O Farmacêutico e a ética

Farmacêuticos e população de todo o País acompanharam, atônitos, a matéria veiculada no “Fantástico”, da Rede Globo, no domingo (18.04.10). A equipe daquele revista televisiva flagrou situações em que farmacêuticos ou proprietários de farmácias pagavam comissões a médicos. O “Fantástico” entrevistou-me e eu fui incisivo, ao declarar que a conduta dos farmacêuticos denunciados feria a ética farmacêutica.

Estou recebendo e-mails e ligações telefônicas de farmacêuticos de todo o País, em que comentam o fato e a minha entrevista. Um farmacêutico chegou a dizer que a minha declaração foi “pífia”. Uma outra informou que a prática daqueles profissionais flagrados pelas lentes do “Fantástico” é corriqueira e que a matéria não traz novidades. Colegas, também, ligaram para manifestar a sua “vergonha”, diante das denúncias, ou indignação frente à atitude dos colegas.

A todos, tenho dito o que vou repetir, aqui e agora: o Conselho Federal de Farmácia (CFF) tem, antes de tudo, um compromisso com a sociedade. Para tanto, o órgão fiscaliza o estrito cumprimento da ética profissional, porque, assim, está preservando direitos da coletividade.

E o que diz o nosso Código de Ética Profissional, aprovado pela Resolução 417, de 29 de setembro de 2004, publicada, em 17 de novembro de 2004, no “Diário Oficial da União”? Em seu artigo 13, inciso III, o Código é claro, ao condenar aquele que “exercer a Farmácia em interação com outras profissões, concedendo vantagem, ou não, aos demais profissionais habilitados para direcionamento de usuário, visando ao interesse econômico e ferindo o direito do usuário de livremente escolher o serviço e o profissional”. Também, condena quem “praticar procedimento que não seja reconhecido pelo Conselho Federal de Farmácia”.

Portanto, fora daí, é desobediência ao Código de Ética da Profissão Farmacêutica. E infringi-lo é uma conduta pela qual o seu autor deve ser penalizado.

O que foi mostrado no “Fantástico” é algo acintoso à ética. É, ainda, um insulto à sociedade a quem nós, farmacêuticos brasileiros, destinamos os nossos serviços. E, por eles, recebemos um pagamento ético, um salário que corresponde ao rendimento em troca do trabalho que despendemos no nosso processo produtivo.

Os nossos serviços e os produtos que são dispensados em nossos estabelecimentos têm um grande alcance social e sanitário. Eles são responsáveis pela manutenção da saúde, pela recuperação de doenças, por salvar vidas. Por conseguinte, não podem degradar-se, a ponto de se tornar, de forma vil, uma “moeda” de barganha para aumento da lucratividade, não importando a saúde de quem padece de doenças.

A matéria da Rede Globo denuncia exatamente isso: empresas farmacêuticas oferecendo remunerações a médicos, sob a forma de captação de receitas. Noutras palavras, uma relação promíscua, pois que nutrida pela propina, pela chantagem, pelo suborno.

O farmacêutico, pelo contrário, tem a obrigação de adotar todos os meios para promover a devida assistência farmacêutica e garantir o acesso ao medicamento e aos seus serviços pelos cidadãos. É o momento em que ele, assumindo a sua condição de profissional da saúde, amplifica a sua responsabilidade social com a seu vastíssimo arco de atividades e atribuições, que podem ser traduzidas no aumento da qualidade de vida das pessoas que deles necessitam.

Não é lícito vincular a dispensação de medicamentos a prêmios ou remunerações indiretas ou reflexas a médicos que prescrevem medicamentos e induzem os seus pacientes a adquirir esses produtos, em farmácias com as quais mantêm o vínculo promíscuo.

O cidadão tem direito ao medicamento e à sua respectiva orientação farmacêuica. Não é admissível, portanto, quaisquer condutas diversas ou dinheiros alheios ao fim específico, que é a aquisiçao do produto pelo valor justo. O repasse de valores que, ressalte-se, leva ao encarecimento dos medicamentos, é prática nefasta de locupletamento ilícito de remunerações, bônus ou prêmios à custa da doença alheia.

Se o farmacêutico verificar esta prática, deverá denunciar o fato ao Conselho Regional de Farmácia ao qual estiver inscrito, cabendo a esse CRF produzir e encaminhar relatório da infraçao aos órgãos do âmbito de sua jurisdiçao, sejam Conselho Regional de Medicina e Ministério Público Federal ou Promotoria da Defesa da Saúde.

O salário do farmacêutico não advem de venda casada de medicamento ou direcionamento de receita. Tampouco o salário do médico advém dessa mesma prática abominável, cabendo aos Conselhos Regionais de Farmácia e Medicina envidar esforços para banir essa conduta.

Portanto, aviltar o medicamento, um bem social destinado à manutenção da saúde e à cura de doenças, e rebaixar a assistência farmacêutica, um conjunto de serviços que têm a função de garantir o sucesso da terapêutica medicamentosa, à condição de peças de uma engrenagem sórdia para se ganhar dinheiro, de forma espúria, é venhoso. Fere a ética, fere a lei, fere a dignidade humana. Por isso, o CFF a reprova, veementemente, e contra ela lutará com todo o destemor.

Mas o Conselho Federal de Farmácia reconhece que a prática denunciada pela Rede Globo não faz parte da índole dos farmacêuticos brasileiros. Eles são profissionais responsáveis, honestos, dignos. E mais: prepararam-se, técnica e cientificamente, e imbuíram-se do mais puro espírito de responsabilidade social para servir bem a população.

De sorte que não aceitamos, mas de forma alguma, a pecha de que os farmacêuticos pratiquem costumeiramente atos que ferem a sua ética profissional. Que os faltosos – apenas eles – paguem por suas condutas.

Dr. Jaldo de Souza Santos,
Presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF).
E-mail: presidencia@cff.org.br

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