Guerra civil rima com Brasil

Quando era criança, adorava um joguinho com lápis e papel, em que aparecia uma série de pontos num quadrado para interligar. Unindo ponto a outro, ao final surgia o gorila. E como era feio o bicho. E eu sorria…

O tempo passou, fiquei adulto, mas permaneceram os olhos e as lembranças do menino. Todavia, não sorrio mais. O que estou vendo hoje, interligando os pontos, é muito perigoso.

Resta apenas desmoralizar as Forças Armadas e o Supremo Tribunal Federal como instituições. Como na Jerusalém do passado, não sobrará pedra sobre pedra, como um dia lamentou Jesus. Advirá o momento em que o diálogo entre o governante e o povo será direto, sem intermediários. Teremos então a flor do Lácio do totalitarismo…

O gorila estará visível e nu, como todo poder anticrístico. As instâncias intermediárias, as forças que auxiliam a sociedade civil a se proteger de nada mais valerão, a não ser para legitimar o estupro da nação. E nem será necessário colocar a oposição na cadeia, como queria Bakunin, porque neste país se opor é ato que beira o mau gosto. Oposição é crime de lesa-majestade!

Nenhuma resistência acontecerá, porque todos se tornaram malandros e não vão colocar a cabeça de fora para ser decepada. E o país rumará ao patíbulo, sem a defesa de seus filhos.

Primeiro, tiveram que desmoralizar a classe política que está misturada ao pior esterco da corrupção; em seguida, a atmosfera de insegurança nas cidades e nos campos se generalizou, com assassinatos e o patrocínio do crime organizado ao delírio geral das drogas; mais adiante, a destruição da educação, da saúde e dos valores morais, como causas antiquadas e “cívicas” a serem minimizadas cotidianamente pela mídia. Vemos até o presidente da República atirando camisinhas ao populacho, nem se importando em discutir uma correta política de controle da natalidade.

Aliás, reproduzindo-se feito moscas, os pobres e miseráveis serão o caldo de cultura para a futura sociedade planificada na vontade de um homem só e seus asseclas. Se isso não for fascismo, não sei como se chama…

Estamos vivendo um filme de terror, em que os brasileiros são os mortos-vivos. Os movimentos sociais e sindicais permitidos vão fazendo o jogo de cena, próprio das ditaduras, fingindo opinião que não mais detêm, emudecidos por verbas oficiais. Estão calados e bem pagos, como estátuas de sal (ou pré-sal)…

Estou emitindo essas considerações, mas não sei até quando poderei fazê-las. A sensação de inutilidade, de malhar em ferro frio, é onipresente, porque é próprio das ditaduras desmoralizar qualquer oposição, colocando o crítico eventual numa situação de paralisia psiquiátrica. Passou-se o tempo em que nos chamavam de “reacionários de direita”. Agora, somos loucos mesmo, os que ousam remar contra a pretensa maré da maioria…

Alguns de meus censores, candidamente, me perguntam: por que você critica tanto o presidente? E eu respondo; tenho 53 anos e nasci durante o governo Café Filho, sujeito honestíssimo e de caráter ilibado. Aos catorze anos, na casa de meu pai, em plena ditadura, pude conversar por cinco minutos com um estadista, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, e o SNI fotografava todos os que entravam no edifício. Testemunhei o transcurso do regime militar, os governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e o atual.

Cumprindo o princípio da história brasileira contemporânea, de que o futuro é sempre pior que o passado, jamais vi em minha vida um presidente tão descomposto e hilariante na capacidade de dizer asneiras e batatadas. Pensava que o mais folclórico, nesse sentido, teria sido o general Figueiredo, mas o atual, sem qualquer dúvida, bateu todos os recordes. Ele é o anticristo da estrela de cinco pontas que ainda vai nos trazer enormes tristezas e constrangimentos. E me recuso a crer que o brasileiro se identifique tanto assim com ele por ausência de espírito crítico, cultura e sabedoria.

Não me recordo de ter sentido tanto medo e insegurança como hoje em dia. Mudei do Rio de Janeiro, onde ouvia toda noite, em certo bairro nobre, o som das metralhadoras, como se estivesse ao lado de minha cama. Cansado de tantas balas perdidas por perto, resolvi morar em cidade pequena e felizmente ainda não conquistada pela bandidagem.

A despeito de tudo, não me calei. Quando ouço falar que o MST está matando gente em Pernambuco e que protesta contra o fechamento de suas “madrassas”, escolas de alfabetização terrorista e fundamentalista no Rio Grande do Sul, fico boquiaberto.

Sou do tempo em que os estudantes da UNE protestavam contra o regime. Hoje, saem ridiculamente à rua para reivindicar meia-passagem nos ônibus e nos cinemas. Os estudantes “profissionais”, empanturrados de verbas públicas, calaram definitivamente a boca e parece que, em contrapartida, a juventude só se interessa mesmo por baladas regadas a maconha, crack, cocaína, LSD e ecstasy, para esquecer a realidade mórbida em que vivemos. E os combativos acadêmicos trotskistas de ontem são apenas os universitários conformistas de hoje, que passam trotes violentos…

Sou do tempo em que havia preocupação com a proletarização das Forças Armadas. Hoje, além de desequipadas e sem opinião, vão ter que curtir os expurgos futuros causados pela ampliação da lei da anistia e da abertura de arquivos acusatórios sobre alguns oficiais de pijama, ainda vivos. É claro que sob o nobre pretexto de não repetir a tortura, sempre hedionda, o governo procura criar um clima de exagero ao comparar o que ocorreu na ditadura militar com o holocausto nazista. A solução é utilizar o erário para recompensar e enriquecer ex-guerrilheiros e alguns falsos terroristas queridinhos do governo vigente.

No entanto, a protoditadura que aí está, não satisfeita, quer ainda armar o circo da divisão social. Como Mussolini, dividir a sociedade em compartimentos estanques para melhor governar e poder sobressair.

Nesse contexto, temos o pobre, como entidade genérica eternamente defendida pelo salvador de plantão, colocado em litígio contra as classes dominantes, que nunca estiveram tão bem protegidas e prestigiadas, como neste governo. Negros insurgem-se contra brancos, homossexuais contra heteros, índios e quilombolas contra agricultores, mulheres contra homens, deficientes físicos contra não deficientes – enfim, onde possam se constituir subdivisões sociais e cotas politicamente corretas, eis aí o solo fértil para a manutenção e continuidade do poder protofascista. Com a palavra, o Duce de Garanhuns: nunca neste país…

Mãos crispadas nos palanques, faces avermelhadas pelo porre da noite anterior, vai o governante cantando loas às próprias realizações, abrindo veredas para a sucessora predileta, um balão de ensaio caprichoso e sem carisma, fruto de teimosia que nenhum de seus acólitos ousa contestar, a não ser através de uma anticandidatura lançada como eram os antigos cristãos às feras famintas…

Nunca neste país o ovo da serpente esteve tão prestes a rebentar. A nação é um paiol de pólvora e não me admirarei se focos de inconformidade, diretamente proporcionais ao terrorismo de alguns movimentos sociais, começarem a surgir. Afinal, guerra civil rima com Brasil e essa licença não pode deixar de ser acolhida com imensa preocupação pelo poeta.

Podem dizer de mim o que quiserem, porque me acostumei a unir os pontos de um desenho de início incompreensível e aparentemente inextricável. E o gorila que aparece hoje, tal como o diabo, é grande ator na tarefa de iludir e fingir que não existe.

Como disse o apóstolo Paulo, sentir como adulto faz com que esqueçamos a imagem de criança, posta no espelho e vislumbremos a verdade, face a face. Mas ao invés de Deus, o que aparece no Brasil é o gorila…

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* Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e morre de medo de gorilas…
Teresópolis, 28 de fevereiro de 2009.

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