O desejo de matar

Para nos aterrorizar, nossos agressores unicelulares podem recorrer a aliados poderosos. Os mosquitos são suas divisões voadoras. O rato, rápido e astuto, é sue portador pessoal, cheio de pulgas ágeis. Os piolhos, com suas garrar tenazes, são os veículos blindados da infecção.

Nosso conhecido Hieronymus Frascatorius, de Verona foi o primeiro a reconhecer o tifo exantemático, “a febre pintada”, súbita, devastadora, com uma erupção vermelha e um índice de morte de 20%. O americano Howard Taylor Ricketts (1817-1910) descobriu que era causado por um dos organismos semelhantes aos vírus que só existem no interior das células vivas e que foram denominadas de rickettsias, em sua honra – muito justamente, porque ele morreu de tifo exantemático, na Cidade do México, no mesmo ano da sua descoberta. A Rickettsia prowazeki é o organismo específico causador do tifo – e Stanislaus Josef Mathias von Prowazeki (1875-1915), de Hamburgo, morreu dessa doença também. Os micróbios são sugados do homem infectado pelo piolho, que salta para outro hospedeiro humano e deposita suas fezes infectadas na pele, e o homem começa a coçar desesperadamente o local. O pobre piolho fica vermelho e morre também.

Há! Onde vais, pequeno rastejante!
Tua imprudência te protege muito pouco

escreveu Robert Burns em “A um Piolho”, com sua habitual e profunda simpatia por todas as pequenas criaturas, como sua gratidão por seu exemplo, e (para um inglês) com incapacidade de compreender.

O que traz piolho, traz o tifo: guerra, seres humanos vivendo em promiscuidade, sujeira, falta de água e material de limpeza, falta de uma camisa limpa para vestir. Como febre das prisões no século XVI, os piolhos mataram a metade dos prisioneiros e esportivamente liquidaram os juízes, saltando para suas cadeiras. Na prisão de Old Bailey, em1750, executaram três juízes, o prefeito de Londres e oito jurados. Deve ter sido muito arriscado na prisão de Newgate.

Em 430 a. C., o tifo em Atenas complicou a Guerra do Peloponeso e matou Péricles (pode ter sido a peste ou varíola, não podemos confiar no diagnóstico de Tucídides). Na Antioquia, em1098, o tifo e a desinteria dizimaram os cruzados, homens e cavalos. O medo generalizado da infecção fez maravilhas para o índice de conversão ao cristianismo, especificamente porque o único representante da saúde pública era o exorcismo. Durante a guerra dos Trinta Anos, os dois lados posicionaram-se para a batalha de Nurenberg, em1632, mas o tifo matou tantos antes de começar a luta que tiveram de desistir.

O tifo atormentou os cavaleiros do Rei Charles, em Oxford, e em 1741 capturou Praga para Luís XV. Com o General Inverno e sua tenente, a disenteria, o tifo conseguiu a retirada dos franceses de Moscou. (Foi disenteria que acabou com o cerco de Bagdá, em 1439, e o de Metz, em 1553, e o vitorioso Agincourt morreu do “fluxo sanguíneo” em Vincennes, em 31 de agosto de 1422. Lênin perdeu 3 milhões de novos camaradas com tifo, em 1918-1922. O tifo reforçou as selvagerias da II Guerra Mundial nos campos de concentração, nos acampamentos de refugiados e nos postos do exército, embora os aliados tenham derrotado o piolho antes dos nazistas, acabando com a epidemia em Nápoles, em 1944, usando o DDT, um inseticida que hoje faz eriçar os cabelos dos Verdes como talos de centeio.

Uma epidemia de tifo entre os tecelões da Alta Silésia, em 1848, foi investigada para os prussianos por Rudolf Wirchow (1821-1902), do Charité Hospital, de Berlim. Seu relatório denunciava tão detalhadamente as condições higiênicas e de vida em geral dos habitantes do local, e propunha com tanta clareza o estado generoso como único remédio, que os prussianos o despediram. Ele foi eleito para o Reichstag, tendo como opositor Bismarck, organizou o Serviço de Ambulâncias da Guerra Franco-Prussiana e fez dos esgotos de Berlim motivo de inveja de toda a Europa.

Esse pequeno professor, fanfarrão e vigoroso, tornou-se um proeminente médico europeu, o que primeiro descreveu a leucemia e era especialista em embolia pulmonar, lúpus da face e gota, tatuagem e arqueologia de Tróia. Ele criou a frase Omnis cellula e cellula – nenhuma doença cria as próprias células, todas são células comuns do corpo humano, mas alteradas pela doença. Ninguém havia pensado nisso antes. Quando Jean Louis Armand de Quatrefages (1810-1892), do Museu de História Natural de Paris, escreveu um panfleto qualificando os prussianos como um bando de mongóis bárbaros (eles acabavam de bombardear seu museu), Virchow, com fúria solene, lembrou a cor do cabelo e o formato dos olhos dos 6 milhões de escolares alemães. Seu octagésimo aniversário foi declarado feriado nacional; portanto, no fim, os prussianos o amaram.

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