O ubre benevolente

A pele das jovens ordenhadeiras inglesas foi admirada e cantada em poemas e canções desde o século XVI, as ordenhadoras de Gloucestershire começaram a descobrir – com mais resignação do que aborrecimento, e nunca alarmada – manchas nos seus braços e na mãos que todas as manhãs apertavam as tetas das vacas. As manchas eram causadas pelo contato com as feridas da varíola bovina, uma infecção comum no ubre das vacas leiteiras. Depois de uma semana, as manchas se transformavam em pústulas e as jovens passavam por um mal-estar passageiro, como a gripe. Porém, uma vez servas as feridas, a cicatriz significa que estavam imunizadas contra a varíola humana. E as únicas ordenhadoras que nunca apanharam a varíola bovina eram as que, por sorte, sobreviveram à varíola humana.

Essa curiosidade imunológica era conhecida há anos naquela região-os senhores de terras com seu brandy nos copos de cristal, os pequenos proprietários rurais com seus cachimbos de argila sem dúvida discutiram o assunto em volta do fogo, nas noites de inverno. Ora, em Dorset, em 1774, o fazendeiro Benjamin Jesty boa havia infectado a mulher e o filho com a varíola bovina transferindo o pus diretamente do ubre inflamado. Em 1765, o Dr. Fewster havia até mesmo chamado a atenção da Sociedade de Medicina de Londres para a rústica coincidência, mas ninguém deu importância.

No sábado,14 de Maio de 1796, o Dr. Jenner, de Berkeley, um povoado na margem do Rio Severn, entre Gloucester e o próspero porto de tráfico de escravos, em Bristol, apanhou uma porção de pus das feridas infetadas com varíola bovina de Sarah Nelmes, filha de fazendeiro, e por meio de duas pequenas ranhuras na pele do braço infectou James Phipps, de oito anos de idade.Sarah tinha três pústulas abertas isoladas, de dois centímetros e meio de largura,no dedo indicador, na ponta do polegar e no pulso da mão direita. Eram azuladas com as bordas altas, e os gânglios das suas axilas estavam intumescidos. Sarah havia arranhado a mão com um espinho e o ferimento inflamou gravemente, como o primeiro paciente de Florey tratado com penicilina, 145 anos depois.

No dia 1º de Julho, Jenner arranhou levemente o braço do menino James com pus de varíola humana. Nada aconteceu. Jenner acabava de inventar a vacinação (nos antigos campos riscos, a vacca pastava e mugia). Mas Jenner não desafiando cruel ou desnecessariamente o risco do fracasso, ou seja, da morte do menino por varíola induzida no seu organismo. A inoculação com pus de varíola humana, não com o pus da varíola bovina, já existia há muito tempo entre as belas ordenhadoras.

Os chineses antigos talvez praticassem a inoculação contra varíola aspirando uma quantidade de pus. Os turcos certamente praticavam a inoculação há várias gerações. Eles davam pequenas festas, nas quais velhas mulheres, usando agulhas, os inoculava com o veneno da varíola humana guardado numa casca de noz. Essas funções sociais entusiasmaram a mulher ládo embaixador britânico em Constantinopla, Lady Mary Wortley Montague (1689-1762). Ela tivera varíola aos 26 anos, e ficou desfigurada por toda vida.

“Agora a beleza se foi, e não existem mais amantes.

Não existe nenhuma pomada capaz de salvar uma jovem trêmula?”

Suspirar ela num poema patético.

Seu irmão mais novo tinha morrido de varíola. Ela resolveu determinadamente inocular o filho de seis anos contra a varíola, em 18 março 1718. Lady Montague avidamente importou a técnica dos turcos para a Inglaterra, onde foi oferecida como o que chamavam escolha de Gibson — uma escolha sem alternativa Real – a s seis criminosos condenados à morte. Acontece que foi uma deliciosa alternativa para a forca. A satisfação dos médicos foi igual ao desapontamento dos carrascos. Um dos condenados ocultou o fato de já ter tido varíola humana e, portanto, já estar imunizado. Além disso, para controle clínico, um deles recebeu o lendário tratamento do chineses, aspirando as pústulas secas, teve varíola muito fraca e se salvou da forca. Era uma jovem de 18 anos.

Vários membros da família real, animados com o exemplo dos seus súditos criminosos, foram inoculados também. Logo, todo mundo estava fazendo o mesmo. Os médicos arranhavam levemente a pele do braço e passavam um fio de linha embebida no pus da varióla humana. O que, com sorte, provocava uma varíola leve e imunizava para toda a vida. Com pouca sorte, provocava uma varíola virulenta e matava. A Igreja objetou, dizendo que estavam tirando o poder das mãos de Deus.

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