Timor mortis conturbat me – a ideia da morte me deixa morto de medo, exclamou Willian Dunbar (?1465-?1530), o Chaucer escocês, se é que tal transmigração é possível. Esse temor compreensível criou a religião e a medicina.
A antiga igreja católica era contra os médicos. Eles interferiam no negócio da morte. Os corpos aninhados em volta de suas torres de marfim enfatizavam o fato de que a recepção dos seus patronos seria tão calorosa no céu quanto o castigo dos outros no inferno. A causa da suprema era, evidentemente, o pecado, seu tratamento era oração, o jejum e o arrependimento. Os santos dirigiam o corpo. Santa Blaise se empregava da garganta. Santa Brígida dois olhos, e Erasmo das entranhas, Dympna era o psiquiatra, São Lourenço especializava-se em dores nas costas, São Fiacre, em trairia traseiros doloridos (ou ele deu o nome à pequena carruagem francesa). São Roque distribuía as pragas, São Vito tinha sua dança, O Fogo de Santo Antônio assava os membros, acesos pela infecção ou pelo envenenamento pelo ergot do pão de centeio. A primeira operação de transplante foi feita pelos santos gêmeos, Cosme e Damião, que substituíram a perna ulcerada de um homem branco pela de um negro morto recentemente (de Sedano representou isso em seu quadro). Os gêmeos foram decapitados em 303d.C., acusados de serem empecilhos não ortodoxos.
Pior ainda, o corpo humano era considerado sagrado e a dissecação proibida(os muçulmanos continuam com essa crença). Desse modo, o conhecimento do corpo permaneceu à flor da pele.
Galeno reclamava que um médico sem anatomia era um arquiteto sem plano, mas ele também tinha de se contentar com a dissecação dos macacos da Berbéria, que enfeitam hoje Gibraltar. Trótula (c. 1050), uma das “damas obstetras de Salerno” as outras eram Abella, Constanza e Rebeca), escreveu De Mulierum Passionibus, foi celebrizada de Navarra a Paris na canção “Dame Trot” pelo famoso trovador Ruteboeuf, mas mesmo assim tinha que dissecar porcos. Ela se consolava com o fato de os porcos serem iguais aos homens, por dentro. No outro lado do Mediterrâneo, na escola de medicina de Alexandria, fundada em 332 a.C., Herófilo e Erasístrato (c. 300 a.C.) já tinham a solução anatômica: eles dissecavam vivos os criminosos da prisão real. ” Sem dúvida, o melhor método para aprender “, escreveu Celso, aprovando.
A anatomia estava morta e a medicina nasceu morta. A religião é sem dúvida a Coisa Boa, oferecendo os meios valiosos para instalar sobre os ombros do homem auto-afirmativo o peso de alguém mais importante do que ele, com um conjunto excelente de regras com as quais, na maior parte das vezes, ele não consegue dirigir sua vida, oferecendo esperança, consolo, orientação e humildade, além da maravilhosa arquitetura da Basílica de São Pedro e do Taj Mahal. Mas ela sufocou a medicina durante 15 séculos.
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