Sangue e entranhas – história da cirurgia

Uma trajetória de muitos erros sanguinolentos e alguns acertos heroicos.

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A escabrosa história da cirurgia nos mostra que “entrar na faca” já foi muito mais perigoso que hoje em dia

Os anais da medicina estão repletos de personagens inspiradores, dotados de habilidade e engenhosidade extraordinárias, como Louis Pasteur, que abriu caminho para a ênfase contemporânea na assepsia, e Harold Gillies, que aprimorou a técnica da cirurgia reconstrutiva; mas estão também repletos de episódios horripilantes, como transplantes que deram errado, membros amputados remendados da forma mais grosseira possível, cirurgias plásticas que mais desfiguravam do que embelezavam, e uma das mais abomináveis práticas de todos os tempos: a lobotomia.

Sem raios X para revelar a causa interna do mal, sem anestesia para reduzir a dor, sem antibióticos e salas de operação esterilizadas para impedir infecções, os doentes e feridos ficavam literalmente à mercê de quem os cortasse. Ao tentar salvar vidas, os cirurgiões de antigamente mataram mais pacientes do que salvaram. E mesmo que a “vítima” sobrevivesse por milagre à operação, o mais provável é que ficasse aleijada pelo resto da vida.

Sangue e entranhas louva a coragem de grandes pioneiros da medicina, tanto médicos quanto pacientes, desde Galeno fazendo descobertas sobre anatomia ao tratar de gladiadores no século II d.C., até Stuart Carter, a primeira pessoa a receber implantes cerebrais elétricos para tratamento do Mal de Parkinson. Mas o autor também enfatiza: os equívocos é que nos fazem lembrar que mesmo os maiores médicos são seres humanos falíveis. Galeno achava que o coração era uma fornalha e que os humores corporais precisavam ser equilibrados por meio de vômitos, sangrias e purgas. As operações realizadas pelo cirurgião mais famoso do século XIX, o inglês Robert Liston, eram bagunçadas, sangrentas e traumáticas. Brilhante, porém arrogante e descuidado, ele chegou a decepar acidentalmente os dedos de um assistente durante uma operação. O paciente e o assistente morreram vitimados pela infecção, e um observador morreu em consequência do choque. Foi a única operação da história cirúrgica com uma taxa de mortalidade de 300 por cento!

Uma das aventuras mais desastradas registradas neste livro ficou conhecida como “a noite do porco”, em que um cirurgião inglês, Donald Longmore, em 1969, tentou implantar o coração e os pulmões de um porco num paciente para mantê-lo vivo até que um doador apropriado aparecesse, e então o suíno fugiu, “relutante em fazer sua própria e valiosa contribuição ao progresso da medicina”. Depois de uma perseguição demorada e difícil, o cirurgião finalmente capturou o pobre animal, mas todo o esforço acabou sendo em vão, pois ele inutilizou o coração deste ao dar-lhe uma injeção de cálcio, morrendo assim o porco e o paciente.

Com um estilo capaz de tornar apaixonante até o tema mais macabro, o jornalista britânico e escritor de ciência Richard Hollingham nos horroriza e ao mesmo tempo nos fascina com sua narrativa empolgante e vivaz sobre diversos procedimentos experimentais. Hoje em dia, espantosos avanços cirúrgicos têm tornado possíveis transplantes e outras operações nunca sequer imaginadas anteriormente. Mas até que se atingisse tal grau de precisão e segurança, muito sangue e entranhas foram derramados no caminho. Por mais arriscado que “entrar na faca” possa ser atualmente, não é nada se comparado ao tempo em que os cirurgiões usavam pacientes como cobaias e pouco diferiam dos açougueiros. Se falhavam no seu intento, obtinham experiência. Coitados dos pacientes à custa do quais esse conhecimento foi adquirido.

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