Quem lucra com o tráfico de órgãos?

Yves Mamou
Editor de economia do Le MondeA associação suíça Actares – que defende a ética na administração das empresas – aproveitou a assembléia geral dos acionistas da companhia farmacêutica multinacional Roche, na terça-feira (04/03) para acusar o seu diretor-geral, Franz Humer, de “estar tirando proveito indiretamente” do florescente mercado de “transplantes forçados de órgãos” na China.

Desde 2000, este país vem recebendo denúncias regularmente de organizações de defesa dos direitos humanos devido à sua passividade diante dos assassinatos em série de prisioneiros de direito comum, perpetrados com o objetivo de atender à demanda de uma clientela internacional abastada que se mostra ativa na procura de órgãos (coração, pulmão, rim, fígado, córnea…) para transplante.

Segundo o ministério chinês da saúde, cerca de 10.000 transplantes são realizados anualmente na China. Segundo a Actares, 90% dos órgãos transplantados foram retirados de prisioneiros que haviam sido friamente assassinados. A associação acrescenta que “certos indícios vêm confirmar a suspeita de que as prisões e as condenações à morte são efetuadas em sintonia com a demanda por órgãos”.

Para a Actares, não há dúvida alguma de que “as companhias farmacêuticas tiram proveito indiretamente destas práticas chocantes. A Roche é a principal líder deste mercado na China e os seus dirigentes precisam considerar seriamente esta questão”.

Anteriormente, Daniel Vasella, o diretor-geral de outra empresa farmacêutica, a Novartis, já tivera as suas atividades questionadas por causa do Neoral e do Simulect, dois imunossupressores que renderam lucros de US$ 22 milhões (cerca de R$ 37 milhões) em 2007 no mercado chinês. A Roche, por sua vez, é líder do mercado de transplantes com o Cellcept, um produto cuja fabricação foi iniciada na China. Este imunossupressor está incluído entre os dez medicamentos mais vendidos da Roche em todo o mundo (com um faturamento de 1,3 bilhão de euros -cerca de R$ 3,3 bilhões – em 2007), ao passo que o seu faturamento no mercado chinês é mantido em sigilo.

O objetivo da Actares é exercer pressão sobre as companhias farmacêuticas para que estas façam o mesmo em relação às autoridades de Pequim no sentido de convencer o governo chinês a se comprometer a respeitar os padrões éticos internacionais.

A diretoria da comunicação da Roche afirma que seria contrário aos princípios éticos cancelar a comercialização na China de um medicamento que permite auxiliar os tratamentos de muitos pacientes deste país. Entretanto, esta firma farmacêutica com sede em Basel, na Suíça, acrescenta que ela apóia “as iniciativas do governo chinês que visam a moralizar o sistema”.

Uma nova lei que foi promulgada em 2007 obriga os doadores, sejam prisioneiros ou não, ou as suas famílias, a darem o seu consentimento por escrito antes de toda operação de transplante. A lei diz que a Alta Corte de Justiça deve dar a sua aprovação prévia para a realização do transplante e, sobretudo, que a Cruz Vermelha tem o direito de acompanhar e controlar todas as etapas de uma cirurgia desse tipo. “Finalmente, a partir de 2008, um banco de dados nacional dos transplantes será implantado com o objetivo de melhorar o controle da proveniência e da utilização dos órgãos”, conclui a empresa farmacêutica, que afirma estar multiplicando as iniciativas no sentido de desenvolver a doação de órgãos vivos.

A Novartis, por sua vez, por intermédio da Fundação para a População e o Meio Ambiente, afirma ser a primeira empresa farmacêutica a ter assinado uma parceria com o ministério da saúde, visando a facilitar o alinhamento da China com os padrões internacionais que regulamentam esta atividade. Trata-se de um compromisso de adaptação deste país em termos de legislação, de infra-estrutura para operações de retirada de órgãos, de técnicas de transplante e de informação ao público.

Tradução: Jean-Yves de Neufville


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