A piada do consentimento informado

Como os Estados Unidos relaxaram, em favor da indústria de medicamentos, as normas sobre testes de novas drogas realizados no exterior.

Sonia Shah

No máximo, 1% dos indianos possuem plano de saúde. Por isso, a maior parte das pessoas paga adiantado por seus tratamentos de saúde e o vínculo com o médico têm uma importância especial. A correlação de forças entre médicos e pacientes é muito diferente da que se observa nos países ocidentais.

Segundo Farhad Kapadia, médico pesquisador no Hospital Hinduja de Mumbai, só os que absolutamente não têm escolha aceitam dispensar a opinião de um médico e se submeter a experimento em que caberá ao computador determinar se receberão tratamento ou um placebo. Em outras palavras, as pessoas que participam dos testes clínicos são as mais pobres, que vivem no espaço social mais afastado de todo o universo médico.

Os responsáveis norte-americanos da agência de medicamentos e alimentação (Food and Drug Administration, FDA) mostram-se, entretanto, confiantes na capacidade de auto-proteção dessas pessoas, dando ou retirando seu consentimento. Para Robert Temple, diretor médico da FDA, questionar a capacidade dos pacientes carentes de dar seu consentimento seria uma atitude paternalista. “Não se deve tratá-los como se fossem incapazes de atingir seus próprios objetivos”, explicou. Ser analfabeto e pobre não é certamente um obstáculo intransponível: os conceitos científicos utilizados no centro de pesquisas são provavelmente desconhecidos para essas pessoas, mas não incompreensíveis.
Consentimento informado: direito e dever

Antropólogos médicos encontraram um meio de verificar se o consentimento é informado ou não. Interrogando, por meio de um questionário, 33 participantes tailandeses de um teste de vacina contra a AIDS, descobriram que 30 deles não tinham sido informados corretamente. Do mesmo modo, um estudo sobre um teste de anticoncepcional no Brasil revelou que nenhum dos participantes tinha sido satisfatoriamente informado. E num teste realizado no Haiti, sobre a transmissão do vírus HIV, 80% dos participantes ignorava as finalidades precisas do teste [1].

“O consentimento informado é uma piada”, disse um pesquisador da National Bioethics Advisory Commission. “Como uma pessoa que nunca ouviu falar de bactérias ou de vírus pode dar um consentimento informado?”, disse outro. “Essa idéia de consentimento do indivíduo… Isso não existe. As pessoas fazem o que as mandam fazer“.

Desde 2001, a FDA distancia-se da Declaração de Helsinki [2], pois considera as proteções muito restritivas. Em 2001, a FDA opôs-se à integração de novos regulamentos relativos aos testes com placebos. Em 2004, propôs que os regulamentos da Declaração de Helsinki para os testes realizados no exterior fosse abandonados e substituídos por normas técnicas elaboradas por laboratórios farmacêuticos e autoridades reguladoras norte-americanas, européias e japonesas. A tendência geral confirmou-se no verão passado, quando o Instituto de Medicina, um dos principais órgãos reguladores dos Estados Unidos na área científica, recomendou retirar as proibições que impedem a realização de testes clínicos em prisioneiros. Ao mesmo tempo, qualificou os defensores do consentimento informado, que durante décadas se opuseram aos testes clínicos com detentos, de “míopes” [3]

Tradução: Betty Almeida
betty_blues_@hotmail.com

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