O começo da medicina

Os médicos aventuraram-se no século munidos de armas muito leves. Receitavam mercúrio para sífilis e tinha, digitalis para reforçar o coração, iodo para bócio, cólquico para a gota, cloral para os nervosos, um alcalóide de pomegranato para tênia ou solitária. A partir de 1867 passaram a ter nitrato de amil para angina, e foi Thomas Sydenham quem pela primeira vez receitou ferro para a anemia. Os livros grossos de medicina de 1900 são to precisos no que diz respeito ao diagnóstico quanto os de hoje, mas todos os capítulos são trágicos porque falta a eles o final feliz do tratamento eficaz.

 Claude Bernard (1813-78), filho do dono dos vinhedos de onde vinha o Beaujolais, quando era um jovem assistente de farmácia em Lyons escreveu uma comédia musical A rosa do Ródano – que foi um sucesso tão grande de bilheteria que ele se dedicou ao teatro e escreveu a peça em cinco atos, Artur da Bretanha, e a apresentou para a opinião do crítico parisiense Saint-Marc Girardin, que o aconselhou a estudar medicina.

 Bernard era um médico laboratorista, um pesquisador cuidadoso. “Tire sua imaginação, como tira seu casaco, quando entrar no laboratório, mas a retome novamente, como veste o casaco quando sai dele.” Em 1857 ele descobriu que o figado produz açúcar, independente do açúcar que o indivíduo ingere. Então os órgãos do nosso corpo não eram um ajuntamento diverso, cada um funcionando para destruir e expelir substâncias químicas ingeridas. Eles podiam criar suas substancias químicas, por meio das quais um órgão podia ajudar o outro. Bernard chamou a isso le milieu intérieur – o clima existente dentro de nós, como existe fora. Essa introspecção introduziu a endocrinologia na medicina.

 Claude Bernard  também destronou o estômago do seu posto de monarca da digestão e instalou o pâncreas como seu príncipe poderoso. Estudou a função pancreática implantando uma cânula num cachorro roubado, que escapou e voltou para o dono, um inspetor de policia. Os antivivisseccionistas de 1850 então discordaram da idéia de permitir que a inteligência excepcional e as idéias originais de Claude Bemard viessem a beneficiar a humanidade presente e futura. Felizmente, o inspetor de polícia ficou do lado dele. A mulher de Bemard também não o compreendia.

 Ivan Petrovich Pavlov (189-1936) era também um pesquisador muito hábil, cuja descoberta da salivação do cachorro ao ver ou farejar o alimento, ou até mesmo ao ouvir uma campanha deu o nome ao frequentemente adaptado “reflexo condicionado” de Pavlov. Contudo, a fama devia ser de Diderot, que escreveu em O sobrinho de Rameau, um século antes:

 “Ele tinha uma máscara igual ao rosto do Tratador das Focas, tarde pediu emprestado o amplo manto de um lacaio. Ele pôs a mascara no rosto. Vestiu o manto. Chamou o cão, o acariciou e deu a ele um biscoito. Então, mudando rapidamente de roupa, ele não era mais o Tratador das Focas, mas Bouret, e chamou o cão e o chicoteou. Com menos de dois ou três dias repetindo essa farsa, de manha à noite, o cão aprendeu a fugir de Bouret, o General-Fazendeiro, e a correr para Bouret, o Tratador das Focas.”

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