Marca criada em 1917, a alemã DKW (lê-se dê-ká-vê) se tornou conhecida como fabricante de motocicletas e automóveis; em 1932 serviu de base para a formação da Auto Union, grupo ao qual também se associaram Audi, Horch e Wanderer. Após a II Guerra Mundial, destruídas suas instalações industriais, a Auto Union retomou apenas a produção do DKW, seu produto mais acessível e popular, abandonando as outras três marcas, dedicadas a automóveis mais luxuosos, de alto desempenho e custo elevado. Em 1958 o controle da empresa foi adquirido pela Daimler-Benz, que em 1965 repassou-o à Volkswagen; esta logo descontinuou a produção do DKW e, em seu lugar, ressuscitou com extremo sucesso a marca Audi.
Produzido no Brasil pela Vemag sob licença da Auto Union, o DKW é oficialmente o primeiro automóvel de passageiros de fabricação nacional. Empresa de capital 100% brasileiro com vasta experiência na montagem de veículos (Studebaker, desde 1947, Scania-Vabis e Massey Ferguson, desde 1953), a Vemag foi das primeiras a submeter ao Geia um plano de nacionalização: eram três tipos de veículos – um jipe, uma “camioneta rural” e um “carro de passeio” de quatro portas, segundo a terminologia da época. Também foi a Vemag a agraciada com a Resolução nº 1 do Geia: datada de 20 de agosto de 1956, aprovava integralmente o projeto de nacionalização da “camioneta rural” e autorizava sua fabricação.
19 de novembro de 1956: é oficialmente lançado o primeiro automóvel nacional
No dia 19 de novembro, em prazo recorde de três meses e com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek, a empresa lançou o primeiro automóvel brasileiro – a caminhonete DKW-Vemag Universal. (A primazia pelo primeiro carro nacional cabe, de fato, à Romi, que em 5 de setembro lançou o minicarro Romi-Isetta; as características do veículo, entretanto, restringindo-o à utilização em situações muito particulares, impediram seu enquadramento nas normas do Geia.) Equivalente nacional do modelo F-91 alemão, o DKW Universal era uma caminhonete de duas portas e cinco lugares; o banco traseiro era escamoteável, proporcionando piso totalmente plano com capacidade para transportar até 440 kg de carga. O compartimento traseiro era franqueado por duas portas verticais com abertura para os lados. O carrinho tinha tração dianteira e motor de três cilindros e dois tempos (900 cm3 e 38 cv) – configuração que jamais seria repetida na indústria brasileira.
Com motor, transmissão e parte dos estampados da carroceria ainda importados, foram montadas 68 unidades do modelo naquele primeiro ano de fabricação. Embora o índice de nacionalização exigido pelo Geia fosse de 40% (em peso) para 1956, o primeiro DKW já foi lançado com 42% de agregação nacional, correspondentes a materiais e componentes fabricados pela própria Vemag ou pela indústria brasileira de autopeças.
Para 1957, a par do aumento do índice de nacionalização, a Vemag apresentou diversas atualizações técnicas e de estilo em seu pequeno carro, a começar pelo aumento da potência para 40 cv. As portas traseiras foram alteradas (ainda em duas folhas, passaram a abrir horizontalmente) e as janelas traseiras, antes fixas, foram substituídas por vidros deslizantes. O carro ainda ganhou frisos cromados na tampa traseira e nas laterais, além de pintura em duas cores.
Chegam o sedã e o jipe Candango
Três importantes lançamentos tiveram lugar em 1958. No início do ano foi apresentada a nova camionete, derivada do modelo F-94 alemão, com a mesma mecânica, porém 12 cm mais larga e com estilo totalmente novo; também o chassi foi alterado, recebendo um reforço em X em lugar das travessas tradicionais. Em março foi a vez do jipe (chamado Munga, na Alemanha), com tração permanente nas quatro rodas e reduzida. Finalmente, em 16 de abril, o sedã de quatro portas, 20 cm mais longo do que a caminhonete e primeiro “carro de passeio” (como então se dizia) fabricado no país; dois meses depois o sedã foi apresentado também na versão táxi. Todos os modelos foram equipados com roda livre e alavanca de mudanças no volante; caminhonete e sedã vinham com tranca de direção. Para eles a Vemag estampou os primeiros para-lamas de superfície complexa da América do Sul. A caminhonete DKW-Vemag foi exibida, em 1958, no pavilhão brasileiro da Exposição Internacional de Bruxelas.
Além do fato de estarem entre os primeiros veículos construídos no país, os carros DKW são historicamente importantes pelos avanços técnicos e conceituais que trouxeram para o cenário brasileiro, ainda dominado, com honrosas exceções, por grandes automóveis norte-americanos e antiquados carrinhos europeus com motor dianteiro e tração traseira. Como vimos, a tração dianteira e o motor de dois tempos eram os maiores diferenciais do DKW com relação aos demais. Quanto à tração dianteira, hoje de uso quase universal, a Vemag foi pioneira e por muitos anos a única a utilizá-la no Brasil: ainda demoraria mais de uma década até que aqui surgisse outro representante da categoria, o Ford Corcel, em 1968. Quanto ao motor 2T, nenhum automóvel de série voltaria aqui a ser com ele equipado. Leve e de construção simples, com pouquíssimas peças móveis, ao contrário dos complexos motores de quatro tempos, são até hoje comuns em motonetas e motocicletas. Barulhentos e poluentes, no entanto, com suas idiossincrasias na hora da regulagem, terminaram por cair em desuso na indústria automobilística mundial.
Especialmente notável, entre os três DKW nacionais, era o projeto do jipe, se destacando, sobretudo, quando comparado ao seu único concorrente nacional, o Jeep Willys. Enquanto este tinha uma frágil carroceria de duas portas montada sobre pesado chassi tipo escada e eixos rígidos, o DKW, pesando 120 kg a menos, possuía suspensão independente, quatro portas, superfície inferior blindada e maiores ângulos de ataque e de saída; a reduzida podia ser acionada com o carro em movimento. Fornecido na cor verde clara, que se tornou característica, o jipe DKW tinha 2,0 m de distância entre-eixos, vencia rampas de até 50% e vaus com até meio metro de profundidade e tinha capacidade para rebocar carretas de até 610 kg (sem sistema de freios, ou 750 kg, com freios).
A Vemag encerrou 1959 com a produção de 6.265 veículos, à razão de 750 unidades/mês (35% jipes e 35% caminhonetes). O índice de nacionalização era o mais elevado de toda a indústria: 95,6%, em peso, contra a meta de 75% exigida pelo Geia para aquele ano. Para atingir tais níveis de agregação, a empresa realizou importantes investimentos em máquinas e equipamentos, acabando por formar uma das maiores e mais completas ferramentarias e estamparias do país, começando por fabricar e fornecer matrizes para a picape e a station Amazona, da Chevrolet, e mais tarde para a Ford, Mercedes-Benz, Willys, Volkswagen e Simca.
Para 1960 a Vemag aumentou a cilindrada dos seus motores para 981 cm3, assim atingindo 44 cv de potência; os carros da nova série passaram a ser anunciados como DKW-Vemag 1000. Com o novo motor, sedã e camionete também ganharam pintura bicolor. O jipe recebeu nova grade, com três barras horizontais, em lugar das duas da época do lançamento, e uma versão com tração apenas nas rodas dianteiras, com reduzida – modelo que se tornou o mais barato carro brasileiro, superado apenas pelo Romi-Isetta. Naquele mesmo ano o jipe DKW foi batizado Candango, em resposta a questionamentos jurídicos da Willys, que registrara como sua propriedade os termos Jeep e jipe.
Os automóveis da Vemag ganham um nome
Em outubro foram lançados os modelos 1961 do sedã e caminhonete, com novos para-choques, estofamento redesenhado, novas calotas e sincronização da primeira marcha. Foram eliminados os frisos cromados verticais que decoravam as tampas traseiras dos dois carros. Estas novidades foram apresentadas no I Salão do Automóvel, inaugurado no Ibirapuera, em São Paulo, em novembro de 1960, conjuntamente com uma caminhonete com teto solar de lona e um protótipo Candango, chamado Arpoador, que não chegou a ser comercializado. Era intenção da Vemag, no caso, projetar um lúdico veículo “praiano”, o que resultou num simpático Candango pintado de branco, com teto rígido sem janelas e estofamento, portas e capa do estepe revestidos com tecido plastificado em padrão escocês.
Poucos meses após o Salão, o sedã foi reapresentado com uma importante modificação nas portas traseiras, que passavam a incorporar parte do para-lamas, a um só tempo aumentando o vão de entrada, alargando o assento e permitindo maior abertura das janelas traseiras (Ari Antônio da Rocha, criados do Aruanda e então estagiário na Vemag, participou deste projeto). A empresa aproveitou a oportunidade para, finalmente, batizar seus dois automóveis, a partir de então chamados Belcar (o sedã) e Vemaguet (a caminhonete). O Belcar foi o automóvel que, em agosto de 1961, inaugurou os testes da revista 4 Rodas, que acabava de completar seu primeiro ano de vida. As conclusões das avaliações e medições, estampadas em 14 páginas de texto, fotos e gráficos, foram as seguintes: “é um carro sedan de quatro portas, bem espaçoso internamente, causando certa surpresa aos que têm uma impressão contrária, pelas suas dimensões externas. É um automóvel com invejável aceleração inicial, muito ‘esperto’ e econômico, se bem que capaz de desenvolver alta velocidade. De construção simples em sua mecânica, apresenta-se ainda bem acabado (especialmente no que se refere à pintura)“.
A Vemag apresentou diversas novidades no II Salão, em novembro de 1961, três delas tendo a Vemaguet por base: Caiçara, modelo standard, de acabamento simplificado e sem cromados, com grade, calotas e para-choques pintados, vidros fixos e porta traseira inteiriça; furgão, na cor cinza-claro, com compartimento de carga isolado do motorista, janelas traseiras fechadas em chapa, porta traseira inteiriça e as mesmas características de acabamento do standard; e Pic-Nic, equipada para campismo, com toldo, bagageiro e suporte para barco. Também foram mostrados um Candango 4×4 em versão militar e o sedã com motor “preparado”, três carburadores e 105 cv (138% a mais do que os 44 cv originais), que venceu as Mil Milhas de Interlagos daquele ano.
As competições automobilísticas, aliás, foram uma área na qual a Vemag muito se destacou. Desde 1958 apoiando a participação de pilotos independentes, em 1961 a empresa criou um Setor Esportivo, no que mais uma vez foi pioneira entre os fabricantes nacionais. Comandada por Jorge Lettry e trabalhando em estreita colaboração com os departamentos técnicos da fábrica, a equipe de competições da Vemag, com pilotos do quilate de Bird Clemente, Mário César de Camargo Filho (Marinho) e Norman Casari, conquistaria inúmeras vitórias durante o início da década de 60, com freqüência sobre equipamentos muito mais potentes.
O belo DKW Fissore
A única novidade surgida ao longo de 1962 se referiu à Vemaguet, que recebeu melhorias no acionamento das portas do compartimento de bagagem e teve as lanternas traseiras mudadas de sentido (permaneceram as mesmas, porém passaram a ser montadas na horizontal). Tal parcimônia tinha razão de ser: a Vemag concentrava seus esforços na preparação daquela que seria a grande surpresa do III Salão do Automóvel, no final do ano: o DKW Fissore, um dos mais belos carros já fabricados no país. Utilizando a mesma mecânica e chassi do Belcar e Vemaguet, era um elegante sedã de duas portas, com quatro faróis, colunas esbeltas e enorme área envidraçada, projetado pelos estúdios da Carrozzerie Fissore (o exemplar exibido no Salão era o protótipo preparado na Itália; o carro só viria a ser lançado em junho de 1964).
1963 foi um ano de indecisões e dificuldades para a Vemag: mudanças nos postos de direção da empresa, suspensão da fabricação do Candango (6.171 unidades foram construídas), negociações com a Fiat e Citroën para a produção de um de seus carros no Brasil (1500 ou D19, respectivamente), suspensão das discussões e redirecionamento para a Mercedes-Benz alemã (já então controlando a Auto Union) com vistas à nacionalização do DKW F-102. Tantas indefinições retardaram o lançamento do Fissore, porém não impediram a introdução de duas importantes melhorias para a linha 1964: a mudança do sentido da abertura das portas dianteiras do Belcar e Vemaguet (que, sempre tão criticadas, abriam da frente para trás) e a adoção do sistema Lubrimat para lubrificação do motor (até então o óleo lubrificante tinha que ser adicionado à gasolina sempre que o carro fosse abastecido; com o novo sistema, o óleo era vertido num pequeno reservatório e automaticamente injetado no carburador pelo novo aparelho). Além destas duas novidades, a face superior do painel foi estofada e as portas ganharam diversas melhorias: novas maçanetas de botão, dobradiças embutidas e revestimentos internos e vedação melhorados. O Belcar Luxo, por sua vez, recebeu bancos reclináveis, faróis de neblina e de ré e rádio “transistorizado” – a “última palavra” em eletrônica, na época. A linha Vemag 64 levou o nome Série 1001; seus carros então já alcançavam o elevadíssimo índice de nacionalização de 99,82%, com apenas 600 gramas de material importado por veículo.
Os modelos 1965 foram lançados no IV Salão do Automóvel, em novembro de 1964 (a partir de 1962 a mostra passou a ser bienal): a Vemag chamou-os Belcar e Vemaguet Rio, em homenagem ao quarto centenário da fundação da cidade do Rio de Janeiro. Os carros receberam diversos pequenos ajustes técnicos e estéticos. Dentre os últimos, novos para-choques, grelha da grade com novo padrão, luzes de direção na cor âmbar e retoques no estofamento e revestimento interno. Do ponto de vista mecânico, novo filtro de ar, molas com lâminas de polietileno entre as folhas, rodas com maior número de furos e intervenções na embreagem, freios e silencioso. O Fissore (que foi lançado com 54 cv) não sofreu alterações. A Vemag aproveitou o Salão para dar destaque, em seu stand, ao belo GT Malzoni, em seu feitio definitivo: utilizando mecânica DKW, o carrinho saía de uma campanha esportiva vitoriosa e logo daria origem à Puma.
Também foi com Rino Malzoni, criador do GT, que a Vemag desenvolveu seu projeto mais ousado, uma das glórias da indústria automotiva brasileira e responsável por um feito esportivo até hoje inigualado no país: o Carcará, especialmente concebido para a quebra do recorde brasileiro de velocidade. Desenhado por Anísio Campos, com a supervisão técnica de Jorge Lettry e o apoio de Malzoni, o carro começou a ser construído em fevereiro de 1965 na fazenda deste, em Matão (SP), ainda com o nome Arpoador – outra referência ao IV centenário da cidade do Rio de Janeiro. Sua carroceria, moldada em chapa de alumínio e testada no túnel de vento do CTA, foi montada sobre a estrutura tubular do Fórmula Jr anos antes criado por Toni Bianco. Como este, o Carcará tinha suspensão independente com braços triangulares e molas helicoidais nas quatro rodas e freios a disco na frente; com três carburadores, cilindrada aumentada para 1.089 cm3 e 104 cv, o motor foi montado em posição central, adiante do eixo traseiro; o posto de pilotagem era coberto por uma cúpula basculante de acrílico, tal como nos caças militares contemporâneos.
Carcará e o recorde sul-americano de velocidade
O carro teve que esperar mais de um ano para ser submetido à prova. Finalmente, às 8h34 da manhã do dia 29 de junho de 1966, numa reta asfaltada na praia da Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, tendo ao volante o piloto Norman Casari, o Carcará alcançou mais de 214 km/h de velocidade máxima, na primeira tentativa de quebra do recorde; com a segunda passagem, o carro atingiu a média oficial de 212,903 km/h, tornando-o recordista sul-americano de velocidade em linha reta na sua classe. (O Carcará foi doado pela Vemag a Casari, que utilizou o chassi para a construção de um biposto; com o tempo, a carroceria de alumínio e os elementos mecânicos se perderam. Por encomenda do Museu do Automobilismo Brasileiro de Passo Fundo, RS, uma cópia fiel do Carcará foi construída, em 2005, por Toni Bianco.)
Voltamos a 1965. Naquele ano, atendendo à demanda feita pelo Governo Militar, que cobrava da indústria a produção de “carros populares”, a Vemag lançou o DKW Pracinha, reedição ainda mais simplificada do antigo Caiçara. O programa do governo, que envolvia redução do imposto de consumo e financiamento da Caixa Econômica Federal, visava minorar a crise de mercado pela qual passava a indústria automobilística brasileira, foi também atendido pelos demais fabricantes de automóveis – Simca, VW e Willys. Além da ausência de cromados e das janelas laterais fixas, o Pracinha não trazia tampa no porta-luvas, nem cinzeiro, luzes internas, tapetes ou isolamento termo-acústico. O carro não tinha esguicho para limpa-brisa e os pisca-piscas só atuavam na traseira (!). Quanto à mecânica, não dispunha do misturador Lubrimat nem de roda-livre; o filtro de ar era de modelo antigo, anterior à Vemaguet Rio. Os carros espartanos pouco tempo duraram no mercado; do Pracinha, 6.750 unidades teriam sido fornecidas.
A linha 1966 trouxe mais algumas alterações: os para-choques do Belcar e Vemaguet foram outra vez modificados, tornando-se mais largos nas extremidades, e os sinalizadores dianteiros mudaram de formato; no Belcar, o corpo plástico das lanternas traseiras passou a ser metalizado. As lanternas dianteiras do Fissore mudaram de formato e foram deslocadas para a curva externa dos para-lamas; a tampa do porta-malas, que descia quase até a altura do para-choque, numa decisão aparentemente ilógica foi reduzida, agora abrindo apenas até a linha da cintura. O carro também ganhou assento dianteiro inteiriço e três importantes opcionais: climatizador com saídas reguláveis, cintos de segurança, rodas cromadas e os primeiros freios a disco do país. Todos os modelos receberam novo estofamento, em gomos, volante de direção em forma de taça e retorno automático da alavanca das setas.
Foi no início de agosto de 1966 que surgiu, para a Vemag, o primeiro efeito concreto da compra da Auto Union pela Volkswagen, concretizada no ano anterior: naquele mês Vemag e VW assinavam um acordo de cooperação envolvendo a fabricação, no país, não mais do DKW F-102 ou do novíssimo Audi, mas de “um veículo especialmente projetado para o Brasil e inédito no mundo“. Ainda que parecesse uma notícia alvissareira, a Vemag aparentemente prenunciou nuvens escuras no horizonte: talvez por isso tenha considerado oportuno simultaneamente anunciar, em comunicado oficial, que, ao mesmo tempo em que passaria a oferecer “uma nova linha de produtos em 1968“, “a Vemag S.A. não deixará de produzir, em nenhuma hipótese, o DKW, com motor de 2 tempos“.
Sob administração da Volkswagen
Em setembro foi fabricado o 100.000º DKW nacional: na oportunidade, reafirmando sua intenção de permanecer como fabricante independente (“Pioneira. Brasileira. Ainda e sempre“), a Vemag anunciou novos investimentos para duplicar a produção até o início da década seguinte. Incentivada pelo governo federal, porém, em novembro anunciaria a transferência de 20% de sua ações para a VW alemã; assim, considerando-se a antiga participação Auto Union, também de 20%, a VW passava a controlar 40% do capital da Vemag.
Naquele mesmo mês, no V Salão do Automóvel, foi lançada a linha 1967 – a que trouxe as mais profundas alterações estéticas na história da marca e que marcaria, a um só tempo, o fim do DKW brasileiro e o término da carreira da Vemag como fabricante de veículos. Sob o lema “cara nova em corpo forte“, Belcar e Vemaguet mostraram dianteira totalmente nova, com faróis duplos e larga grade de elementos horizontais tomando toda a frente dos carros; para-choques e lanternas traseiras também eram novos, assim como as lanternas dianteiras, escondidas sob a grade, e os sinalizadores montados nos para-lamas. Seguindo a tendência da época, o sistema elétrico passou a ser de 12 V e o dínamo foi substituído por alternador – novidades também estendidas ao Fissore. Este, por sua vez, pouco mudou: além de lanternas traseiras maiores, apenas a grade dianteira foi alargada; sobre ela foram diretamente montados os faróis duplos, todo o conjunto sendo envolvido por uma nova moldura cromada. Internamente, todos os modelos receberam novo estofamento. Poucos meses depois foi lançado o Belcar S, sem alterações estéticas, porém com o motor mais potente do Fissore, de 55 cv.
A VW acabou por assumir a maioria do capital votante da Vemag e, ao longo do primeiro semestre de 1967 lançou ampla campanha publicitária voltada para o fortalecimento da imagem da Vemag como fabricante: “se duas firmas trabalham em conjunto, não é para uma ficar mais fraca. Mas as duas ainda mais fortes“, era o que dizia um dos anúncios; outro prometia “um futuro promissor” para o DKW. Era de se acreditar nas mensagens, pois a licença de fabricação concedida pela Auto Union ainda tinha seis anos de validade. O movimento na fábrica fazia crer que algo de novo estava por acontecer: um carro de quatro portas e motor traseiro que estava sendo preparado nos galpões do Ipiranga e saía para testes sigilosos seria o primeiro fruto da união com a VW – um antigo protótipo alemão com duas portas, de 1960, ao qual o Departamento de Estilo da Vemag teria introduzido mais duas portas.
A realidade se revelou outra, porém: a VW veio reduzindo mensalmente a produção do DKW, até alcançar nível irrisório em outubro; em três meses foi demitida quase a metade da força de trabalho; direitos conquistados pelos operários foram cortados e as relações hierárquicas endureceram (segundo voz corrente entre os trabalhadores, “a Vemag era uma mãe e a Volkswagen uma madrasta“). As instalações da Vemag passaram a ser ocupadas pela seção de peças e pela Engenharia Experimental da VW, exatamente aquela que desenvolvia o protótipo sigiloso. E este, em lugar de se constituir no “novo DKW”, seria o grande lançamento da Volkswagen no Salão do ano seguinte – o 1600 quatro portas.
Durante 11 anos de operação, da linha de montagem do DKW saíram cerca de 110.000 veículos, quase 2.500 do modelo Fissore. Com o encerramento da produção, foi descontinuado o projeto da caminhonete Fissore de quatro portas, cujo protótipo estava sendo desenvolvida na Itália. A linha de usinagem de motores foi enviada para a Automotriz Santa Fe, fabricante argentino do DKW, que passaria a fornecer ao Brasil as peças de reposição necessárias; a ferramentaria foi utilizada para preparar os moldes de estampagem do novo VW 1600. Em 1976 a VW desfez-se da Vemag (que continuava com personalidade jurídica própria), vendendo seu controle para a Montreal Engenharia, que alterou a razão social da empresa para Montreal Empreendimentos, Comércio e Indústria S.A.. Em 2006, exatamente 50 anos depois de saírem de seus portões os primeiros automóveis fabricados no Brasil, as antigas instalações fabris da Vemag foram demolidas para dar lugar ao anexo de um shopping center.
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