Embora o inimigo fosse ainda desconhecido, a recomendação para matá-lo era o “hospitalismo”: a infecção, o envenenamento do sangue e a gangrena negra, que esvaziavam as salas de cirurgia nos cemitérios e dava aos sucessivos ocupantes da mesa de operação uma chance pior do que a de um soldado em Waterloo.
Joseph Lister (1827-1912), filho de um comerciante de vinhos em Londres, ainda estudante assistiu à primeira operação com anestesia realizada na Europa por Robert Liston no Hospital Colégio da Universidade em 1846. Lister estudou a inflamação nas patas de sapos. Na sua opinião, a infecção fatal das incisões cirúrgicas não era causada pelos vagos miasmas, como pensava a crença popular, mas por algo sólido que flutuava no ar. Como Jenner, Lister antecipou Louis Pasteur que, em 1864, identificou aquelas partículas invisíveis como coisas vivas que acidificavam o vinho. Lister especulava que, se coisas sólidas faziam apodrecer os vinhos que seu pai vendia, deviam provocar a putrefação das incisões feitas por ele.
Lister tentou então destruir essa massa de germes variados no local em que o bisturi do cirurgião facilitava sua entrada usando um desinfetante no campo operatório. Ele escolheu o ácido carbólico que, sabia, tinha funcionado nos esgotos de Carlisle. Nessa época Lister era professor de cirurgia na Enfermaria Real de Glasgow, construída sobre um cemitério repleto de vítimas da epidemia de cólera. Ele resolveu experimentar sua ideia em 12 de agosto de 1865, aplicando panos embebidos em ácido carbólico na perna esquerda de Jimmy Greenless, de 11 anos, que estava com fratura da tíbia.
Em seguida, Lister adaptou vaporizadores usados para perfume, manejados por um estudante, que durante todo o tempo vaporizava a mesa comum, coberta por uma toalha com bordas como preparada para o chá da tarde, onde se processava a operação. A equipe de cirurgia usava a mesma roupa com que chegava ao hospital, e só o cirurgião arregaçava os punhos. Alguns cirurgiões usavam sempre a mesma sobrecasaca para operar, com fios de sutura presos nas casas dos botões, endurecidos com sangue e pus secos; quanto mais sujos, maior era a clientela do cirurgião. A sala de operação tinha pias de cozinha com torneiras de bronze, bancadas de banheiro com tampo de mármore para os vidros e toalhas, bacias de louça com as esponjas cheias de sangue e um balde cheio de areia, que era espalhada com uma pá no assoalho de madeira sujo de sangue. Um aquecedor a carvão aquecia a sala no inverno e facilitava a alguns cirurgiões mais conservadores o estancamento das hemorragias com ferro em brasa, como faziam seus ancestrais elizabetanos.
Lister aperfeiçoou os vaporizadores de perfume, criando seu “burro mecânico”, um tripé de madeira com um vidro de ácido carbólico vaporizado manualmente por meio de uma alavanca (o qual pode ser visto no corredor do Colégio Real dos Cirurgiões). Como não podia deixar de acontecer, logo passou a ser movido a vapor, como as locomotivas e os navios. O desconforto provocado na equipe pela nuvem constante de fenol no rosto, dai após dia, pode ser compreendido pelo jardineiro que resolve vaporizar suas árvores frutíferas num dia de vento forte. Em 1887, Lister abandonou o burro mecânico e voltou à gaze impregnada com ácido carbólico.
Em 1871, Lister operou a axila real. A rainha Vitória estava com um abcesso de 15 centímetros de largura na axila esquerda, e pior do que a dor era a indignidade de tal coisa na pessoa real. Na atmosfera impressionante da operação, feita com anestesia local, infelizmente a rainha recebeu uma baforada do vaporizador no rosto. “Eu sou apenas o homem que maneja os foles”, protestou arrasado, o assistente alvo da ira real. Lister se gabou delicadamente, depois da morte da rainha: “Acredito que eu fui a única pessoa que jamais praticou no seu corpo divino a arte da cirurgia.” Para os amigos, ele disse: “Cavalheiros, eu fui único homem que enfiou a faca na rainha!”
No seu septuagésimo aniversário, Lister conheceu Pasteur, apresentado pelo presidente Carnot, da Sorbonne. “Não existe no mundo todo um indivíduo a quem a ciência deva tanto quanto ao senhor”, disse Lister elegantemente para Pasteur. Eles se beijaram e todos gritaram Vive! Nesse rasgar de seda acadêmico, Lister era lord há três meses, o primeiro da medicina.
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