Como presidente, Lula é ótimo pai

MEU GAROTO Fábio Luís, o Lulinha: sócio da maior empresa de telefonia do Brasil

MEU GAROTO
Fábio Luís, o Lulinha: sócio da maior empresa de telefonia do Brasil

No episódio do negócio do filho com a Telemar, Lula agiu como pai cioso. Mas como presidente ele errou.

Se o leitor fosse presidente da República e descobrisse que seu filho, até pouco tempo atrás no mercado de trabalho informal, havia subitamente se transformado em sócio de uma empresa que – além de ser uma concessionária do governo – tem parte de seu capital formada por dinheiro público, optaria por:

a) pedir desculpas à nação e determinar a imediata saída de Júnior da sociedade;

b) fingir que o assunto não lhe diz respeito: trata-se apenas de Júnior tentando progredir na vida;

c) queixar-se de que falar do filho é invasão de privacidade.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, protagonista da situação acima, ficou com as duas últimas opções. Primeiro, considerou “normal” a sociedade de seu filho Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, com a Telemar, a maior empresa de telefonia do país.

MINA DE OURO Kalil Bittar, sócio da Gamecorp, que captou 5,2 milhões de reais da Telemar

MINA DE OURO
Kalil Bittar, sócio da Gamecorp, que captou 5,2 milhões de reais da Telemar

Depois, em discurso indignado, disse ser alvo de um “golpe baixo” da imprensa destinado a “invadir sua vida privada”. As afirmações do presidente encerram dois equívocos. O primeiro: a operação que resultou na injeção de 5,2 milhões de reais por parte da gigante Telemar na nanica Gamecorp – a empresa de Lulinha e seus sócios, Kalil e Fernando Bittar – não é nada normal. Se fosse, não teria sido caprichosamente montada com o propósito de permanecer em sigilo, como revelou VEJA na edição passada. Também não teria sido feita à revelia da Lei das Sociedades Anônimas, que determina que esse tipo de operação seja comunicado à Comissão de Valores Mobiliários. Instada a explicar o motivo pelo qual omitiu a informação à CVM, a Telemar saiu-se com a seguinte justificativa: agiu assim por considerar que o assunto era de “cunho operacional e estratégico” da empresa. Na verdade, a tentativa de manter oculta a sociedade com a Gamecorp deu-se por um motivo simples: a injeção de milhões de reais feita pela Telemar na empresa do filho do presidente representa, no mínimo, um problema ético para Lula. Isso porque a companhia de telefonia, mesmo sendo privada, tem em seu capital dinheiro de órgãos públicos, como o BNDES, e depende de autorização do governo para funcionar.

A operação entre a empresa de telefonia e a de Fábio Luís ganha contornos ainda mais nebulosos quando se sabe que, diferentemente do que os jornais vêm divulgando, a Gamecorp não produz jogos para telefones celulares. A empresa simplesmente detém os direitos de transmissão do canal de TV americano especializado em games, o G4. Isso possibilita a ela “revender” a terceiros o direito de explorar os produtos licenciados pelo canal, como protetores de tela de computador e sons para toques de celular. Em suma: a Gamecorp captou 5,2 milhões de reais da Telemar não para desenvolver games para os seus celulares, mas para repassar à empresa produtos bem menos complexos. É estranho.

Compreende-se que Lula, como pai, não goste de ver o nome de um filho seu envolvido em histórias nebulosas. Mas, ao não superar esse instinto natural, o presidente comete o segundo equívoco. Presidentes da República não têm vida privada. E a de seus familiares só diz respeito a eles próprios quando não afeta os interesses públicos. Quando se revela que o filho de Lula fez um negócio – aliás, um negocião – envolvendo dinheiro do contribuinte, a questão passa a ser, sim, da alçada da sociedade e de seu líder constitucional, o presidente da República.

http://veja.abril.com.br/200705/p_065.html

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