O defunto visitante

Erros acontecem, mas assim já é demais Isso é fato verídico, não é piada!

(Inocêncio de Jesus Viégas)

O Presidente do Conselho de Kadosh de Brasília, Ir.·. Etelvino, encomendou-me um trabalho para ser apresentado do dia da Elevação ao Gr.·. 30. No dia determinado, estava eu cumprindo à solene obrigação. O Delegado Litúrgico, Ir.·. Jacobina, solicitou a peça de arquitetura, para a possível publicação no Boletim do Supremo Conselho. O prestimoso secretário da Delegacia, Ir.·. Artur de Moura, enviou prancha para o Supremo Conselho remetendo o trabalho, e na mesma correspondência, comunicou o falecimento do Ir.·. Nicolas – O Grego.

Para surpresa de todos, o Boletim Nº 191 de Jul/Ago/94 do Supremo Conselho, não publicou o “Trabalho”, mas trazia na sua página 8, “Coluna Fúnebre”, a relação dos IIr.·. falecidos, e entre eles, estava o meu nome completo – INOCÊNCIO DE JESUS VIÉGAS. A notícia, através do Boletim, espelhou-se por todo o Brasil e não demorou muito, os velhos amigos e os conhecidos, passarem a expressar suas condolências à suposta viúva. Telegramas e cartas de vários Estados e lugares por onde morei, quando era militar do Exército. Entre tantas manifestações de solidariedade, umas curiosas merecem destaque: Um velho Ir.·. demonstrava o seu pesar, e ao mesmo tempo, desejava comprar alguns livros da minha biblioteca. Outro, também viúvo, oferecia seus préstimos à “viúva”, e deixava transparecer nas entrelinhas, o desejo de continuar o meu trabalho ao lado dela; não por questão de sexo, mas pela convivência, pois a solidão é muito dolorosa. Mais outro Ir.·. de uma cidade do interior, velho companheiro de farda, comunicou o meu comparecimento a uma sessão espírita, onde eu havia deixado psicografada uma linda mensagem encorajadora a todos os IIr.·..

A Delegacia Litúrgica de Brasília, ao descobrir o grande erro, escreveu ao Supremo Conselho, pedindo providências no sentido de retificar a referida publicação, o que de pronto foi atendida, com mil desculpas.

Até aí tudo bem, levamos o caso na brincadeira.

Um dia, um Ir.·. do Or.·. de Boa Vista-RR, o Raimundo, de passagem por Brasília, vem visitar minha Loja, a “Jeremias Pinheiro Moreira” e, em conversa, declinou ser filho da Loja “20 de Agosto”, daquela cidade. Logo lembrei de dois velhos Irmãos, o Rocha e o Noberto, que por sinal, é o Delegado do Grão-Mestre naquele Estado e, como estava devendo um grande favor ao Noberto, aproveitei o Ir.·. Raimundo para levar-lhe um presente. Autografei um livro e mandei ao Noberto. Isso era outubro de 94. O Noberto recebeu o presente, ficou feliz e logo em seguida, recebeu o Boletim do Supremo Conselho, referente aos meses de JUL/AGO/94 e lá encontrou o meu nome como tendo falecido em agosto.

O Noberto, entre arrepios, não entendia como um morto em agosto, oferecia e assinava um livro em outubro. Ligou imediatamente para o Ir.·. Fagundes, Grande Secretário da Guarda dos Selos, pedindo informações sobre o meu falecimento. O Fagundes logo informou ser um mal entendido. O Noberto, não conformado, pediu meu telefone e ligou para a “viúva”, que lhe confirmou que eu estava vivo.

Mas, o pior, estava ainda por acontecer…

Um belo dia, de passagem por uma cidade do interior, a mando da empresa à qual presto serviço, desejei visitar a Loja, onde sabia ter um velho companheiro de caserna. Fui, e ao chegar à Loja, notei que era tarde e que já estavam trabalhando. Mesmo assim, bati como de costume e recebi como resposta a ordem para esperar. Logo veio o Primeiro Experto com o livro, para colher a assinatura e levar a identidade civil e maçônica para o Orador conferir.

Vou relatar aqui, o que ocorreu lá dentro e que me foi contado pelo laborioso Secretário, a que tudo viu, ouviu e gravou em sua longa ata.

Chega o Experto com o livro e as identidades. Entrega ao Orador. O velho guardião da lei, +lê atentamente. Logo empalidece ao descobrir um grande acontecimento, e quase sem poder falar, olhou para o Venerável e balbuciou algumas palavras imperceptíveis. O Venerável pediu gentilmente ao Orador para repetir mais alto. O Orador recobrando as forças disse: “Venerável Mestre! Algo de anormal está acontecendo. Esse Ir.·. que bate à porto do nosso Templo, é o falecido Ir.·. Inocêncio, a quem na última Sessão, prestei solene homenagem pelo seu passamento e, agora, diante de seus documentos, não sei o que fazer; quero a ajuda de algum Ir.·. entendido em coisas do outro mundo, para clarear esta fantasmagórica situação”.

O Mestre de Harmonia, diante do caso, querendo colaborar com a situação, colocou em surdina a Marcha Fúnebre de Mozart. Aprendizes e Companheiros, admirados e congelados de pavor, esperavam o desfecho. Todos os IIr.·. passaram a ter arrepios e o medo era geral. Um dos IIr.·. , se dizendo entendido do assunto, ofereceu-se para assumir o comando da situação e passou a pedir calma a todos os IIr.·. . Fechou os olhos, respirou ofegante, estendeu os trêmulos braços na horizontal e falou com voz rouca: “O Ir.·. Inocêncio veio pedir luzes. Você Ir.·. Orador, o elogiou bastante na sessão passada, e ele quer agradecer; pensa que ainda está materialmente entre nós. Deixai que entre”.

Eu, lá fora, inquieto com tanta demora, resolvi ir ao banheiro. Nisso a porta se abre e o Cobridor não me vê na sala. Morrendo de medo, imediatamente fechou-a e anunciou: “Ir.·. Primeiro Vigilante, o fantasma foi embora!”.

Com o abrir da porta, parei o que estava fazendo e voltei imediatamente, pensando em entrar, e logo vi a porta fechada. Esperei um pouco, fiquei de costas para a dita porta, olhando ás fotografias dos futuros IIr.·. , que estavam coladas nos editais.

Abre-se a porta outra vez. Era o Mestre de Cerimônias que espiava só com um olho. Voltei a cabeça e esbocei um sorriso, e a porta foi fechada incontinenti. Bom, já que não vou entrar – pensei – vou terminar o serviço que bruscamente havia interrompido, e fui para o banheiro outra vez. Lá dentro, o Mestre de Cerimônias informava que eu estava lá fora. O Cobridor, sem acreditar, imediatamente abre a porta, e mais uma vez nada vê, e ai pirou de vez. O suposto médium passa a consolar o Cobridor, dizendo-lhe que ele não era vidente, e por isso não conseguia ver o espírito do Ir.·. , mas que fizesse um esforço concentrado, que logo conseguiria. Nisso um Ir.·. pede a palavra pela ordem, e solicita ao Ven.·. retirar do Templo, os Aprendizes e Companheiros, que ainda não se achavam em condições de assistir esse encontro de um morto com os vivos em Loja.

Aprovada a solicitação, o Venerável pede ao Mestre de Cerimônias para retirar os Aprendizes e Companheiros. Logo, um nervoso Companheiro pede a palavra, antes de cumprir a ordem do Venerável Mestre e questiona, que não era justo sair e ter que ficar na Sala dos PP.·. PP.·. com o defunto. Todos concordaram com a ponderação e o Venerável revogou a ordem.

Contornada a situação, o Venerável pede ao Mestre de Harmonia a execução de uma música mais suave para receber o Ir.·. .

Finalmente abre-se a porta e a música suave da Ave-Maria, me deixa todo emocionado. Entrei, fiz o que normalmente se faz e esperei a ordem do Venerável para tomar assento. O silêncio dominava a cena. O Venerável disse: “Vinde saudoso Ir.·. ao encontro dos seus IIr.·. , que emocionados, lamentam a vossa desencarnação. Acomodai-vos no Oriente, onde é vosso lugar”. Saí, passo a passo, meditando aquelas palavras. Logo reconheci o velho Ir.·., que era o Orador, e olhei para ele com ar de riso. Ele fechou os olhos e baixou a cabeça tristemente. O Venerável, olhando-me bem firme, disse: “O pranteado Ir.·. vem deixar sua mensagem? Estamos prontos, podeis fazer o uso da palavra, se esse for o vosso desejo”.

Lá fora chovia bastante e podíamos ouvir, vez por outra, o ribombar dos trovões e ver o clarão dos relâmpagos. Coincidência ou não, quando levantei para fazer uso da palavra, uma enorme claridade iluminou tudo e um ensurdecedor barulho de trovão, nos deixou estarrecidos. A luz elétrica imediatamente se apagou, ficando apenas as luzes tímidas das velas a iluminar o recinto, ao mesmo tempo em que a gritaria na Loja foi desesperadora. Todos querendo sair ao mesmo tempo, uns caindo sobre os outros, pisotearam o Cobridor, que jazia inerte, todo amarfanhado, e que foi imediatamente arrastado para fora, por um Ir.·. mais corajoso.

Fiquei só, dentro da Loja. Em vista disso, também com as pernas trêmulas depois de tamanho susto, aproveitei para sair da Oficina e nisso ouvi um grito vindo lá de fora: “Lá vem a alma penada!”. E a correria rumo ao portão da frente foi geral, e só alguns “sem pernas”ficaram na Sala dos PP.·. PP.·. .

Só aí, depois de ter sido chamado de alma penada, pude entender todo aquele desespero dos IIr.·. e imediatamente tratei de esclarecer o que realmente acontecera, que eu estava vivo, e que foi um erro de publicação do Boletim e que já estava sendo retificado.

A maioria já tinha ido embora para casa não sei como. Inclusive o Orador, meu velho amigo. Nisso volta o falso médium, e ainda ressabiado, olha para dentro, e sem entender aquele silêncio, brada com a voz enérgica dos doutrinadores: “Ir.·. do além! Já passa da meia-noite! A vossa hora terminou! Ide em paz e o Senhor vos acompanhe!”.

O Venerável, um nordestino bem brabo, olha para o falso médium e diz: “Deixa de ser mole, cabra-da-peste! Olha tua calça como está toda molhada, e pelo cheiro não é água de chuva não! Não está vendo que o Ir.·. está vivo?”. A gargalhada foi geral. O Venerável pediu mil desculpas, e como um bom apreciador das boas coisas, convidou a todos para comemorarem a minha ressurreição. E disse mais: “Quem correu, perdeu!”.

O resto da noite foi curta para recordarmos o episódio, tomar o gostoso vinho e rir à vontade dos ” corajosos IIr·”, que jamais esquecerão o “defunto visitante.”

(Artigo publicado pela primeira vez em “O Reunificador”, Edição Nº 23, de Outubro de 1997)

BETO Arruda
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Várzea Grande – MT
Que DEUS nos Abençõe