Presidente, o senhor me ofendeu!

“O Brasil idolatra algumas pessoas, porque não as conhece de perto.”
Marlene Mattos

Escreveu Waldo Luís Viana

O senhor, presidente, me ofendeu! Desculpe-me, mas tenho uma filha branca, loura e de olhos azuis. Eu, que sou filho de baiano com francesa, misto de Castro Alves com Catherine Deneuve (não necessariamente nesta ordem), sinto-me triste e magoado com a última metáfora do maior presidente da história deste país!O senhor me ofendeu, presidente! Inteirado pela dupla caipira “Amorim e Garcia” de que pela extrema decadência que começa a aparecer no quadro interno, o seu governo só poderia se salvar pelo quadro externo, o senhor me vem com essa frase bombástica, típica de governantes totalitários, culpando um grupo de pessoas pelo tom da pele, a cor dos cabelos e beleza dos olhos, como se fosse proprietário e dilapidador da riqueza do planeta!

Presidente, como o senhor é primário, linear e complexado!

Os amantes das ditaduras, mesmo os eleitos diretamente, têm que encontrar culpados para os seus fracassos, especialmente desenhando um inimigo artificial no horizonte. São incansáveis os exemplos na história que nem vale a pena rever.

O senhor quer “um bode respiratório” para o desencanto, que lenta e suavemente, vem se apossando do povo brasileiro, enganado tantas vezes, mas que achava que do presidente-operário merecia  melhor tratamento. E como os coelhos não saem mais com facilidade da cartola, não há bolsa-esmola, PAC de mentira e casinhas populares em véspera de eleição que deem jeito nos desconfiados que se avolumam – o senhor me sai com mais um de seus aparvalhados “pensamentos”…

O senhor já deu o que tinha que dar! Já encantou as “zelites”, em que hoje cospe, é malandro adivinhado, cujo arsenal de espertezas está no fim, porque o que existe pela frente é desemprego e recessão pelo  caminho. O senhor preferiu a popularidade fácil às reformas estruturais e deu no que deu. Perdeu o bonde da história! Agora não tem mais dinheiro para nada e os plutocratas que o senhor ofendeu hão de lhe dar o troco, rapidamente.

Muitos outros, por outro lado, irão cobrar-lhe o jogo de palavras, em si. Mas isso é irrelevante, dado o enorme cipoal de batatadas com que Vossa Excelência já nos brindou, ao longo da sortuda vida de governante. No entanto, a sorte acabou e o que importa é o que se demonstra por baixo do palavrório chulo e insensato,  produzido de propósito, como aduziram os jornais britânicos, para o despreparado público doméstico.

Aqui dentro, o senhor quer achar um culpado para a nossa crise! Não são os índios, os negros, os homossexuais, os portadores de necessidades especiais, os quilombolas, os estudantes, os adeptos de movimentos sociais; não são as ONGs, os idosos, os aposentados, os cotistas das universidades, os meninos de rua, os mendigos, os analfabetos funcionais ou os semi-mortos nas emergências dos hospitais – não!, são os brancos, os louros de olhos azuis que desestabilizam a Pátria-mãe multirracial!

Não é a tresloucada política econômica que o senhor nos impingiu, que agora explode por todos os diques, não é a “cumpanheirada” aboletada nos cargos e fundos de pensão, nem os banqueiros amigos, que agora estão sofrendo, coitados!, porque veem os lucros diminuindo, não são as empresas a despejar empregados na rua da amargura – não, os culpados são os outros, os de fora, aqueles em que o senhor não pode mandar, porque seus capitais especulativos não virão mais para cá e nossa elite está externalizando os próprios haveres, porque sabe muito bem o que vem por aí…

O senhor me ofendeu e ofendeu minha meiga menina! Ela não tem culpa de viver num país governado por um despreparado, que no final do governo sabe que não haverá retorno, que o estoque de mágicas terminou e o palhaço ficou só, no picadeiro. Resta chorar, porque o senhor provoca pena, o personagem alquebrado já encheu, como novela repetida e não adianta dividir para reinar, colocando branco contra negro, índio contra não-índio, empregado contra desempregado, proprietário contra sem-terra, militares contra anistiados – que esse jogo não pega mais, não esconde a falência dos gestos e a vacuidade do governante que não tem para onde ir, a não ser que, constrangido, efetue um golpe de força contra o  arremedo de estado de direito e a falsa democracia, que ainda nos une.

O senhor não maneja a crise, é completamente manejado por ela! Não antecipou a constrição dos seus tentáculos e por conta do próprio orgulho e de imaginar que estava fazendo o melhor dos governos demorou demais a acordar! Agora Inês é morta e só faltava dizer que os assassinos eram brancos, louros e de olhos azuis. Um péssimo detetive nesses tempos exitosos de Polícia Federal!

No entanto, o senhor escolheu mal a acusação! Ofendeu-me e a milhares de brasileiros, descendentes de europeus, que misturaram o próprio sangue e as esperanças na epopéia de construir uma nação multiétnica e multirracial. Só o senhor discrimina, do alto de seus preconceitos arraigados e encardidos de homem complexado, que jamais se livrou de si mesmo!

O pior, presidente, é como o senhor fica, exibido em todas as esquinas! É tema de deboche nos bares! É diplomado na bazófia, no menoscabo, no que de pior pode haver num homem que veio de baixo: o senhor provoca vergonha nos pobres. E agora quer provocar raiva nos aparentemente ricos! Nunca neste país!

Sinto-me ofendido e acho que este povo, em clamor nacional, deveria enquadrá-lo no crime de racismo! O que o senhor disse é muito pior, para minha filha, do que chamá-la de loura burra ou branca azeda. Esses codinomes os brancos desse país já estão acostumados a ouvir.

O que não aguentamos é ver o chefe da Nação, solerte, do alto da própria ignorância triunfante, personalizar a culpa de uma crise que o senhor não quer sobre os ombros, como aliás nenhum dos mastodônticos crimes de corrupção que se refletiram sobre o seu governo!

O senhor ofende porque está em desespero! Ofende porque está no fim da estrada e a sorte sumiu! Mas não se esqueceu das próprias origens, do  ressentimento e de encarnar o ato obsceno daquele personagem da piada, que já não se pode mais contar neste país: o senhor nos ofendeu e ainda está fazendo das suas, na saída…

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* Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta e pede desculpas aos seus pouquíssimos leitores por ter sido tão gentil…
Teresópolis, 27 de março de 2009