Autoridades lutam para salvar “bebês de incesto” no Quênia

 

O bebê "X", no orfanato de Bungoma, no Quênia

O bebê “X”, no orfanato de Bungoma, no Quênia

Embrulhado num cobertor e refestelado no colo de uma assistente social em um orfanato de Bungoma, no Quênia, o “bebê X” dorme tranquilamente.

Como o nome sugere, este não é um bebê comum. Com apenas um mês de vida, “X” é o fruto de uma relação incestuosa.

Assim como muitos outros bebês no Orfanato Kanduyi, 400 km ao oeste da capital queniana, Nairobi, “X” teve que ser resgatado antes de ser morto por sua própria família.

Dois dias após seu nascimento, a polícia, depois de receber uma denúncia anônima, invadiu a casa e retirou o bebê, salvando-o de uma sentença de morte preferida por líderes locais da comunidade Bukusu de Bungoma.

Há outros como ele no Kanduyi – e não apenas bebês, mas até jovens de 18 anos.

Bebês tabu

Assim como em boa parte do mundo, o incesto no Quênia não apenas é um tabu como ilegal. A pena prevista para práticas incestuosas é de cinco anos de prisão – caso envolva sexo com menor de idade, pode levar a prisão perpétua.

Mas por séculos a punição tradicional em muitas comunidades quenianas tem sido a morte. Não a dos pais, mas a dos bebês nascidos de uniões proibidas.

A tribo Busuku, por exemplo, chama essas crianças de “be luswa”, ou “bebês-tabu”. Eles são considerados amaldiçoados e as comunidades temem que possam trazer “pragas” para as famílias, incluindo impotência sexual.

“Sempre que recebemos informações de que nasceu um bebê-tabu, temos que correr para salvá-los antes de chegarmos aos locais e sermos informados de que o bebê morreu”, explica Alice Kimotho, a assistente social que chefia o Orfanato Kanduyi.

“A maioria dessas mortes é muito suspeita”.

Titus Kolil, auxiliar-administrativo no orfanato explica que, apesar de proibido por lei, o incesto ocorre com frequência na região de Bungoma, como “prática cultural”. Segundo Kolil, Kanduyi lida com três a quatro casos de bebês-tabu por mês.

Mas as autoridades também suspeitam que muitos casos simplesmente não são relatados.

“Nosso comportamento sexual tem sido irresponsável”, admite Stephen Kokonya, secretário de Cultura de Bungoma.

“E algumas dessas relações sexuais são muito próximas, incluindo pais fazendo sexo com suas filhas”.

Meninas adolescentes em áreas rurais são particularmente mais vulneráveis.

Força

Kokonya diz estar tentando dialogar com as lideranças comunitárias para tentar combater a prática.

“Precisamos fazer campanha contra valores retrógrados”.

Registros no orfanato mostram que a mãe de “X” é uma adolescente de 15 anos que ficou grávida de um tio de 17 anos.

Desde o nascimento do bebê, ela foi levada para morar com parentes e está de volta à escola, repetindo o ano que ela perdeu durante a gravidez.

Tive a oportunidade de visitá-la. Na presença de uma tia, a adolescente conta o que aconteceu.

“Ele (o tio) me assediava e ameaçava me bater se eu contasse para alguém”.

A jovem diz não ter amor nem pelo tio nem pelo bebê.

“Tive o bebê com meu tio e não posso amá-lo”.

Perguntada o que pretende fazer quando terminar os estudos, ela diz sonhar com a faculdade de Medicina.

Chorando, ela pede ajuda à tia para terminar os estudos.

O tio, que não mudou de casa, recusou-se a falar com a BBC.

Direito à vida

Num shopping center de Bungoma, tenho um encontro com líderes tribais dos Bukusu. Um deles se recusa a comentar especificamente sobre “X”, mas explica como alguns bebês são mortos praticamente ainda no ventre materno.

“Quando a mãe está prestes a dar à luz, mulheres que supostamente deveriam ajudar no parto sufocam o bebê ao impedir que a mãe abra as pernas”, diz ele.

“As pessoas acreditam que o bebê precisa morrer para que a menina viva em paz na comunidade”.

As mulheres que optam por ficar com os bebês são forçadas a deixar a comunidade.

Outro líder diz que a prática de matar os bebês pode até parar se os praticantes de incesto fossem punidos de maneira exemplar.

“O governo permite que estupradores e participantes de incesto fiquem em liberdade”, diz o líder.

“Se eles fossem presos e punidos à altura, os casos de bebês-tabu acabariam”.

Kokonya, o secretário de Cultura, afirma que a dificuldade de detectar e provar casos de infanticídio em áreas remotas resulta em poucas condenações. Mas ele afirma que líderes tribais precisam respeitar o direito à vida.

No Orfanato Kanduyi, “X” abre os olhos enquanto crianças fazem algazarra no pátio. Muitas delas escaparam da morte certa.

Mas quantas outras nascidas em circunstâncias semelhantes não tiveram a mesma sorte?

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  • Zé e Cia

    6 horas atrás

    Não muito longe daqui, na Bolívia, conheci uma menina que nasceu da relação da avó com o neto. Considerada uma maldição, foi deixada à própria sorte em seu vilarejo e ninguém ousava tocar na menina. Aos dois anos de vida foi encontrada nua, subnutrida e coberta de sarna por um casal evangélico. Levaram a criança para a cidade e cuidaram dela como filha. Um ano depois seus familiares vieram cobrar a criança de volta. Sabendo que seu destino lá seria tornar-se escrava para todos os fins, este casal procurou a polícia. Na delegacia a autoridade policial reuniu todos e colocou a mãe biológica em uma cadeira e a mãe que cuidou, em outra. Disse então à menina que desse um abraço naquela que era a sua mãe. Ela correu para os braços daquela que a tratou como filha e a autoridade deu o caso por encerrado. Hoje, ela deve ter seus oito ou nove anos.

  • Avatar de Brasileiro, apenas

    Brasileiro, apenas

    7 horas atrás

    UOL, por que não publicaram meu comentário?

  • Avatar de Brasileiro, apenas

    Brasileiro, apenas

    8 horas atrás

    Não demora muito, haverá uma novela com esse tema… e o pior: a população vai dar a maior audiência, torcendo para que a mãe se case com o filho, o pai com a filha, ou, quem sabe, até uma relação homossexual incestuosa. Pobre Brasil…

  • Avatar de SPARAIBA

    SPARAIBA

    8 horas atrás

    O caos é não é algo que surge naturalmente.Existe um interesse de poderosos em espalhar o mal pelo mundo.Desmoralizando nações,destruindo a soberania em nome de um golpe global.Aqui no Brasil estão tentando abocanhar o petróleo de qualquer jeito.Vc acha mesmo que a fome no mundo ainda deveria existir?O pior poder é aquele que não vemos e nem conhecemos,pois não adianta reivindicar de fantoches.Vivemos um engano de grande dimensões.

  • Avatar de flue

    flue

    11 horas atrás

    Assistindo documentários, percebo que lá também ocorrem mais casos de xipófagos, pessoas com membros a mais, coisas assim. Será que também se trata de casamentos entre pessoas próximas, por razões culturais?

    1. Avatar de flue

      flue

      10 horas atrás

      Meu comentário é sobre a India.

  • Avatar de mkel

    mkel

    12 horas atrás

    “Nosso comportamento sexual tem sido irresponsável”, disse o Secretário de Bungoma. Essa frase é o “Ordem e Progresso” da África. Deveria estar em todas as bandeiras deles. Aí não tem como transferir a culpa como eles costumam fazer.

  • Avatar de NIKOWISKY

    NIKOWISKY

    12 horas atrás

    O repórter da BBC não citou casos que acontecem na civilizada Europa; não de incestos mas de relações consanguíneas. Talvez ele esteja “batendo na cangalha para o burro entender”. Em visita a um escritório de projetos de uma cidade pequena, lá, constatei que cerca de 40% dos técnicos tinham deformações genéticas aparentes. Questionei meu anfitrião e o motivo era que as pessoas só se casavam com as do mesmo bairro e religião. A natureza é intransigente.

  • Avatar de Cabeça Grávida

    Cabeça Grávida

    12 horas atrás

    A religião local pune a criança, mas faz vista grossa aos abusadores.

  • Avatar de MauroM

    MauroM

    13 horas atrás

    Hábitos e costumes são coisas realmente incompreensíveis, e até mesmo inaceitáveis, para quem não está inserido no grupo que os praticam. Se este povo adota este ritual, por que não adotam o aborto tão logo seja constatado que a menina está grávida? Acho que seria bem menos traumatizante para todos, do que esperar a criança nascer para sacrificá-la. Mas enfim, cada cultura com as suas razões. E esta, com certeza, merece todos os esforços possíveis para ser extinta do dia a dia daquele povo.