Um bom lar para uma causa perdida

O verão de 1940 acordou as torres sonhadoras com o alarme de ataque aéreo. A guerra começava a se fazer sentir. A Inglaterra há nove meses tateava no escuro do blackout, e naquela primavera tinha cantado: “Vamos estender nossas roupas para secar na linha Siegfried.” Agora, manteiga, carne, chá e gasolina estavam racionados, o scotch era difícil de encontrar e 15 depois do começo oficial da guerra, com os panzers cruzando as fronteiras dos países vizinhos, os alemães chegaram a Boulogne, na França. Segundo a tradição de Drake, o críquete continuava a ser jogado no Parks.

Ao sul do Parks, num anexo do Departamento de Patologia da Escola de Medicina de Oxford, que geralmente abrigava cobaias e ratos de laboratório, uma construção de garrafas de limonada de cabeça para baixo, comadres, tubos de borracha, tubos de vidro, uma estante de mogno de Bodleian, uma centrífuga para leite, banheira, caixa de correspondência de bronze e campainha elétrica – o que teria feito a delícia do lápis de Heath Robinson – estava fabricando o medicamento mais necessário do século.

O professor de patologia era Howard Walter Florey (1898-1968), australiano de Adelaide, parecido com Glenn Miller. Ele chegou a Oxford depois de ter sido professor de patologia em Sheffield, em 1935, e como muitas vassouras novas no mundo acadêmico varreu seus assistentes para a Biblioteca de Ciências, encarregando-os de procurar pesquisas esquecidas ou abandonadas que merecessem uma revisão.

Florey notou que uma parte do trabalho realizado pelo professor Alexander Fleming, no Hospital Santa Maria, em Londres, em 1929, talvez devesse ser examinada. Fleming estava estudando o germe estafilococo, causador de furúnculos, carbúnculos, abscessos, infecção de feridas, osteomielite, mastite, pneumonia, septicemia e morte. Ele estava examinando as variações de cor nas colônias amarelas brilhantes dos estafilococos que cresciam no ágar nutritivo nas placas de Petri, rasas e arredondadas. Essas mudanças de cor eram mais acentuadas quando os micróbios cresciam ao ar livre do que no incubador.

Aparentemente, o professor Fleming foi passar férias na Escócia, quando terminou a experiência, e deixou as placas de Petri empilhadas num balde com um forte anti-séptico. Porém, a placa de cima havia escapado sem que lhe notasse, e durante sua ausência de um mês o bolor o invadiu e começou a devorar os estafilococos. O professor chamou o bolor de penicillium (escova) e, engenhosamente, o usou para limpar as placas de Petri daqueles germes irritantes e contaminadores, como estafilococos e outros. Assim, ele poderia cultivar o puro Bacillus influezae, que é imune a penicillium e que causa bronquite e sinusite, às vezes meningite, mas nunca a gripe.

Florey notou que a penicilina do seu colega podia ser redirecionada para atacar aqueles germes comuns, mas ferozes no interior do corpo. Seu químico, o alemão – russo Ernest Chain ( 1906-1979), cultivou o bolor em levedo de cerveja e extraiu o suco e, em 12 de fevereiro de 1941, Florey experimentou o resultado na Enfermaria Radcliff, num policial com septicemia estafilocócica resultante de um ferimento na boca, quando podava os arbustos do seu jardim. A penicilina produzida na estante de livros booleana era tão pouca que tiveram que subir de bicicleta a ladeira até o Departamento de Patologia, levando urina do paciente para fazer uma nova dose.

O paciente morreu, mas a experiência foi um sucesso. Florey restringiu seus esforços à tentativa de salvar a vida de crianças, que podia ser tratadas com doses menores do precioso líquido. Sua equipe planejou passar o bolor na roupa e fugir, se os alemães aparecessem no High. Ele publicou seus primeiros resultados na revista Lancet de 28 agosto 1940. Para surpresa de Florey, no dia 2 setembro Alexander Fleming (1881-1955) apareceu em Oxford. Ainda não estava atrasado.

Fleming teve sorte. Aquela placa de Petri do Hospital Santa Maria (encontra-se agora no Museu Britânico) foi exposta em um dos horríveis meses de agosto da Grã-Bretanha, a temperatura ideal para o crescimento do bolor. O bolor não caiu do céu, subiu do laboratório no andar inferior, onde o colega de Fleming estava estudando os diversos tipos de bolor. Fleming ignorava o potencial da penicilina porque sua mente estava atrás de uma cortina, mesmo no mais versátil e inventivo laboratório de microbiologia da Europa, sob autoridade rigorosa de Sir Almroth Wright. Para Florey, as cortinas estavam abertas. O fato de que germes “comuns” invasores podiam ser mortos no sangue por substâncias químicas foi definitivamente estabelecido em Wuppertal, um mês antes de Hitler dominar a Alemanha, pelo professor Gerhard Domagk (1895-1964) várias centenas de ratos.

I. G. Farbenindustrie, na Renânia, sempre fabricou belos corantes. Um obscuro químico vienense chamado Gelmo, em 1908, havia sintetizado a sulfonamida, que o chefe de Domagk, o químico professor Heinrich Hörlein (1882-1954) rapidamente transformou numa substância tenaz, de um vermelho muito vivo. Em 1919, dois americanos, sem muito entusiasmo, tentaram usá-la para matar bactérias em tubos de ensaio, pondo em prática ideia de um alemão que, em 1913, havia usado corante vermelho como desinfetante da pele.

Foi o professor Hörlein quem teve a inspiração de usar a sulfonamida como antisséptico no interior do corpo. Foi o sonho da moda. Em toda a Alemanha, os químicos estavam sintetizado compostos capazes de curar, com a tenacidade dos seus antepassados na identificação das bactérias, na década de 1880, mas sem resultado. Os químicos eram animados pela descoberta de Paul Ehrlich (1854-1915), de Frankfurt, em 1909, a famosa injeção 606 de arsênico (” a bala mágica “) para matar o espiroqueta da sífilis no sangue. Os químicos da L. G. Farben, em 1930, chave na transformada um corante amarelo vivo no medicamento mepacrina, para matar os parasitas da malária no sangue.

Hörlein encarregou seus químicos Mietzsch e Klarer de sintetizar inúmeros compostos diferentes contendo sulfonamida, que Domagk sistematicamente dava os ratos que ele havia infectado com 25 bactérias comuns. Estas incluiu bacilo da tuberculose, gonococos, pneumococos, meningococos e o estreptococo, o germe causador da amidalite, escarlatina, febre puerperal, erisipela, de infecções de ferimentos e o fatal envenenamento do sangue. Todos os ratos morreram. Domagk, era o arquétipo do homem com avental branco.

De acordo com a tradição da firma, I. G. Farben patenteou a sulfonamida no dia de Natal de 1932. Na véspera de Natal, Domagk notou que 12 ratos infectados com estreptococos de um homem que estava morrendo de septicemia estavam vivos e muito bem dispostos. Um composto chamado sulfanilamida tinha funcionado.

Domagk ganhou o prêmio Nobel em 1939, mas Hitler não queria que os alemães fossem contaminados com prêmios estrangeiros, e Domagk foi preso pela Gestapo. Hörlein foi aprisionado pelos americanos em 16 agosto 1945. I. G Farben fabricou também o gás zyklon-B, usado pela SS para matar seus prisioneiros. Ele foi julgado em Nuremberg em 1947, mas foi libertado. Enquanto isso, os britânicos haviam se apossado da patente quando a Guerra começou, e desenvolveram eficaz sulfanilamida antiestreptococica no composto sulfapiridine, eficaz contra pneumonia. A penicilina que fora cultivada por Florey em comadres do hospital foi fabricada pelos americanos em barris de cerveja, assim havia o bastante para os exércitos de Eisenhower e Montgomery, no Dia D. Os americanos, como a I. G. Farben, patentearam o processo e, daí em diante, ficaram com todo o dinheiro.

Ironia, teu nome e progresso.

Florey e Fleming dividiram o primeiro Nobel de 1945, mas mal conseguiram conversar. Então Fleming de repente pensou que era Robert Bruce. O pequenino, seco, astuto, inarticulado, incompreensível escocês viajou pelo mundo todo como salvador da humanidade, o descobridor da penicilina, e dominou completamente o coração dos clubes femininos norte – americanos. Florey se aposentou com magnífica solenidade acadêmica.

Quem foi o pai da penicilina? Florey e Fleming foram o esperma e o ovo? Quem se lembra ainda das palavras do grande médico eduardiano Sir Willian Osler: ” na ciência, o crédito vai para o homem que convence o mundo, não para o homem que teve a ideia em primeiro lugar”?

Quem se lembra ainda das ordenhadoras de Gloecestershire e dos meninos de Shropshire que, inteligentemente, evitavam que seus cortes fossem infectados fazendo um curativo com pão embolorado?

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