Em 1950, Copa trouxe euforia a SP e o Pacaembu era o estádio da vez.
Um clima de euforia com a Copa entre a população e na imprensa. Nada de greves dos motoristas de ônibus, policiais ou garis, muito menos protestos na rua. Raríssimas críticas ao uso de verba pública (100%) na construção dos estádios. E um “padrão Fifa” de exigências que não ia muito além das condições de gramado, dimensões do campo, alambrado, área para imprensa e um túnel de saída para o vestiário.
Essa Copa já existiu e aconteceu neste país, há 64 anos. Custou cerca de 59 vezes menos do que a edição atual. “É possível traçar um paralelo: se no século 20 o evento tinha proporções bem menores, alguns erros se repetem décadas depois”, afirma o jornalista Diego Salgado.
Essa Copa já existiu e aconteceu neste país, há 64 anos. Custou cerca de 59 vezes menos do que a edição atual. “É possível traçar um paralelo: se no século 20 o evento tinha proporções bem menores, alguns erros se repetem décadas depois”, afirma o jornalista Diego Salgado.
Junto com Beatriz Farrugia, Gustavo Zucchi e Murilo Ximenes, ele escreveu “1950 – O Preço de uma Copa” (editora Letras do Brasil), que radiografa como o Brasil se preparou para a quarta edição do evento.
O ponto de contato entre as duas Copas está no improviso e no atraso na entrega das obras. Um exemplo: Porto Alegre e Recife foram escolhidas como cidades-sede a poucas semanas do evento. Outro: na festa de abertura de 1950, no Maracanã, os andaimes ainda estavam nas arquibancadas.
Embora a escolha do Brasil tenha sido homologada em 1946, a construção do estádio só se iniciaria dois anos e meio depois.
Havia disputa política em torno do novo estádio no Rio. Carlos Lacerda, então jovem vereador da UDN, o queria em Jacarepaguá. O prefeito da época, Mendes de Moraes, defendia o Maracanã. Qualquer semelhança com a novela do Itaquerão não pode ser mera coincidência.
OBA-OBA
Contudo, a construção do Maracanã e a realização da Copa eram acima de tudo motivo de orgulho e ponto de honra entre os brasileiros. Diferentemente das duas décadas anteriores, marcadas pela quebra da bolsa em 1929 e a eclosão da Segunda Guerra, o clima era de esperança.
“Havia uma vontade de afirmação do Brasil, em um contexto de industrialização e crescimento econômico do governo Vargas (1930-45)”, diz Daniel de Araujo dos Santos, professor do curso Clio Internacional de pós-graduação e especialista em futebol e relações internacionais.
“O povo brasileiro queria mostrar seu valor, e isso era evidente entre ricos e pobres. Os operários queriam mostrar que tinham construído o maior estádio do mundo, que era o Maracanã na época”, acrescenta.
Em suma, o povo se sentia parte da festa. Até porque, com um salário mínimo de então, dava para comprar 20 ingressos para os jogos da Copa.
O futebol, que naquele tempo era chamado de “football” (e os craques eram chamados de “cracks”), vinha de uma trajetória de ascensão. Ainda dividia com o turfe as páginas dos jornais, mas com sua profissionalização, em 1933, proliferavam as praças esportivas no país.
Por isso a imprensa fazia campanha maciça pela construção de novos estádios. Os que havia estavam ficando pequenos demais para um público cada vez maior.
É bom lembrar que a Copa de 1950 teve seis cidades-sede e 13 seleções. Agora, são 32 seleções e 12 sedes. Quanto às obras de infraestrutura, elas simplesmente não existiram. Ou melhor, alargaram uma avenida e inverteram as mãos de algumas ruas no entorno do Maracanã.
Em 1942 e 1946, não houve Copa. Com a Europa devastada pela Segunda Guerra, nenhum país do continente demonstrava interesse ou condições financeiras para sediar o campeonato. Os olhos da Fifa então se voltaram para a América do Sul.
Em uma disputa política envolvendo a CBD (antiga CBF), a AFA (federação argentina) e a Fifa, o Brasil foi escolhido. A Argentina boicotou o evento. Se não o fizesse, a história do Mundial talvez tivesse sido outra. Junto com o Uruguai, o escrete argentino dividia a hegemonia no continente.
Em uma análise mais detalhada sobre a cobertura dos jornais da época, encontram-se alguns poucos artigos sobre os problemas da organização no decorrer do evento. Escassez de hotéis e restaurantes no Rio. Filas gigantescas para os ingressos dos jogos do Brasil. Superlotação do Maracanã, fazendo com que todos assistissem a um jogo em pé.
Em texto intitulado “A Tomada de Bastilha”, um cronista de “O Globo” relata a invasão dos torcedores no jogo entre Brasil e Espanha: “As cenas que antecederam o início do ‘match’ foram realmente históricas. Pagando ou não pagando, o povo entrou, e estava sendo comprimido de encontro às grades de ferro, que, agora sabemos, não podem oferecer grande resistência. Nada foi respeitado. Havia gente pelos corredores, entre as cadeiras, em cima das cadeiras, em cima dos braços das cadeiras, enfim, não foi deixado um espaço vital sem ocupante”.
Impossível escrever sobre 1950 sem passar pelo “Maracanaço”. Cerca de 10% da população carioca estava no estádio. Imperava a cantoria de músicas e marchinhas de carnaval improvisadas no contexto do futebol. Até que veio o silêncio.
Conta José Sergio Leite Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em “Brasil em Jogo” (editora Boitempo), que acaba de ser lançado: “Quem demonstrou fair play e civilidade foi a plateia, que permaneceu no estádio até a premiação da equipe vencedora, apesar da tristeza”.
Mas não foi só civilidade. Na saída, uma turba furiosa destruiu o busto do prefeito da cidade, que ficava na entrada do estádio, em uma ação “entendida como uma usurpação político de um sentimento esportivo maior”, de acordo com Leite Lopes.
Na semana que antecedeu a final, a seleção treinou no campo de São Januário e recebeu visitas de políticos ilustres, entre os quais o presidente Dutra. O clima de “já ganhou” era predominante.
Naquele ano, como neste, havia eleições presidenciais em outubro. Dutra não conseguiu emplacar seu candidato, Cristiano Machado, e Getúlio Vargas, que encarnava o espírito trabalhista, venceu. Flávio Costa, técnico da seleção, concorria a deputado. Também não venceu.
Para Araujo dos Santos, é difícil estabelecer uma relação direta entre o resultado do Mundial e das eleições. “Vargas era um líder popular e carismático, e sempre esteve associado ao nacionalismo. Sua chance de ganhar a eleição era muito grande, mesmo se o Brasil vencesse.”
PACAEMBU
Glória do futebol paulista, joia da arquitetura art déco, o estádio foi inaugurado em 1940. Três meses depois, a prefeitura anunciou que seriam entregues cinco novos viadutos para suprir o aumento de circulação em torno do campo: Pacaembu, Itororó, Jacareí, Luiz Antonio e Nove de Julho.
Segundo Diego Salgado, logo após a Fifa anunciar o Brasil como sede, os jogos no Pacaembu já eram dados como certos. E como o estádio era novo, não foram necessárias grandes reparações.
Mas, a 23 dias do Mundial, delegados da Fifa indicaram que o estádio não se encontrava em condições totalmente satisfatórias. Exigiram aumento da extensão do gramado e ampliação das cabines para a imprensa. A qualidade do gramado também foi colocada em xeque, o que acabou gerando questionamento dos jornais na época: por que os preparativos não haviam sido antecipados?
O estádio recebeu seis jogos. Um deles do Brasil, contra a Suíça. Terminou em 2 a 2. O público foi de 42 mil pessoas —a plateia costumava comparecer de camisa e calça, algumas vezes até de paletó.
A rixa entre paulistas e cariocas era grande à época. E a base da seleção era o time do Vasco da Gama. Em uma jogada marqueteira, o técnico Flávio Costa decidiu colocar em campo vários dos reservas paulistas. Segundo Araujo dos Santos, apesar disso a recepção à seleção foi menos calorosa, e assim a cidade ganhou a fama de “pé frio” entre os cariocas.
O Pacaembu também recebeu o jogo entre Uruguai e Suécia, que classificaria a seleção celeste para a grande final. Até os 32 minutos do segundo tempo, o Uruguai perdia por 2 a 1. O jogo terminou com vitória dos celestes por 3 a 2, e um terrível prenúncio do que aconteceria no jogo final.
[Voltar]