacêutico para proceder a dispensação da talidomida, em hospitais. Acrescentou que o vazio de informações técnico-científicas que envolve dispensação do medicamento, nos hospitais do serviço público, devido à ausência de profissionais farmacêuticos, nesses estabelecimentos, é inaceitável e não pode mais continuar. “Essa desses assistência farmacêutica deixa pouco usuário do medicamento em situação de insegurança, ou seja, mais vulnerável aos efeitos nocivos do produto”, alerta Edson Taki.

No Brasil, a talidomida indicada principalmente no tratamento da Hanseníase. Mas pode ter um espectro muito maior que possibilidades terapêuticas. A lei 10.651, de 16 de abril de 2003, prevê que o medicamento seja usado no tratamento de mieloma múltiplo (tipo de câncer), doenças crônico-degenerativas e algumas oportunistas que afetam portadores de HIV.

Para Edson Taki, se a talidomida abre novas janelas terapêuticas, então, que elas sejam devidamente estudados pelo governo. “O que não se pode perder de vista os benefícios oferecidos por esse medicamento, por conta do desconhecimento que erros cometidos, no passado. A talidomida gerou malformações em fetos e até a morte. É preciso extrair desse medicamento todas as vantagens que ela era oferecer para a saúde”, acrescenta o diretor do conselho federal de farmácia.

Histórico

A talidomida foi lançada em 1956, como antigripal. logo, se tornou um dos mais populares medicamentos, na Europa, principalmente, na Alemanha, seu país de origem. Os alemães diziam tratar-se de um produto “inteiramente atóxico e completamente seguro”. Era vendido sem prescrição médica.

Associada a outras substâncias, as indicações da talidomida estenderam se a tosse, asma, dor de cabeça e enjôos para mulheres grávidas. Foi usada, livremente, em 46 países. Para o laboratório Grunenthal, que a sintetizou, a talidomida é é um medicamento para tratar alergias. Acabou sendo eficaz, também, na indução do sono profundo e duradouro.

Só a partir de 1959, desconfiou-se que o uso da talidomida estava associado ao nascimento de milhares de bebês com malformações, principalmente, nos membros ou extremidades. Grande número de crianças eram natimortas ou morreram, logo após o nascimento.

Alvo de polêmicas, em várias partes do mundo, a talidomida, enfim, teve seu efeito teratogênico confirmado, na década de 60. A descoberta foi um marco na história dos medicamentos, pois, até então, esse efeito era pouco testado.

Atualmente, as questões sobre o disco benefício do seu uso de vi minha opinião de profissionais da área de saúde, e a descoberta de como ela age, ocasionando as más formações em fetos – o que pode gerar uma reformulação segura do medicamento – reacendem a polêmica. O nascimento de milhares de bebês com uma formação nos braços e pernas, filhos de mulheres que usaram a talidomida, é um fenômeno conhecido como focomelia.

Proibição

No Brasil, o medicamento foi proibido, mas voltou a ser indicado em casos específicos, como mieloma múltiplo (tipo de câncer), doenças crônico-degenerativas, algumas doenças oportunistas que afetam portadores de HIV, mas principalmente no tratamento da Hanseníase.

As indicações terapêuticas da talidomida com maior sustentação científica são os casos graves de reação hansênica tipo II (eritema nodoso hansênico) e mieloma múltiplo refratária à quimioterapia.

Modificação na estrutura

No início de 2010, cientistas japoneses descobriram de que maneira a talidomida interfere no desenvolvimento dos fetos (testes em animais) e o caso na sua má-formação. O fármaco age, ligando-se a uma enzima chamada creblon, que é de extrema importância para o desenvolvimento dos membros, nos primeiros meses de gestação, tornando-a inativa. A descoberta pode orientar uma modificação da estrutura química da talidomida, para que cause menos efeitos adversos.

O farmacêutico Rogério Hoefler, pesquisador do centro brasileiro de informações sobre medicamentos (CEBRIM), departamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF), acredita que essa descoberta pode ocasionar uma reformulação que torne seguro o medicamento. Porém, os gastos com esse processo poderão ser muito altos e envolverem várias questões. “Ainda que eventualmente interessantes, e talvez promissores, os resultados de estudos em animais podem levar muitos anos, até que sejam aplicáveis em humanos, na fase clínica. Inclusive, isso pode nunca acontecer”, salienta o farmacêutico do CEBRIM.

Segundo Hoefler, a majoritária quantidade de substâncias promissoras é excluída (por toxicidade, dificuldade farmacotécnica ou mesmo por falta de interesse econômico) nos estudos pré-clínicos e clínicos, nunca vindo a ser introduzida na clínica.

Cautela

Para o farmacêutico, o tratamento com talidomida envolve questões muito delicadas. Devido ao elevado risco associado a este fármaco, seu uso só se justifica em situações de real e insubstituível benefício aos pacientes, sobretudo quando consideramos as limitações do controle. Sou a favor do uso da talidomida, nesses casos, mas com muita cautela “, afirma.

Segundo Hoefler, para as indicações terapêuticas ainda não estabelecidas, o uso seria razoável em protocolos de pesquisa responsáveis, que priorizem o bem-estar do paciente e que fiz em minha reconhecê-los reais benefícios do fármaco. Em muitos casos, a eficácia da talidomida ainda não foi estabelecida, ou a relação benefício-risco pode ser desfavorável ao paciente.

Acompanhamento farmacêutico

O acompanhamento do farmacêutico no tratamento com talidomida é indispensável, assim, como em qualquer outra terapia. ” No caso da talidomida, faz-se, ainda, mais imprescindível, pois existem falhas na conscientização sobre a gravidade do uso do medicamento. Ainda hoje, nascem crianças com deformidades, em função do uso desse medicamento ” alerta Dr. Rogério Hoefler. Existem casos em que erroneamente se toma talidomida como abortivo.

Cabe ao farmacêutico, como profissional aliado do bem-estar da sociedade e disponível para tirar dúvidas, desempenhar um papel conscientizador sobre os riscos do medicamento. O diretor-tesoureiro do CFF, Edison Taki, acrescenta que o profissional da saúde que é a maior autoridade medicamento – o Farmacêutico – não pode, em hipótese alguma, está ausente, não só do ato de dispensação, bem como de todo o processo de assistência envolvendo o produto (aquisição, transporte, armazenamento e orientação, inclusive o cuidado em domicílio, se for preciso). E mais: “O farmacêutico precisa estar no centro das discussões sobre o produto e fornecer informações embasadas que justifiquem ou não o uso da talidomida, pois esta é uma responsabilidade sua “, enfatiza Edison Taki.

Já Rogério Hoefler acrescenta que o farmacêutico deve certificar-se de que o medicamento está sendo empregado em indicações devidamente aprovadas pelo Ministério da Saúde e orientar, também, os prescritores sobre os riscos envolvidos no uso do fármaco.

Sempre que possível, pede Hoefler, o farmacêutico deve manter um registro dos usuários de talidomida e acompanhar os desfechos do tratamento. E, ainda, manter-se atualizado sobre os estudos de eficácia e segurança do medicamento, bem como sobre as normas oficiais que regulamentam a sua prescreção e dispensação.

No Brasil o comercialização da talidomida é proibida. O medicamento só é produzido em laboratórios públicos e indicado sob uma rigorosa legislação. O paciente recebe junto ao medicamento, o Termo de Esclarecimento para Usuário de Talidomida e um Termo de Responsabilidade que deve ser preenchido e assinado pelo médico prescritor. Recebe, ainda, a notificação de receita própria para a talidomida. Nesse cenário, o farmacêutico, como o último profissional de saúde a ter contato com o paciente, dispensando o medicamento, tem um importante papel esclarecedor e conscientizador.

Uso em tratamento de doenças

Existem especulações dos benefícios da talidomida em diversos tratamentos, mas, além da Hanseníase, mieloma múltiplo, doenças crônico-degenerativas e algumas doenças oportunistas que afetam portadores de HIV, não há sustentabilidade científica para tais afirmações em outros casos. ” O que se tem certeza é de que seus efeitos teratogênicos existem e fizeram muitas vítimas. O benefício tem que ser avaliado, diante dos riscos que são reais ” reitera o Dr. Rogério Hoefler.

Outros efeitos adversos

Além de ser teratogênica, a talidomida está associada diversos efeitos adversos graves, como neuropatia periférica, trombose venosa profunda, neutropenia, leucopenia, e erupções cutâneas, entre outros. Alguns estudos demonstraram aumento de mortalidade com o uso de este medicamento.

A utilização da talidomida em ensaios clínicos deve ser registrada e submetida à aprovação do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). O uso empírico da talidomida, fora desse controle, é inaceitável e fere princípios éticos fundamentais como não-maleficiência, beneficência e justiça, e o Código de Ética da Profissão Farmacêutica.

“O aproveitamento das possibilidades terapêuticas da talidomida devem ser algo a se pensar, a ser viabilizado, porque a humanidade não pode desperdiçar aquilo que a talidomida tem de terapêutico. Mas o medicamento tem que ser rigorosamente estudado com bases em protocolos. Agora, com a descoberta de como se dá a sua ação teratogênica, pode ser viável uma reformulação da estrutura molecular do fármacos, para garantir a segurança aos usuários “, ponderou Edison Taki.

Rogério Hoefler lembrou que, no Brasil, estudos para a avaliação dos potenciais benefícios terapêuticos da talidomida já são feitos, há muitos anos, em centros de referência como a Universidade de São Paulo e o Hospital Universitário de Brasília. ” É preciso base científica que justifique o uso. Por enquanto, não existem resultados concretos do benefício em muitos casos “, alerta.

A talidomida integra a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) para uso exclusivo nas reações de tipo 2 (eritema nodoso) em que houver quadros clínicos de comprometimento de nervos, irite ou iridociclite, orquiepididimite, mãos e pés reacionais, glomerulonefrite, eritema nodoso necrozante, vasculites e artrites. A talidomida não causa supressão do cortisol e outros efeitos adversos que surgem com o uso prolongado dos corticóides. No entanto está associada à neuropatia periférica e trombose venosa profunda.

A prednisona é considerada primeira opção no tratamento de eritema nodoso hansênico nos casos de mulheres em idade fértil. O tratamento com talidomida é proibido para mulheres em idade fértil, salvo raras exceções. A associação do fármaco com anticoncepcionais pode anular os efeitos contraceptivos. Em casos excepcionais de indicações para mulheres em idade fértil, é recomendada a abstinência sexual ou o uso de vários métodos contraceptivos aliados.

Para homens em tratamento com a talidomida, a RDC 140/2003, da ANVISA, prevê que sejam informadas na bula do medicamento as seguintes recomendações: “os homens que utilizam a talidomida e mantêm vida sexual ativa com mulheres em idade fértil, mesmo tendo sido submetidos a vasectomia, devem ser orientados a adotar o uso de preservativo, durante o tratamento” e, ainda “sobre a importância dos usuários de não doar sangue ou esperma”.

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