Na luta para sair da concordata, a prefeitura da cidade americana de Detroit, que já foi o símbolo do poder industrial americano, estuda acabar com o plano de saúde e reduzir as pensões de 23 mil servidores aposentados.
É o ponto mais polêmico da restruturação de uma dívida de cerca de US$ 20 bilhões. Mais difícil é reconverter a cidade que já abrigou 1,8 milhão de habitantes e que hoje tem 700 mil habitantes.
Detroit tem 370 km quadrados, o equivalente à ilha de Manhattan, San Francisco e Boston juntas. Um terço desse território está vazio –a cidade inteira de Paris caberia nos terrenos baldios tomados por mato alto de Detroit.
São 100 mil terrenos vazios, boa parte após a demolição das antigas estruturas.
No ano passado, a prefeitura leiloou 12 mil terrenos, com valor mínimo de US$ 500 (R$ 1.150) cada. Mais da metade não teve interessados.
Esses 100 mil terrenos não incluem igrejas, teatros, cinemas e fábricas abandonados, como a gigantesca sede da Studebacker-Packard que fazia carros de luxo. Inaugurada em 1911, está fechada desde 1958. Tem 325 mil m², quase 15 vezes o tamanho da paulistana Estação da Luz.
BUEIROS
Quadrilhas têm furtado bueiros e quase todo o metal que se encontra nas ruas e até dentro das casas abandonadas. Moradores colocam sacos de lixo azuis em cima dos buracos, para que passantes desprevenidos não caiam.
“Gatunos somem até com os tubos do encanamento, invadem as propriedades e levam tudo”, descreve Erin Kelly, gerente da chamada Iniciativa da Economia Verde, organização que estuda o que fazer com tanto espaço vazio.
“Surgem hortas comunitárias o tempo todo, vizinhos plantam tomates, verduras nos terrenos baldios. É o lado bom de ter espaço e quase nenhuma fiscalização”.
Houve cerca de 100 mil despejos com a crise hipotecária de 2008. Só na última década, 250 mil pessoas deixaram a cidade. A arrecadação de impostos municipais, de US$ 1 bi em 2012, tem caído 10% ao ano desde 2008.
Das 349 mil casas de Detroit, 80 mil se encontram abandonadas –33 mil em risco de desabamento.
Várias delas acabam se tornando ponto de tráfico e consumo de drogas, e até cadáveres são jogados ali (o índice de homicídios na cidade é cinco vezes o de São Paulo).
Dos 350 parques e praças da cidade, apenas 107 estão abertos, mas 51 devem ser fechados nos próximos meses; 40% da iluminação pública está desativada.
O Corpo de Bombeiros tem fechado alguns quartéis e vendido propriedades para se autofinanciar.
REESTRUTURAÇÃO
Metade da dívida de cerca de US$ 20 bilhões é de obrigações com os aposentados, cujas pensões o interventor estadual que anunciou a concordata da prefeitura quer reduzir. Atualmente, a prefeitura possui 9.000 funcionários, que teriam também benefícios cortados.
Policiais e bombeiros aposentados recebem US$ 2,5 mil por mês (R$ 5.750), mas a média dos aposentados municipais é o equivalente a R$ 3.650 (pouco acima do limite de pobreza calculado nos EUA). O fim da cobertura de saúde é dada como certo.
A lista de sacrifícios é acompanhada de perto por dezenas de municípios endividados americanas que querem ver como a maior cidade do Estado de Michigan vai sair da falência.
No ano passado, o prefeito Dave Bing ofereceu a possibilidade de que vizinhos de casas abandonadas ou terrenos baldios pudessem adquirir a propriedade contígua por simbólicos US$ 200 (R$ 460), que podem ser trocados por compras de materiais de construção.
É uma maneira de se desfazer das 55 mil casas que passaram às mãos da prefeitura por abandono ou pela falta de pagamento de impostos durante anos.
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