Apesar de historicamente presente no cotidiano brasileiro, a prostituição ainda não dispõe de uma política de cidadania em volta da questão. Essa é a constatação da psicóloga Luciene Jimenez, do Centro de Referência de DST/HIV da cidade de Diadema, na Grande São Paulo. Em sua pesquisa realizada durante quatro anos pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Luciene constatou que falta espaço para a cidadania. “A epidemia de sífilis foi o principal motivo para a criação de políticas de saúde para essa população. As ações estavam pautadas sobre o agente de transmissão da doença e não consideravam as pessoas envolvidas”, afirmou.
Segundo a psicóloga, a pesquisa foi uma “etnografia” entre os anos de 2005 e 2008 nos campos de prostituição de mulheres e de travestis de Diadema, nos quais eram realizadas atividades de prevenção de DSTs e HIV e redução de danos no uso de drogas. Durante a pesquisa, as prostitutas passaram a ter suas atividades rotineiras relatadas em um diário de campo e também foram realizadas entrevistas em grupo semi-dirigidas com prostitutas e com travestis.
De acordo com Luciene, até maio de 2008, quando foi encerrada a pesquisa, a política de saúde colocada pelo programa nacional para profissionais do sexo estava baseada somente na prevenção de DSTs e HIV, compreendida como uma proposta de contenção da transmissão do vírus por meio da distribuição de camisinhas, gel lubrificante, folders, etc. “Para ser uma política voltada para a questão da cidadania, precisa de fluxos e parcerias que estão fora da saúde como educação, cultura, habitação, etc.”, adverte. Luciene lembra que há um grande déficit na qualidade do atendimento a essa população. “Os travestis e as prostitutas têm acesso a insumos, sorologias e atendimentos variados no que tange às DSTs e Aids. Na verdade, seus maiores problemas, inclusive de saúde, vão muito além disso”, explica.
“As ações de saúde pública voltadas para a prostituição possuem um viés histórico regulamentarista cujo objetivo é controlar o corpo de todas as mulheres, inclusive daquelas que não exercem a prostituição”, critica. Segundo Luciene, o problema das políticas de saúde é histórico e político. “É um fato histórico e político que os corpos e as sexualidades, das mulheres e dos homens estejam enredados por inúmeros dispositivos de controle. A prostituição é apenas um deles e está fortemente engajado com outros, como o casamento, a homossexualidade, etc.”, acredita.
Para a psicóloga, mudar esse quadro é simples e possível. “Passa pela possibilidade de as políticas de saúde trabalharem no sentido de promover a autonomia dos sujeitos – homens, mulheres, jovens, idosos, etc. – sobre os seus corpos biológicos, reprodutivos, sexuais, históricos, etc. Políticas de saúde voltadas para a promoção da capacidade de o sujeito fazer escolhas passariam, por exemplo, pela discussão de todos os métodos e recursos existentes no mercado para contracepção e prevenção de DST, e não apenas a camisinha”, diz.
Segundo Luciene, as políticas de saúde devem considerar a prevenção da violência e o encaminhamento de situações de violência como parte do seu trabalho e oferecer aos profissionais do sexo, além de uma caixa de preservativos por mês e acesso a sorologias, espaços onde possam denunciar, se for o caso, as violências sofridas cotidianamente.
Quanto à legislação brasileira em torno da prostituição, a psicóloga acredita que há uma confusão sobre a questão. Em entrevista à Agência USP de Notícias, Luciene afirmou que ao mesmo tempo em que a lei permite a prática, ela se restringe somente às mulheres e sem nenhum tipo de agenciamento ou organização.“Se duas ou três prostitutas alugarem um apartamento para fins de prostituição, isso é crime. Tudo o que uma mulher pode, se quiser se prostituir, é ficar na rua, a céu aberto, sem nenhum tipo de proteção. Elas não podem nem ao menos se organizar em forma de cooperativas”.
Para a prostituição de homens, não há legislação. “Se um homem está na rua andando de um lado para o outro, com fins de prostituição ou não, ele pode ser punido no delito vadiagem”. “A prostituição é um problema social e legalmente complexo e como tal precisa ser considerado e compreendido desde o ponto de vista dos modos de organização da sociedade”, diz Luciene. E que deve ter uma abordagem ampla que considere toda a extensão do tecido social.
Leandro Kleber
Do Contas Abertas
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