A hélice dupla

Desde 1799, a cervejaria Green King, de Bury St. Edmunds, fornece cerveja Abbot aos  estudantes de graduação de Cambridge. Ela flui deliciosamente no Eagle Pub, em Botoph Lane, perto do Laboratório Cavendish e na frente da Escola de Medicina, na Down Street, onde os mais inteligentes costumavam almoçar. Para os estudantes de medicina, os físicos e químicos do Cavendish eram um grupo diferente, que teve uma das muitas especulações mundiais confirmadas pela descoberta da hélice dupla da molécula ADN.

A estrutura foi descrita em 1953 pelo americano James Dewey Watson (1928) e o inglês  Francis Harry Compton Crick (1916). A idéia não era nova, e data de 1519 Francisco I da França, um ano antes do seu encontro com Henrique VIII no Field of the Cloth of Gold, começou a construir o Château de Chambord. No meio da torre da casa da guarda há uma magnífica escada em espiral como duas hélices superpostas, que nunca se encontram. No centro há aberturas decorativas que permitem enxergar de  uma hélice para a outra. Pode ser vista nos dias de visita dos Châteaux do Loire. (Muscadet é excelente, e os rillettes de porceau berre Blanc.)

A escada dupla, em Cambridge, tinha no lado externo dois corrimões sinuosos de fosfato de sacarose, os degraus são compostos das bases adenina, tiamina, guanina e citosina, unidades me pares pelo hidrogênio, que representa o eixo central. A espiral é chamada ADN – ácido desoxirribonucléico. O ARN é o padrão para as proteínas que formam células do corpo, de desenhos variados, mas todas com escadas espirais de ADN.

A descoberta do esqueleto arquitetônico do ADN deu origem a um livro de suspense fascinante, leve, erudito, escrito por James Watson, no gênero de Dorothy Sayers, na época.

Os personagens são:

  • (1) O próprio. O intruso de Chicago nos aconchegos e esnobes claustros de Cambridge. Extremamente inteligente, ambicioso, impetuoso, intuitivo, encantadoramente gauche, sociável, com uma queda para viagens ao exterior.
  • (2) Francis Crick, de Mill Hill, em Londres, de fala rápida e sonora com uma risada trovejante, entendido em teorias sobre a estrutura da proteína, incentivado por Watson para continuar a investigar as idéias numerosas que nascem no seu cérebro. Recentemente casado pela primeira vez morando perto do único restaurante chinês de Cambridge.
  • (3) Maurice Hugh Frederick Walkins (1916), biofíco no King’s College, no Strand, Londres. Solteiro e cavalheiro inglês.
  • (4) Rosalind Franklin (1920-56) A Dama Negra dos cromossomos. Newnham, depois pesquisa do carvão. Especializou-se primeiro em metas e minerais. Usou essa técnica para investigar o ADN, independentemente. No laboratório Maurice Wilkins, do King’s, que aceitava mulheres cientistas com a intrigada obediência com que os fazendeiros, durante a guerra, recebiam as Moças de Land De uma família judia de banqueiros, ricos, morava elegante no bairro de South Ken e viajava para o exterior em terceira classe com pouco dinheiro, para conhecer o mundo, Solteira, não amada e, ao que parece ninguém gostava dela.
  • (5) Linus Carl Pauling (1901), professor de química no Instituto de Tecnologa da Califórnia, candidato ao premio Nobel, vitima de McCarthy, a ameaça invisível.

O enredo era a corrida para descobrir o mistério do ADN, que todos temiam fosse ganha pelo poderoso e rico americano Pauling. Há ciúmes fascinantes, duplicidades, conspirações, vaidades e atitudes teatrais. Watson odiava os vestidos de Rosalind Franklin e seu mau gosto de intelectual afetada, criticava seus penteados, sua maquiagem e a achava mal-humorada, intolerante e rabugenta. Insistia em chamá-la de “Rosy”, o que a deixava furiosa. No Cavendish ele se consolava dizendo que “o melhor lugar para uma feminista era no laboratório de outra pessoa”.

A descrição de uma visita de Watson ao Kings, no stand:

“De repente Rosy veio do outro lado do balco do laboratório, que nos separava, e caminhou para mim. Temendo que, na sua fúria me atacasse, eu… recuei rapidamente para a porta aberta.”

O assalto –  quem sabe, assassinato? – foi evitado pela cavalheiresca intervenção de Maurice Wilkins. Essa cena desagradável jamais teria acontecido entre médicos, embora um comunicado do presidente na sociedade Real de Medicina, em 1963, mencione troca de socos entre Sir Peter Freyer e Hurry Fenwick, devido a uma controvérsia sobre métodos de remoção da próstata.

 O professor de física de Cavendish era Sir William Lawrence Bragg (1890-1971), prêmio Nobel de física com sua cristalografa dos raios X 1915. Como qualquer chefe de laboratório, ele devia preferir uma vida calma às rusgas e entusiasmos dos assistentes mais novos, cujo trabalho, ele sabia por experiência, podia estremecer o mundo ou ser completamente sem valor.

 Porém, Sir Lawrence sentiu-se na obrigação de contribuir com um prefácio para o livro desdenhoso de Watson, A hélice dupla, no qual ele usa uma franqueza parecida com a do diarista Pepys. Evidentemente, ele era um mestre da atenuação solene.

 Watson venceu a corrida. Ou foi ejetado para o posto? A investigação dos cristais de ADN por meio dos raios X, feita por Rosy, começou a desembaraçar sua estrutura molecular, entre janeiro de 1951 e junho de 1952. No dia 6 de fevereiro de 1953, Wilkins (de modo pouco elegante) mostrou uma das radiografas de Rosy para Watson, que exclamou: “Veja, aqui está a hélice e aquela maldita mulher não a vê. Então, talvez Rosy tenha sido a primeira a descobrir a idéia reprodutora do século. Mas, no meio do entusiasmo, ninguém lembrou de perguntar. Ela nunca se conformou. Morreu de câncer na primavera de 1958, aos 37 anos. Trinta e quatro anos depois, a English Heritage resolveu por uma placa no seu apartamento.

 A Hélice Dupla foi brevemente proclamada por Watson e Crick num artigo de 900 palavras, na revista Nature, de abril de 1953. Porém, Crick havia anunciado: “Nós encontramos o segredo da vida!”  tomando sua cerveja Abbot, durante almoço no Eagle.

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