É crucial que haja autonomia de vontade na conduta do paciente, ou seja, estamos frente a um ser como agente único de seus próprios atos, não transferindo a outrem a responsabilidade moral pelos seus atos, assim, tendo espontaneidade da ação em seu agir.
A crença, a vontade e os valores morais de um paciente impõe-se que sejam respeitados. Na sociedade moderna os direitos individuais, na área da saúde, têm sofrido um impulso e valorização consideráveis.
Há uma exigência, cada vez maior, da sociedade que a autonomia, a autodeterminação, do paciente seja respeitada. Isso implica em conhecimento. Não pode haver ignorância por parte do paciente sobre os atos médicos. Ele tem que ser instruído. As decisões do paciente têm que vir acompanhadas de um suficiente grau de reflexão. O consentimento é uma escolha voluntária, advinda desta reflexão baseada, além do conhecimento, em valores próprios. E, para refletir, tem que ter instrumentos para executar este raciocínio racional, não de pura emoção, por isto a necessidade de conhecimento por parte do paciente.
O ignorante sobre algo não é livre para escolher, para decidir, não tem independência nas suas opções pela ignorância que tem sobre os fatos. Para pensar, decidir, agir de maneira autônoma, o paciente tem que estar munido dos instrumentos para poder fazê-lo. Compete ao médico intrui-lo, orientá-lo, sem coerção.
A omissão do médico, no caso, caracteriza um ato omissivo culposo. O profissional médico que não fornecer ao paciente as verdades corretas, para que em cima destas o paciente tome uma decisão independente, não está respeitando a autonomia do paciente, incorrendo, assim, em um agir culposo, pelo qual é passível de ser responsabilizado.
O dever de informação é uma das regras primordiais da atividade médica. O médico está proibido de deixar de informar o paciente sobre as condições em que vai se estabelecer o seu tratamento. Há que se contar com o consentimento do paciente, para a realização dos atos que vão levar à sua cura, mas este deve estar, sempre, informado convenientemente das condições em que vão se realizar estes atos. É, indispensável, pois, o consentimento informado na relação médico-paciente. Envolve um diálogo, de caráter cogente, entre o médico e o seu paciente. A falta de consentimento informado caracteriza uma negligência do médico. O consentimento informado é parte integrante do ato médico. Não pode faltar. Se retiver algum dado necessário para que seu paciente tenha condições de emitir um consentimento informado, de forma inteligente em relação ao que lhe é colocado como forma de tratamento, o médico pode ser responsabilizado legalmente por esta omissão. Se não houver a informação de maneira conveniente, não se pode falar que houve o consentimento informado. A informação e o consentimento correm irmamente unidos, sem um não se pode dizer que houve o outro. A informação não deve ser apenas razoável. Ela deve ser suficiente para que o paciente tenha um entendimento suficiente das diversas opções que se lhe apresentam, podendo, assim, decidir sobre seus objetivos pessoais.
O médico ao instruir, informar, o paciente deve levar em consideração que há diversas maneiras de esclarecê-lo. Há extrema variabilidade no consentimento informado. O que vige, portanto, é a não uniformidade na maneira de se informar ao paciente sobre as características do seu atendimento. Além disso, uma exposição completa seria bastante difícil de conseguir, o que é bem fácil de entender. O grau de compreensão de cada paciente contribui para isto, pois é variável de um para outro. Tudo isto, faz esta transmissão de ensinamentos, revestir-se de uma acentuada complexidade, situação para a qual o médico deve estar preparado, adaptando as suas elucidações ao grau de discernimento de quem recebe, em cada caso, a sua explanação.
Pode haver impossibilidade física, por exemplo, inconsciência do paciente, ou impossibilidade legal, como a menoridade. Como o princípio do respeitos às pessoas estatui que as pessoas com autonomia reduzida devem ser protegidas. estas impossibilidades têm que ser supridas, ou seja, os responsáveis legais por estas pessoas suprirão com sua permissão, devidamente informados, o consentimento para a realização dos atos médicos que se fizerem necessários. Entenda-se bem, pois é basilar, que quem consente tem que ter capacidade legal para fazê-lo.
Pode mesmo haver impossibilidade temporal para o consentimento informado, como nas urgências e emergências. O grau de risco de algum prejuízo ao paciente, determinará até onde deve ir a intervenção do médico, sem um prévio consentimento por parte deste. Mas, o risco de vida, sem dúvida, é mandatório em impor a obrigatoriedade de agir ao médico, mesmo sem consentimento do paciente, até, conforme o caso, com sua oposição. Pode-se, até, afirmar que, segundo o direito penal brasileiro, caracteriza-se nesta situação uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade, a “inexigibilidade de conduta diversa”. É, neste caso, impositiva a prática de um determinado ato por parte do médico, não podendo ser inculpado por este, também como prevê, expressamente, o Código Penal Brasileiro, em seus artigos 23, inciso I e 24, como excludente da antijuricidade, da ilicitude, ou seja, o agir de alguém em “estado de necessidade”. No caso, para salvar a vida de outrem. Tudo isto, reforçado pelo caráter explícito do artigo146 do nosso Código Penal, que diz no seu parágrafo 3°, inciso I: “Não se compreendem nas disposições deste artigo: I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante, se justificada por iminente perigo de vida;”. Portanto o constrangimento ilegal – crime contra a liberdade pessoal – previsto no “caput” do referido artigo 146, não se aplica ao médico na eventualidade de haver iminente risco de vida. Mas, se não bastasse, o nosso direito positivo admite também o estado de necessidade, dando este, ao médico, não só a autorização, mas, inclusive, impondo-lhe, nos casos em que ele se configure, o dever de agir, para preservar o bem maior, a vida do paciente. O risco de morte, ou, até mesmo, de lesão física, libera o médico de saber a vontade do paciente. Se não consegue convencer o paciente, só resta ao médico intervir contra a vontade do mesmo, para preservar sua integridade física, sua vida.
O consentimento informado pode ser oral ou escrito, mas a forma escrita, principalmente do ponto de vista legal, é a mais recomendável. A forma escrita tem um formato externo que permite um reconhecimento por outros interessados, se for o caso. Na prática, sempre haverá uma conjugação, ao se utilizar a forma escrita, com a forma oral de consentimento informado, até, pela complexidade da explanação de certas situações e atos médicos. Até, pode ser o consentimento presumido, se óbvio – fácil de constatar – que o paciente, se consultado, concordaria com o ato médico.
Todo consentimento informado apresenta-se, necessariamente, composto de um conteúdo em informações fornecidas pelo médico ao paciente, necessita que haja compreensão destas informações por parte do paciente, deve ser voluntária a decisão do paciente e esta deliberação do paciente tem que se expressar em um consentimento, uma aquiescência. A Confederação Médica Latino-Americana e do Caribe – CONFEMEL, em sua 3ª Assembléia Ordinária, realizada na cidade de Santa Marta, na Colômbia, em 10 de dezembro de 1999, como parte da Declaração sobre a Responsabilidade Legal do Exercício da Medicina, estabelece que se promova como ação imprescindível ao exercício da medicina, entre outras, a “Utilização sistemática do consentimento idôneo, e ante uma comunicação clara, acessível, respeitosa da autonomia do paciente”. Também na Declaração de Princípios Éticos Fundamentais da CONFEMEL estatuído está que “É direito do paciente decidir livremente a respeito da execução de práticas diagnósticas e terapêuticas”. No mesmo sentido vão os artigos 56 e 59 do Código de Ética Médica, que dizem: “É vedado ao médico: Art. 56. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida. Art. 59. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal”.
É conveniente, que o consentimento seja obtido próximo à realização do ato médico ao qual se refere, mas com uma distância deste que permita uma decisão voluntária e esclarecida. Pode ser obtido no mesmo dia, se depender de informações adicionais que só se disponibilizem naquele momento. Trata-se de expor ao paciente as alternativas diagnósticas , terapêuticas e prognósticas de seu caso, de uma maneira que isto lhe seja compreensível. Mas, convém, neste ponto, ressaltar, o consentimento informado não descaracteriza, em hipótese alguma, responsabilidades profissionais por parte do médico.
Cabe ao paciente escolher, dentre os tipos que lhe são ofertados pela moderna medicina, qual o tratamento que mais lhe convém. Isto exige a prévia informação necessária do médico sobre estes tratamentos. O paciente é o legítimo dono daquilo sobre o qual estamos decidindo.
O consentimento informado teve limitada sua utilização, até agora, na prática , para a ocasião da realização de procedimentos invasivos ou situações especiais. Encontra, todavia, atualmente, como recomendação, um campo de aplicação bem mais amplo, inclusive, pelas implicações legais – omissão, que pode acarretar a sua não formalização em determinado atendimento médico, no caso de eventuais danos ao paciente. O paciente deve ser alertado, como dever do médico, dos riscos mais comuns. Chama-se de “risco residual” àquelas complicações menos freqüentes de acontecerem que, usualmente, não são necessárias de se informar ao paciente. Porém, mesmo certos acontecimentos, incluídos na pouca probabilidade do “risco residual”, devem ter comunicada a sua possibilidade de ocorrerem ao paciente, devido ao grau de prejuízo que a sua ocorrência, mesmo pouco provável, traria ao paciente. Quando se tratar de cirurgia plástica estética a exigência, no tocante às informações que devam ser dadas ao paciente, inclui que deva ser informado, principalmente, dos riscos mais raros do procedimento ao qual vai ser submetido.
Quando escrito, ou mesmo na exposição oral, o consentimento informado deve ser obtido através de uma linguagem acessível, adaptada a cada tipo de paciente. Isto implica em conhecimentos de psicologia, por parte do médico, para, até mesmo, evitar o uso de expressões que traumatizem desnecessariamente o paciente. A informação deve ser completa, mostrando a realidade, mas, enfatizamos, adaptada às condições emocionais de cada paciente. Isto exige um conhecimento suficiente da personalidade do paciente, permitindo uma abordagem clínica adequada da situação, em termos de consentimento informado. É conveniente que a explanação inclua, necessariamente, os benefícios advindos do tratamento proposto, os possíveis riscos e tratamentos outros que sejam viáveis para o caso. Uma má avaliação do estado psicológico do paciente pode encontrá-lo mal preparado para estar ciente do seu estado clínico, portanto, para não incorrer em imprudência, antes de expor os dados de sua doença ao paciente, o médico deve avaliar a sua possibilidade emocional de receber estas informações. Revelações brutais de diagnóstico e prognóstico que o paciente não suporte têm que ser evitadas. Por vezes, devido à complexidade da situação médica que se apresenta, para uma explanação completa, serão necessários vários encontros entre o médico e o paciente e, ou, seu responsável. Este modo de agir, vem ao encontro do paradigma bioético antropológico de que cada pessoa tem como caráter ser único, não se repetir, sendo aberta à interrelação com os outros e com o mundo, passível de se comunicar e ser solidária em sociedade, merecendo, portanto, uma abordagem sempre individualizada quando se encontre na situação de paciente. Falando objetivamente, compete ao médico informar ao paciente ou seu responsável, em linguagem simples, todos os aspectos que envolvem a sua doença.
O reconhecimento pela sociedade dos direitos fundamentais das pessoas, está repercutindo nas relações entre os médicos e os pacientes, levando, cada vez mais, a uma maior emancipação do paciente quando se trate de decidir sobre os tratamentos aos quais deseja se submeter. E, para decidir, o paciente tem que ser bem informado. Tudo isto se baseia no princípio da autonomia, o princípio do respeito às pessoas.
Autor: Neri Tadeu Camara Souza
Advogado – direito médico
Médico – Residência em Clínica Médica/Gastroenterologia – Especialização em Administração Hospitalar – Especialista em Gastroenterologia pela Associação Médica Brasileira – Coronel Médico da RR da Brigada Militar.
Recebido do autor por e-mail, em 2001
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