A Vinda de Augusto Stellfeld para o Brasil
As pendências territoriais limítrofes entre a Dinamarca e as mais avançadas terras setentrionais da Alemanha, datam do tempo em que, para a defesa do Holstein, então convertido ao cristianismo, graças ao poder e à vontade de Carlos Magno e de seu filho, Ludovico, o pio, foi criada na velha Germânia, entre o Eider e o Schlei, a marca Schleswig.
Fora fixada a divisa para impedir as incursões dos dinamarqueses que, por sua vez, construíram aquela famosa danorum vallum, uma vala de 14 quilômetros de extensão, com 10 a 13 metros de profundidade e que ainda na guerra de 1864 teve a sua importância bélica.
E as seguidas guerras, as confabulações diplomáticas, os acordos e os juramentos, durante mais de um milênio, justificavam-se nos direitos de posse e de governo pelas sucessões dinásticas, ora apaziguadoras e acomodatícias, ora rebeldes e vingativas.
Em 1720, o duque Carlos Frederico, apenas atingia a maioridade, foi escorraçado de seus domínios por Frederico IV da Dinamarca, logo reconhecido, sob juramento cristão, como o único soberano de Schleswig-Holstein.
Senhor apenas de suas propriedades no Holstein, o duque Carlos Frederico, possivelmente, aguardava qualquer reação do povo ou de sua ilustre família, entretanto, tal não sucedeu, pois seu filho Carlos Pedro Ulrico (neto de Pedro, o grande) foi proclamado herdeiro do trono da Rússia, qual de fato ocupou em 1762 como Pedro III; foi assassinado seis meses mais tarde pelos asseclas do príncipe Orlow, favorito de quem, ficando viúva, seria a famosíssima Catarina II.
Já Adolfo Frederico, o tio do duque Carlos Frederico e que também fora seu tutor, ascendia ao trono da Suécia em 1751. Dona absoluta de dois tronos estranhos e muito mais importantes que os Ducados, a linha Schleswig-Gottorp não se interessou mais pela corregência de Schleswig-Holstein, indissoluvelmente unidos desde 1386.
Nestas condições, ratificada a desistência por Catarina II em 1767, Schleswig-Holstein ficaram pacificamente aos cuidados do rei Cristiano VII da Dinamarca (1773) que, por sua vez, desistiu dos condados de Oldenburg e de Delmenhorst, fundando-se uma nova linha e um novo ducado.
Na corte dinamarquesa, bem como na alta magistratura pública, a nobreza de Schleswig-Holstein estava muito bem representada. Gozavam desta forma os Ducados de muita proteção no reino e acabaram se incorporando definitivamente à Dinamarca após a dissolução do Reich em 1806.
Mas os ideais de separatismo, de independência e de restabelecimento de uma Alemanha grande e unida, jamais deixaram de transparecer e em janeiro de 1848 agravaram-se consideravelmente, culminando com a proclamação de um governo provisório, que foi aplaudido por todos, inclusive as forças armadas lá sediadas.
O governo provisório, francamente apoiado por Frederico Guilherme, rei da Prússia, muito interessado na independência dos Ducados, convocou a 3 de abril de 1848 uma assembléia do povo, com o fim de ser aprovada a admissão de Schleswig-Holstein no “Deutscher Bund”.
Organizou-se com entusiasmo um exército, constituído das tropas regulares dos Ducados e de vários corpos de voluntários. As tropas libertadoras avançaram com ímpeto e entusiasmo até Flensburg, a capital por ocasião da ocupação dinamarquesa, contudo, após a malograda batalha de Bau (9 de abril), à ocupação de Schleswig pelo inimigo (11 de abril) e ao fracassado assalto às famosas trincheiras de Dueppel (28 de maio), retiraram-se do campo de batalha.
Foi declarado o fim da guerra no mês de maio e dissolvido o corpo de voluntários, apesar dos socorros prestados aos patriotas pelas tropas prussianas e de outros estados alemães, sob o comando do general Wrangel, que conseguiram infligir aos dinamarqueses sérias derrotas em Schleswig e Översee (23-24 de abril), ocupar Fredericia, no pequeno Belt (2 de maio) e sair-se vitoriosas em Dueppel (5 de junho).
Não possuía a Alemanha, entretanto, uma marinha de guerra e seus portos foram bloqueados, com evidentes prejuízos para seu comércio. Além disso, a Rússia e a Inglaterra mostraram-se simpáticos à causa da Dinamarca. Foi assinado o armistício de Malmoe (26 de agosto), conformando-se, pelo menos aparentemente, os patriotas de Schleswig-Holstein com as imposições e com a infrutífera arrancada.
No ducado de Braunschweig, onde nasceu Augusto Stellfeld a 31 de agosto de 1817, até o ano de 1873 era facultativo o estudo superior da farmácia para o exercício da profissão. Podia-se, sem ter freqüentado uma Faculdade, comparecer perante uma banca examinadora oficial e prestar o exame, que concedia ao candidato as prerrogativas de auxiliar (Gehilfe) do “Apothekerbesitzer” (farmacêutico-proprietário), ou as deste, se para isso requeresse e houvesse vaga para a instalação de uma nova farmácia ou possibilidade de compra de uma já existente.
Augusto Stellfeld, com estudos universitários ou não, devia estar trabalhando em alguma farmácia de sua cidade natal, possivelmente após aqueles anos de peregrinação e de aprendizado, e, talvez, tivesse o propósito de estabelecer-se futuramente com uma farmácia, o que somente poderia ser possível por etapas e até que aparecesse a oportunidade, em geral, após cada recenseamento, quando, porém, muitos candidatos afluiriam à vaga.
Empolgado, entretanto, com a companhia libertadora dos ducados de Schleswig-Holstein, apresenta-se como voluntário e toma parte na curta campanha da primavera de 1848. Ao ser dispensado o corpo de voluntários recebe o seguinte certificado, devidamente traduzido:
“O Sr. Stellfeld combateu na guerra da independência dos ducados de Schleswig-Holstein na primavera de 1848, no corpo de voluntários de Rantzau, na qualidade de comandante na 3ª Companhia.
Serviu com grande zelo e especial circunspecção e eu lhe agradeço no fim da guerra e na despedida dos voluntários em nome da Pátria, contando, se houver necessidade, de ir com a mesma prontidão ao encontro do inimigo.”
Veile, 7 de maio de 1848.
(a) ilegível
General Comandante do Exército de Schleswig-Holstein.
Augusto Stellfeld prepara-se em seguida para o exame de farmacêutico-auxiliar, sendo aprovado a 15 de novembro do mesmo ano de 1848. Presta nesse dia o juramento de fidelidade ao regente do Ducado e promete cumprir exatamente as instruções inerentes à profissão farmacêutica.
Da vida escolar e profissional de Augusto Stellfeld em sua cidade natal nada se sabe, nem mesmo das credenciais apresentadas para o exame de habilitação acima referido.
Informações ultimamente solicitadas ao professor Jaretzky, residente ou quiçá natural da cidade de Braunschweig, foram, infelizmente, negativas.
O arquivo e toda a documentação ligados aos antigos exames estaduais foram destruídos pelos bombardeios intensivos e ininterruptos da última conflagração, salvo uma pequena parte levada ainda às pressas para Wolfenbuettel. Entretanto, as pesquisas efetuadas nesse material também foram infrutíferas, contudo, o professor Jaretzky prometeu fazer uma investigação pessoalmente.
Quanto à farmácia ou farmácias, onde Augusto Stellfeld teria praticado e depois exercido a profissão, também foram sem resultado as indagações iniciadas, compreendendo-se este malogro se for levado em consideração que das farmácias existentes na cidade de Braunschweig, apenas uma única não foi destruída pelas bombas!
Narra a história que, esgotado o prazo do armistício, a guerra da independência dos ducados de Schleswig-Holstein foi reiniciada a 1º de abril de 1849.
Os 45.000 soldados alemães, sob o comando do general prussiano von Prittwitz, ocuparam a cidade de Schleswig e a 13 de abril, após uma brilhante vitória naval na baía de Ekerfoerde, quando pelas baterias da terra foi incendiada a nau de linha Cristiano VIII e forçada à rendição a fragata Geison, as tropas bávaras e saxônicas assaltaram as famosas trincheiras de Dueppel. Como precaução e temendo a superioridade numérica dos dinamarqueses, o general Prittwitz teve ordens de apenas conservar ocupada a cidade de Schleswig, sem se preocupar com qualquer ofensiva.
Nestas condições somente as tropas de Schleswig-Holstein, sob o comando do general prussiano Bonin, que tanto se salientara na campanha de 1848 e fora o remodelador do exército após o armistício de Malmoe, entraram na Jutlândia e derrotaram os dinamarqueses em Koelding (23 de abril) e em Gudsoe (7 de maio). Iniciaram, em seguida, o cerco de Fredericia, e depois de terem repelido vitoriosamente diversas sortidas, foram na noite de 5 para 6 de julho, intensamente atacadas pelo inimigo, comandado pelo general Buelow. Dada a inatividade do general Prittwitz, foram reunidas todas as forças disponíveis da Dinamarca e após uma batalha sangrenta, as tropas libertadoras foram forçadas a uma retirada, abandonando-se o cerco de Fredericia, com a perda de 2.800 homens e 28 canhões.
Nesse ínterim a Prússia firmou novo armistício com a Dinamarca (10 de julho), para no dia 2 de julho do ano seguinte (1850) ser assinada a paz. A Prússia subscreveu também em nome da União Alemã, ficando a Dinamarca com plenos poderes para repelir ou sufocar qualquer resistência dos Ducados.
Os Ducados, após a retirada das tropas prussianas que ocupavam o sul, enquanto que as suecas ocupavam o norte, procuraram um entendimento direto com a Dinamarca. Como esta aproximação foi repelida pelos dinamarqueses, com arrogância e verdadeiro ódio nacional, os Ducados resolveram reiniciar a luta com seus próprios recursos.
Com um exército de 30 mil homens dos Ducados e de voluntários alemães, o general prussiano von Willisen, famoso nas campanhas de 1806 a 1815, ocupou o norte de Schleswig, descuidando-se, porém, de impedir, com uma rápida incursão, a união dos dois exércitos dinamarqueses que vinham da Jutlândia e do Alsen. Enfrentando as tropas inimigas (37 mil homens) ao sul de Flensburg, em Idstedt (24-25 de julho), e após uma batalha que a princípio foi favorável aos Ducados, o exército libertador foi destroçado e obrigado a retirar-se além do Eider.
Os dinamarqueses ocuparam novamente a cidade de Schleswig, e os assaltos de Missunde (12 de setembro) e de Friedrichstadt (4 de outubro), para os quais Willisen se arrojou, após uma longa hesitação devido ao mau tempo, foram rechaçados com grandes perdas. Willisen abandonou o comando a 7 de dezembro e foi substituído pelo general von der Horst, que comandara a princípio o batalhão de caçadores e depois a 3ª brigada de infantaria. Mas era tarde demais. A Prússia sujeitou-se às imposições da Áustria, apoiada pela Rússia, de serem cessadas as operações bélicas nos Ducados.
Uma comissão de pacificação austro-prussiana foi enviada para o Ducado de Holstein, seguida de um corpo do exército austríaco, e exigiu imediata cessão das hostilidades, conformando-se a assembléia do povo com a impossibilidade e a inutilidade de qualquer resistência.
A Comissão dissolveu-se a 11 de janeiro de 1851, os funcionários entregaram seus postos e o exército foi também reduzido. Os austríacos ocuparam Holstein e os dinamarqueses Schleswig com Rendsburg, assinando-se finalmente a 8 de maio de 1852 o protocolo de Londres, prometendo-se uma autonomia aos Ducados, embora integrados na monarquia dinamarquesa.
O ultrajante desfecho da sublevação dos Ducados de Schleswig-Holstein, encarada que foi como um movimento nacionalista alemão, causou na Alemanha exasperação e vergonha, culpando-se tanto ao rei da Prússia, como a falta de união dos estados germânicos.
Via-se com pesar a situação em que ficaram os Ducados, considerados rebeldes e destituídos de qualquer direito. Finalmente, após a guerra de 1864, os Ducados livraram-se para sempre da Dinamarca, ficando depois de 20 anos de acontecimentos impetuosos e turbulentos, unidos à Prússia, aos seus compatriotas.
E tudo ficou harmoniosamente selado e esquecidas para sempre as tristes recordações do passado, com o casamento do então príncipe Guilherme (o posterior kaiser Guilherme II) com a princesa Vitória, filha de Frederico de Augustenburg, descendente da linha Schleswig-Sonderburg-Augustenburg, fundada no segundo quartel do século XVII.
Quando em fins de 1850 as derradeiras arrancadas para a independência dos Ducados de Schleswig-Holstein, encaminhavam-se para a gloriosa derrota, dois movimentos de colonização para o Brasil preparavam-se em Hamburgo.
De um lado, com a queda de Luís Felipe, rei da França, em 1848, um de seus filhos refugiou-se em Hamburgo e lhe veio então a lembrança de explorar e povoar vastas terras do Brasil meridional, as quais, por condições estipuladas no contrato de casamento com a princesa dona Francisca Carolina, irmã de D. Pedro II, passaram a constituir patrimônio dele, Francisco Fernando Luís Maria de Orleans, príncipe de Joinville.
O príncipe de Joinville, com a idade de 25 anos, em fins de 1842, comandando a fragata “Belle Pole”, fora mandado tomar ares, pois, seus amores com uma célebre figura do teatro francês, preocupavam seus augustos pais. Depois de uma permanência de 30 dias em Portugal e mais um velejamento de dois meses pelas costas africanas, a “Belle Pole” ancorou no Rio de Janeiro a 27 de março de 1843, escoltada pelas goletas “Fine” e “Coquette”.
O filho de Luís Felipe foi recebido no palácio de São Cristóvão por D. Pedro II, que contava menos de 20 anos, e depois de uma conversação de um quarto de hora bem animada, apesar da taciturnidade do Imperador, foram visitar as princesas. Dona Januária estava doente e assim dona Francisca encontrava-se só. A visita protocolar, relatou o tenente Touchard, ajudante do príncipe de Joinville, transcorreu sem entusiasmo e ambos não se sentiam muito à vontade. A princesa pareceu-lhe muito bem, “cintura notavelmente bem feita e graciosa; nem muito alta nem muito baixa, uma dignidade simples e graciosa no semblante, um bonito porte de cabeça. A fronte alta, os olhos grandes e bem rasgados, são cheios de expressão e vivacidade.”
Preestabelecidas ou não, as “demarches” para o noivado foram iniciadas, prestando de tudo fiel relato o tenente Touchard e a 4 de abril, quando festejava-se o aniversário natalício de dona Maria I, houve jantar e baile em São Cristóvão. As princesas cantaram canções francesas e o príncipe de Joinville dançou apenas com dona Francisca e certamente neste baile foi firmada entre ambos a união conjugal. A 22 do mesmo mês foi realmente assinado o contrato de casamento e apenas nove dias mais tarde, celebrava-se na intimidade da Corte o casamento do Altíssimo e Poderosíssimo príncipe de Joinville, com a Altíssima e Poderosíssima dona Francisca Carolina.
E, após duas semanas de uma lua de mel no Rio de Janeiro, o príncipe de Joinville regressou à França, acompanhado de sua esposa, “la belle Chica”.
Assim, sete anos mais tarde, a 1º de janeiro de 1850, foi firmado um contrato com a Companhia Colonizadora de Hamburgo, recentemente fundada e da qual era presidente o senador hamburguês Cristiano Matias Schroeder, muito relacionado em Hamburgo, com o firme propósito de ser concretizada a fundação de uma colônia agrícola nos imóveis pertencentes aos jovens príncipes.
Das 25 léguas quadradas do referido patrimônio territorial, localizado na Província de Santa Catarina, entre os rios Pirabeiraba e Itapocu, nas proximidades da baía de São Francisco do Sul, pouco menos da terça parte foi concedida àquela Companhia, que obteve também do Governo Imperial vários favores, como o livre desembarque dos imigrantes, das bagagens, dos instrumentos e dos animais destinados à lavoura, entre outros.
Dizem que a doação do patrimônio foi um verdadeiro presente de grego, pois, a região era inteiramente virgem, encontrando-se apenas alguns moradores na orla marítima e no planalto de Campo Alegre. Tudo o mais era mata selvagem, habitada ainda por bugres, que naqueles tempos viviam aos bandos e por várias vezes atacaram e trucidaram as turmas de exploração e de colonização. A área escolhida em 1844 por Léonce Aubé, delegado dos Príncipes, após ter percorrido longos trechos da Província, foi considerada de nenhum valor real, tanto por ser desabitada, como por não existirem meios de transporte. A Coroa achou oportuno o momento para dela se livrar, pois, anteriormente, já fazia vantajosas concessões e dava sesmarias gratuitamente a quem tivesse recursos e, sobretudo, vontade de fazê-la produtiva.
Enquanto a Companhia Colonizadora preparava-se para a execução da tarefa, e Léonce Aubé, tendo regressado a Santa Catarina, foi residir na margem do rio Cachoeira, que banhava a área escolhida para a sede da colônia e onde, pelo engenheiro Guenther, foram construídos dois ranchos de grandes dimensões para o alojamento dos pioneiros que deveriam chegar nos primeiros meses de 1851, Dom Pedro II enviou para Hamburgo o tenente coronel Sebastião do Rego Barros com a missão especial de aliciar soldados alemães, bem como adquirir o armamento adequado e o equipamento para a organização de um batalhão estrangeiro para participar da guerra contra o ditador Rosas.
Não eram desvantajosas as condições sob as quais os aliciados mercenários se comprometiam prestar serviços de guerra no Brasil. A duração do serviço militar seria de 4 anos, o transporte grátis, além de uma ajuda de custo de 25 tâlers. Os vencimentos seriam contados desde o dia do embarque e, ao ser excluído, o legionário recebia um lote de 22,500 braças quadradas ou o transporte para repatriar-se, com um prêmio em dinheiro. Os legionários ficariam adstritos ao regulamento disciplinar do exército prussiano e seriam comandados em língua alemã.
A aliciação encontrou vários contratempos, pois, ainda se recordava do fracasso das legiões estrangeiras idealizadas por D. Pedro I. A oposição liberal brasileira combateu o contrato da corte alemã, feito, aliás, de conformidade com a lei 856 de 6 de setembro de 1850. Por sua parte, o governo imperial alegava que os legionários poupariam a vida de outros tantos brasileiros e que concluído o tempo de serviço militar, tornar-se-iam os soldados bons colonos, o que seria de inestimável utilidade para o povoamento do país.
Se bem que persistisse na Alemanha a aversão à migração para o Brasil, causada pela decepção dos primeiros imigrantes legionários, e Hamburgo fosse acusada de apoiar, por interesses materiais, o tráfico de alemães para o estrangeiro, dificultando tudo ainda a sabotagem do emissário do próprio Rosas e que ainda perdurou em terras brasileiras e durante a guerra, Rego Barros alcançou satisfatória e plenamente o seu objetivo ao cabo de seis meses.
Reduzido o exército libertador e constituído que era na maioria de voluntários, ficaram sem meio de vida milhares de jovens, com ótimo treinamento de campanha e espírito empreendedor e bélico. Por isso não hesitaram em aceitar o oferecimento do governo brasileiro, considerado, aliás, um verdadeiro presente caído do céu, dada a sua situação pessoal, em geral sem perspectiva.
Fiel ao compromisso assumido por ocasião da dissolução do corpo de voluntários em maio de 1848, Augusto Stellfeld ingressa em 1849 no exército regular dos Ducados como suboficial e, possivelmente, com estudos na Academia Militar de Anaburg, é promovido a alferes “portepee” e a tenente a 12 de julho de 1850 em Kiel, “por ter sido reconhecida a sua aptidão e capacidade por todos os seus companheiros.”
“Na batalha de Idstedt e no sanguinolento assalto de Friedrichstadt, deu provas de soldado valente e irrepreensível, como comandante corajoso e circunspecto; devo especialmente elogiar o seu sangue frio, mesmo no mais ardente combate.”
“A estimação e a afeição dos seus superiores e camaradas o acompanham na sua despedida deste Exército”.
Reza a fé de ofício de Augusto Stellfeld, passada a 29 de março de 1851 e assinada pelo major Lettgau, comandante do 6º batalhão de infantaria de Schleswig-Holstein.
A 8 de julho de 1850 já havia recebido a Cruz de Campanha, “em reconhecimento aos serviços prestados aos Ducados na sua luta pelo direito e honra do país.”
Nestas condições, enquanto a maioria dos veteranos preferiu prosseguir a vida como militares, partindo a primeira leva de 270 homens de Hamburgo a 7 de abril de 1851, perfazendo os 10 embarques durante esse ano cerca de 1.800 soldados, que se tornaram célebres pela alcunha “Brummer” (rezingões) e muitos mais dos quais realmente permaneceram no Brasil, improfícua mesmo que fora sua contribuição bélica, uma pequena parte deu preferência às pacíficas e bucólicas vantagens proclamadas pela Companhia colonizadora e povoadora do domínio Dona Francisca, a atual centenária e florescente Joinville, fundada a 9 de março desse ano.
Perdida possivelmente a oportunidade para servir à Farmácia ou ao exército em seus mais elevados graus, ou fossem outras as razões, somente restava a Augusto Stellfeld, já com quase 34 anos, a imigração. A resolução foi rápida e na companhia de 117 tripulantes, entre os quais vários camaradas de lutas e ideais, toma passagem na barca de três mastros “Emma e Louise”, que zarpa do porto de Hamburgo a 1º de maio de 1851, rumo ao eldorado verde, à cidade de Nossa Senhora da Graça do Rio São Francisco Xavier do Sul, na província de Santa Catarina, integrando a segunda expedição colonizadora e povoadora das glebas pertencentes ao príncipe de Joinville.
E, após uma travessia de 72 dias, chegam e pisam definitivamente terras brasileiras. E, depois de terem seguido, durante algumas horas, em canoas o rio Cachoeira acima, extasiando-se frente à bravia mata tropical, avistam a 12 de julho de 1851 a florescente colônia Dona Francisca, que já possuía dez casas de pau-a-pique, cobertas de palha, algumas das quais com acomodações para vinte famílias, construídas nas imediações do ribeirão Matias que, de sussurrante regato de águas límpidas, passou aos poucos a divisor de quintais e veículo natural do despejo da cidade, que ele viu nascer, crescer e prosperar.
São alojados os novos titãs em outros vinte ranchos construídos a alguns quilômetros além da sede, próximo ao rio Motucas, onde ainda hoje se acha Anaburgo, nome que deve recordar a famosa escola de cadetes e de suboficiais da Prússia, a qual Augusto Stellfeld e seus camaradas teriam freqüentado.
– “De início nada havia… apenas floresta,
– a terra que se abria, a terra que se dava…
– Em cada ninho novo – um cântico de festa
– Em cada galho verde – um braço que acenava!
– E pararam olhando…
– De pronto os desnorteia a encenação da terra…
– Não haviam pensado, era tudo tão grande!
– Quem pudesse saber o que a floresta encerra?
– Quem pudesse saber… Mas lá dentro é o mistério,
– um outro novo mundo,
– De mães-d’água, Sacis, Caaporas, Bois-Tatá, de feras, de répteis, de insetos, de pauis…”
– Assim foi o começo. Era uma vez?…
– Qual nada: – o rancho e, logo após, a “tifa”.
– Em toda aquela gente a vontade é uma força,
– um dilema, talvez.
– Dia a dia se agita
– toda aquela falange heróica de Titãs…
– Rasga a terra, desbrava, estende mais as roças,
– pondo uma nota humana – uma expressão bonita,
– até então negada
– à glória das manhãs.
– Este sorri, olhando o barro que amassou: vai lhe dar o tijolo, a telha para a casa;
– outro falquejava a trave; aquele a porta armou
– nos gonzos que trouxera – a fronte, em febre, abrasa. –
– Um outro firma o oitão, (não sai um’obra prima
– de técnica, mas serve). As paredes em linha
– dão ao pobre arcabouço um quê que mais anima.
– grito da araponga, imitando o ferreiro ao rebater o malho,
– não os assusta mais quando vibra, de chofre,
– acordando a manhã, no sertão brasileiro.
– Curvados, os Titãs, os nervos retesados,
– sugerem, na postura, estranhos e viris,
– uma raça – cavando outros mundos sonhados
– na grandeza feraz destes novos Brasis!
– E cantam no trabalho. Uma canção qualquer,
– um lied que relembra os tempos de criança…
– a escola, o lugarejo… um vulto de mulher
– que ficou para trás, mas vive na lembrança.”
(Do poema Os Titãs, de J. Batista Crespo in “Vida Nova”, número comemorativo do 1º Centenário de Joinville).
Edificada a colônia sobre terreno extremamente alagadiço, quando o mais acertado seria tão próximo quanto possível de São Francisco, ao menos para impressionar melhor aos colonos, a administração tratou logo da drenagem das águas; e inóspito e insalubre que ainda era o porto velho, na atual rua 9 de Março, muitos se mudaram para Anaburgo, contudo, voltaram novamente para o local escolhido, próximo ao rio Cachoeira, que na época era a única ligação com o porto de São Francisco.
Quando a 27 de setembro de 1851 deu fundo no rio São Francisco o brigue dinamarquês Gloriosa, procedente de Hamburgo e tendo a bordo mais 78 pessoas, representadas em 11 famílias e que constituíam a terceira leva de colonizadores, formada de pessoas mui decentes e civilizadas, o estado da Colônia Dona Francisca era o melhor possível, apresentando um aspecto cada vez mais agradável, não se poupando os colonos a todo e qualquer trabalho, pois, a alguns dos quais outrora serviram em seu país como oficiais militares, não repugna pegar no machado e na foice, para derrubarem as matas e aperfeiçoarem as três grandes picadas que existem abertas em diferentes direções.
“Já ali se celebram preces aos domingos em casa para isso destinada e tem havido casamentos, tudo conforme a religião que professam.”
“Também ali existem dois médicos, dois boticários, dois naturalistas, um inspetor e o diretor da Colônia, bem como dois professores, porém, estes não têm aula aberta por falta de casa própria.”
“A Colônia Dona Francisca, apresenta-se debaixo dos melhores auspícios e, dentro em pouco tempo, estará abundante e produtiva, pois há apenas sete meses de sua fundação e por isso ainda não fazem grandes colheitas de gêneros que merecem ser mencionados.”
(Da carta dirigida em 14.10.1851 ao Governo Provincial. Cezario Antônio Mendes era funcionário aduaneiro em São Francisco do Sul. As primeiras culturas agrícolas foram: cana-de-açúcar, arroz, mandioca, feijão, batata, milho, fumo, café e algodão).
Em 1852 a sede da Colônia passou a denominar-se Joinville, quando já possuía 12 casas particulares e igual número de propriedade da Companhia Colonizadora, destinadas ao alojamento dos colonos. Contava a Colônia com 25 quilômetros de estradas, inclusive 12 em demanda da serra e que constituiriam parte da estrada Dona Francisca, que permitiu mais tarde o afluxo daqueles colonizadores e povoadores para Curitiba, principalmente.
De acordo com o contrato celebrado entre o príncipe de Joinville e a Companhia Colonizadora, foi a 13 de julho de 1852 estabelecida a comuna da Colônia Dona Francisca, harmonizada e submissa às leis do Império do Brasil, mas que era o poder legislativo. Ela nomeava o Conselho Comunal, composto de 5 membros e 2 suplentes e tinha poder absoluto. O poder arbitral pousava nas mãos de um Juiz de Paz, o qual teria um substituto até que se tivesse a tradução alemã da lei fundamental brasileira. Os delitos graves ou crimes eram enviados aos tribunais para julgamento. Compunha-se o tribunal do Juiz de Paz e de 12 colonos e se reunia em dia fixo de cada semana.
Cada colono ao atingir a idade de 20 anos era considerado eleitor e, portanto, elegível para qualquer cargo público, que não podia recusar. Eram apenas isentos o médico e o farmacêutico e quem já tivesse exercido funções públicas durante um ano. Não eram, entretanto, elegíveis, os empregados da Companhia e os do príncipe de Joinville.
Quais fossem as primeiras ocupações de Augusto Stellfeld na Colônia Dona Francisca, ainda não sei: se imigrara com o propósito de exercer a farmácia e para isso, de acordo ou não com a Companhia, tivesse levado consigo uma pequena oficina farmacêutica, ou se teve mesmo o objetivo de dedicar-se à lavoura ou às duas atividades ao mesmo tempo.
Da relação dos 469 imigrantes que no ano de 1851 constituíram o primeiro “melting pot” de Joinville, e dos quais 190 eram suíços, 74 noruegueses, 3 suecos e os demais alemães, constam os nomes dos seguintes médicos: W.A. Guilherme Moeller, chegado com o “Colon”, natural da Noruega, com 27 anos, tendo permanecido na Colônia apenas um ano, apesar de benquisto. Desejando conhecer o Brasil, foi servir na legião alemã no posto de médico-chefe, em Porto Alegre; Wilhelm Nikolaus Krebs, do Hanover, com 30 anos, bem como os seguintes farmacêuticos, além de Augusto Stellfeld; S. Carlos Emílio Boedicker, que veio com a primeira expedição de F. Bernhardt Bemba e J. Christian Schluemann, vindos com o “Gloriosa”.
É possível que somente o doutor Krebs, chegado com a terceira leva, e Augusto Stellfeld tivessem por mais tempo permanecido em Joinville e exercido suas profissões, pois apenas aos dois é feita uma referência “como o primeiro médico e o primeiro farmacêutico”.
Rodowicz em seu livro pouco conhecido e cuja tradução teria sido de grande significação para as comemorações do centenário de Joinville, refere-se também ao farmacêutico Boedicker, mas que Augusto Stellfeld era o farmacêutico da Colônia, possuidor, por sinal, de uma bem humilde casinha, localizada no lote 72. (Neste lote, atravessado pelo ribeirão Mathias, com 1.166 braças quadradas e adquirido em 01/09/52, acha-se agora a tipografia Boehm – rua Visconde de Taunay, antiga dos Alemães, esquina da rua Pedro Lobo). Escreveu ainda que Augusto Stellfeld exerceu por algum tempo as funções de inspetor das mulheres e crianças a serviço da então Sociedade Colonizadora Hamburguesa.
A 16 de novembro de 1852, casa-se Augusto Stellfeld com Carlota Sofia Dorotea Halckmann, filha do proprietário feudal Wilhelm Heinrich Kalckmann que, por questões familiares, imigrou nesse ano para o Brasil, ruma à Colônia Dona Francisca, onde também adquiriu vastas glebas fora da sede. Veio acompanhado de seus filhos maiores, Carlota, Júlio, Berta e Ernestina, tendo tido a infelicidade de perder sua esposa, Carlota Guilhermina, falecida a bordo da barca “Florentin” no dia 6 de julho de 1852, e lançada ao mar nas proximidades da ilha Madeira, onde, dizem, ultimamente, vozes de além túmulo, seu corpo foi naquela época recolhido e piedosamente sepultado.
A emancipação política da 5ª Comarca da Província de São Paulo foi, sobretudo, uma conseqüência da ambição pessoal, segundo os nossos historiadores, desde os primeiros movimentos em 1811, Pedro Joaquim de Castro Correia e Sá, até o desenlace em 1853, quando se concretizaram os esforços e as lutas enérgicas para a elevação do território meridional paulista a uma nova Capitania e depois a uma novíssima Província.
Embora ambicioso e não pretendesse um só real, caso fosse o criador da nova Capitania, devemos ao terceiro neto de Salvador Correia de Sá Benevides, a origem, a expressão e o estímulo das primeiras manifestações do movimento, que havia de triunfar em 1853, bem como o remate final ao tenente coronel da Guarda Nacional João da Silva Machado, o posterior barão de Antonina, cuja presença em Curitiba, por ocasião da revolução de Sorocaba (1842), lhe inspirou duas resoluções, que ele levou a cabo com o mais inteiro sucesso: a de apossar-se de latifúndios por todas as partes da Comarca e a de conseguir a elevação dela à categoria de Província e fruir os proventos políticos que daí advieram.
Elevada pela Lei 704 de 29 de agosto de 1853, a comarca de Curitiba da Província de São Paulo à categoria de Província do Paraná e tendo por capital a cidade de Curitiba, a instalação teve lugar no dia 19 de dezembro do mesmo ano, cabendo a honrosa presidência da mais nova e última Província do Império ao conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcelos.
Vendo, possivelmente, na nova Província um campo maior e mais atraente para suas atividades profissionais e sociais, Augusto Stellfeld transfere sua residência e sua farmácia para a cidade de Paranaguá, em data ainda não averiguada e a 1º de março de 1854 nasceu nessa cidade o primeiro rebento do casal, Rosa Guilhermina Carlota Patrícia, cujos padrinhos foram Francisco Pinheiro e Patrícia Pinheiro, batizada, bem como todos os seus irmãos, na igreja católica.
O Decreto Federal n.º 598 de 1850, melhorando o serviço sanitário da Corte e de outras povoações do Império, criava a Junta de Higiene com poderes de exercer a polícia médica nas visitas de embarcações, nas boticas, lojas de drogas e em casas onde pudessem provir danos à saúde pública e cujo regulamento foi aprovado e mandado executar pelo Decreto n.º 828 de setembro de 1851.
Da situação da medicina e da farmácia em Paranaguá nessa época pouco se sabe, entretanto, devia ser importante e bem agitada, assim é que a 5 de outubro de 1854 o farmacêutico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, José Ferreira Guteris, estabelecido em Paranaguá, dirigiu uma enérgica petição à Câmara Municipal local, dizendo:
“que tendo estabelecido uma botica, exerce a arte farmacêutica, mas não pode prescindir de solicitar a proteção dos dignos vereadores para que a sua profissão não continue a ser exercida senão por indivíduos que tenham um título legal; que o fato mais inaudito e que deve ser condenado pela honestidade, é, sem dúvida, aquele que lançaram mão os indivíduos que, em Paranaguá e contra o artigo 25 do indicado regulamento, exercem a nobre profissão de curar, escrevendo suas receitas em tal linguagem e com abreviaturas tais em ordem a serem as mesmas aviadas por certas e determinadas pessoas.”
E, à vista do que havia expedido, e não encontrando na Lei de 1850, que criou a Junta de Higiene, nenhum artigo que faculte o exercício da medicina a quem não tiver um título conferido pelas escolas de Medicina do Brasil, não podia deixar de protestar perante a Câmara Municipal e perante todas as autoridades da Província, contra tão imprudente charlatanismo.
O delegado de polícia de Paranaguá também recebeu uma carta do colega Guteris, que levou ao conhecimento desta autoridade que na cidade de Paranaguá existem “certos indivíduos que, sem título legal, exercem a medicina e a farmácia”, pedindo em seguida providências para cessar semelhante abuso.
O arguto delegado, Manuel Leocádio de Oliveira, cônscio de suas atribuições, escreveu ao presidente e vereadores da Câmara Municipal que,
“sendo puramente da atribuição da Câmara Municipal providenciar a respeito, é de esperar do acurado zelo e patriotismo que distingue a Câmara Municipal de Paranaguá, a bem de seus munícipes, que ela, tomando aquelas cautelas que a prudência de seus dignos membros aconselha neste caso, possa dar as providências que, satisfazendo aos preceitos da lei, satisfaça ao mesmo tempo aquele que tão alto fala: o das necessidades públicas.”
Ignora-se o epílogo desta justa e curiosa campanha e quais as providências tomadas pelo presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos, a quem o colega Guteris também dirigiu uma petição e que foi em seguida encaminhada à Câmara Municipal de Paranaguá para informar, bem como se Augusto Stellfeld foi um dos visados pelo farmacêutico Guteris, pois, de fato, não possuía ainda um título legal para exercer a farmácia no Brasil.
O fato concreto é que Augusto Stellfeld, possuidor de um diploma para exercer a farmácia em sua terra natal e expedido a 15 de novembro de 1848, vai prestar exame de revalidação do seu diploma, previsto no Decreto de 1850, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e que se realiza no dia 18 de maio de 1855, sem nenhuma discrepância; são seus examinadores os professores João José Carvalho, Manoel Maia de Morais e Vale e Ezequiel Corrêa dos Santos, adquirindo, conseqüentemente, os direitos para exercer a Farmácia em todo o Império.
Regressando a Paranaguá, nasce a 22 de junho do mesmo ano seu segundo filho, Afonso Antônio, cujos padrinhos são o doutor Antônio Francisco de Azevedo e dona Ana Azevedo.
Curitiba, na época de sua elevação à capital da Província do Paraná, era uma insignificância, que de cidade tinha somente o predicado oficial. Mas, já possuía quatro igrejas, embora uma delas inacabada e cujos paredões enormes e sombrios, no alto do São Francisco, são os últimos remanescentes da pacata vila de outrora.
Existiam 308 casas e duas escolas primárias, uma para cada sexo e os lampiões nas vias públicas podiam ser contados. Mas, não havia uma única farmácia ou botica pública e o único médico, apenas há algumas semanas chegado, era o benemérito doutor José Cândido da Silva Muricy, natural da Bahia, com serviços no corpo fixo da guarnição militar e que exercia ainda as funções de vacinador e manipulador de bolas de estricnina para os cães vadios e sem dono.
Seria perfeitamente admissível que com a instalação da Província, afluíssem para sua capital farmacêuticos, médicos e cirurgiões dentistas, e iniciassem suas atividades profissionais. Entretanto, os primeiros anúncios no jornal Dezenove de Dezembro referem-se a dentistas de passagem por Curitiba e especialistas em
“chumbações de ouro e em dentes postiços minerais, americanos, incorruptíveis, presos em chapas de ouro fino, não deixando cheiro algum à boca e servem para todos os intentos da fala e da mastigação.”
Outros anunciavam que também faziam a barba, cortavam os cabelos e aplicavam ventosas.
“Não havendo botica alguma nesta cidade e sendo doloroso que a pobreza sofra nas suas enfermidades por falta de medicamentos”, o presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos autorizou ao doutor Muricy, não se sabe se também era farmacêutico, dar remédio grátis àqueles indivíduos que para esse fim a ele recorressem e que provassem ser, evidentemente, pobres, porquanto os remediados já eram naquela enfermaria atendidos, sempre, possivelmente, que não pudessem ser conseguidos os medicamentos em Paranaguá ou em casos de grande urgência.
Sob forma de verdadeira pandemia o Cólera-morbus, depois de causar milhares de vítimas pela Europa, chegou ao Brasil no ano de 1855 e a primeira província a ser atingida foi a do Pará, admitindo-se, a princípio, que fosse algum andaço, em conseqüência do tempo e consumo de frutas e carne de má qualidade.
Em vista dos estragos que o cólera vinha fazendo no Pará, o vice-presidente da nossa Província, Beaurepaire-Rohan, tratou logo de criar em Paranaguá uma comissão de Saúde; preocupou-se com a construção de um ou dois lazaretos, com a caiação das casas, com a limpeza e asseio da cidade, além de outras medidas “se não para impedir o cólera, ao menos para minorar-lhe os danos e acudir a tempo aos que padecem.”
A imprensa curitibana, aliás, o Dezenove de Dezembro
, também pedia vistas para o estado lamentável de Curitiba, com suas ruas de lama e rodeada de charcos, “que se prestam para o desenvolvimento dos miasmas os mais deletérios.” Convidados os cidadãos curitibanos a se reunir e consultar sobre os meios de garantir-se contra a invasão da terrível epidemia, entre outros meios considerados puramente preventivos e aconselhados pela higiene, apresentaram ainda outros, considerados indispensáveis, como o seguinte:
“procurar obter, quanto antes, do Governo Geral ou Provincial, uma botica suficientemente sortida de medicamentos sãos e em quantidade conveniente para poder-se fornecê-los, não só à população em geral, como a do interior, se por infelicidade se tornar isto preciso.”
Começam na matriz de Curitiba as preces ao Altíssimo, afim de preservar a população da peste que causava vítimas no Pará, na Bahia e na Corte. Ao mesmo tempo e durante longos meses o Dezenove de Dezembro anuncia à disposição dos fiéis e dos devotos a milagrosa estrela do céu contra a peste, bem como a oração de Nossa Senhora do Desterro e outras extraídas dos melhores livros de piedade, e próprias para implorar a misericórdia de Deus no tempo da peste.
O doutor Muricy, enviando um relatório ao Governo Provincial e indicando os meios para a prevenção da epidemia, pediu a vinda de seis médicos e dois farmacêuticos, pois, havia lugares populosos onde não havia ao menos um curandeiro.
“E, porque de nada serviria a presença desses doutores à vista da falta absoluta de remédios próprios para combater o cólera, maximé serra acima, onde não há uma só botica”.
Esperava que também fosse solicitada a remessa de medicamentos que deixava de enumerar por deles se ter pleno conhecimento no Rio de Janeiro, e também os utensílios próprios para o preparo, não esquecendo outros para os casos ordinários.
As providências do Governo Provincial prosseguiam com eficiência e entusiasmo e as notícias vindas do Rio de Janeiro eram cada vez mais animadoras. O Dezenove de Dezembro já anunciava a distribuição gratuita das estrelas milagrosas e no relatório apresentado a 7 de janeiro de 1857 à Assembléia Provincial, o presidente Vaz Carvalhaes externou as seguintes idéias no capítulo Salubridade Pública.
“O conceito de geralmente salubre, de que goza esta Província, quando não possa ser reforçada pelo recente fato de não ter sido acometida pelo cólera, tem incontrastável documento na falta quase absoluta de médicos e boticas nos distritos de serra acima. Os habitantes da capital quando atacados de moléstia grave, superior à capacidade dos experientes, têm por único remédio o médico do corpo de guarnição fixa e os medicamentos do hospital militar. Os das povoações do centro nem esse recurso possuem, arranjam-se como podem, e nem por isso a mortalidade ressente-se de semelhante falta.”
“Dir-se-á, senhores, que não é a escassez das moléstias, mas à insignificância das povoações, que não suporta ainda a permanência de médicos e farmacêuticos, é devido um tal fenômeno, mas dado mesmo, o que contesto, que o aumento procede em relação às vilas do interior, não explica ela a mesma falta que se nota na capital. O certo é que os médicos que por aqui aparecem não param, mudam logo de profissão, sem que se possa achar para isso outro motivo além da maravilhosa salubridade do clima.”
“Terminarei este capítulo, Senhores, informando-vos que aproveitei a casual passagem por esta capital do médico francês Evaristo Gautier, a quem a salubridade do clima já tinha transformado em negociante de tropas, para ajustar com ele o estabelecimento de uma botica bem sortida na capital, assegurando-lhe o fornecimento dos medicamentos precisos às enfermarias sustentadas com o dinheiro público.”
Fosse para estender suas atividades profissionais, ou vendo que o campo em Paranaguá se tornava cada vez mais limitado e quiçá mesmo hostil, ou ainda para atender a um pedido do presidente da Província ou ainda, a um apelo do doutro Muricy, a quem mais tarde se ligava por sólidas relações de amizade e de parentesco, Augusto Stellfeld transfere sua residência para Curitiba, publicando no Dezenove de Dezembro do dia 8 de abril de 1857 o seguinte anúncio:
“Augusto Stellfeld, boticário formado na Alemanha e aprovado pela Academia do Rio de Janeiro, participa ao respeitável público que se acha estabelecido nesta capital com botica completamente sortida, e residindo provisoriamente no hospital da Santa Casa de Misericórdia.”
“O anunciante declara que brevemente passará o seu estabelecimento para a rua Direita, casa do senhor Miguel Miller.”
Conquanto o Dezenove de Dezembro não tivesse dado maior importância à instalação de uma botica em Curitiba, tão seguidamente reclamada, o senhor Presidente da Província no expediente do dia 31 de março de 1857, enviou o seguinte ofício ao tenente coronel comandante do corpo fixo:
“Tendo-se ultimamente estabelecido nesta capital uma botica, onde podem suprir os que carecem de medicamentos, fica cassada a autorização que tinha o médico desse corpo para poder vender para fora do quartel drogas e remédios preparados na botica do mesmo Corpo. O que lhe comunico para sua inteligência e execução.”
A data 7 de abril, comemorada pela primeira vez em 1907, por ocasião do cinqüentenário da então farmácia Alemã, foi fixada, ao que parece, posteriormente, pois, no mais antigo livro que a firma possui, iniciado em Paranaguá a 1º de março de 1856, não se nota uma referência ao dia 7 de abril de 1857, que é apenas uma seqüência dos anteriores. Nesse mesmo livro o último registro em Paranaguá foi a 12 de março de 1857 e o prosseguimento, já em Curitiba, a 23 de março, tendo assim dado motivos ao aviso presidencial de 31 do mesmo mês e acima referido. No relatório apresentado pelo 2º vice-presidente da Província do Paraná, José Antônio Vaz de Carvalhaes, sobre o estado da administração da Província no ano de 1857, foi dito que “os recursos médicos desta cidade aumentaram-se este ano, com o estabelecimento de uma botica completamente sortida, dirigida pelo farmacêutico Augusto Stellfeld.
Como e porque Augusto Stellfeld inicia suas atividades profissionais na primitiva Santa Casa de Misericórdia, situada na rua dos Alemães (a atual 13 de Maio), esquina da rua do Louro (atual Serro Azul), não sei, bem como os pormenores das mudanças, até a derradeira para o Largo da Matriz, a atual praça Tiradentes, em fevereiro de 1866. Mas desde que chega em Curitiba e onde a 17 de abril de 1857 nasce seu primeiro varão curitibano, Bruno Guilherme, e como se aqui residisse há longos anos e conhecesse perfeitamente seus habitantes e seus costumes, interessa-se de corpo e alma pela comunidade, tornando-se um cidadão prestimoso, acatado e benquisto.
Também no Brasil os poderosos eram enterrados no silêncio das igrejas, em catacumbas de parede ou ao rez do chão, e como as igrejas nem sempre comportavam grande número de corpos, aqueles lugares ficaram reservados aos mais chegados ao clero ou às dinastias, contentando-se os demais em ser inumados nas proximidades dos templos.
Aqui, em Curitiba, também era assim. No tempo da velha matriz os defuntos eram sepultados nas suas adjacências, bem como no interior das igrejas do Rosário e de São Francisco das Chagas. Contudo, com a chegada do presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos, a construção de um cemitério católico, já cogitada em 1834, foi um dos seus primeiros atos. Embora iniciada em dezembro de 1854, somente foi concluída em janeiro de 1866.
No dia 20 de agosto de 1857 faleceu em Curitiba o cidadão hamburguês Frederico Prohmann, imigrado também de Joinville, mas, protestante que era, não pôde ser enterrado no cemitério católico, salvo extra-muros, com o que não concordaram seus parentes e amigos. O enterramento foi feito em uma das amenas elevações da cidade, em pleno campo e em seguida foi dirigida uma petição à municipalidade, solicitando aquela área para o descanso eterno dos protestantes.
Obtido o terreno, foi constituído o “Friedhofsverein” e como sinal de gratidão aos serviços que Augusto Stellfeld prestou para a efetivação da doação do terreno, o presidente e demais diretores da sociedade do cemitério, em manuscrito data do de 17 de agosto de 1862, concederam-lhe, gratuitamente, uma área designada sob número 1 na planta, para jazigo de sua família.
Por ocasião da guerra do Paraguai, enquanto os moços e os que tinham o espírito bélico apresentaram-se como voluntários e seguiram para os campos de batalha e lá prestaram seus serviços e deram o seu sangue e a sua vida, outros ofereceram ao governo seus préstimos, assim para o policiamento da cidade, desde que grande parte da companhia da força policial também havia seguido para a luta, incorporada aos voluntários da pátria.
Augusto Stellfeld é nomeado sargento-quartel mestre do 1º batalhão de reserva da Guarda Nacional a 22 de fevereiro de 1865 (função administrativa) e 12 dias antes havia enviado o seguinte ofício ao então presidente da Província, doutor José de Pádua Fleury:
“Como filho adotivo do Brasil, julgo do meu dever contribuir conforme as minhas posses para o bom êxito desta guerra e castigo a um inimigo insolente e traidor, e para vingar a honra nacional ofendida. Venho, pois, oferecer o fornecimento gratuito durante a guerra atual às famílias dos voluntários, soldados deste distrito, os medicamentos precisos, como também para aviar gratuitamente as receitas na enfermaria militar desta guarnição.”
Este gesto, este desprendimento, esta prova de amor ao Brasil, foi esquecido poucos meses mais tarde pelo redator do Dezenove de Dezembro que, em data de 25 de outubro de 1865, sob o título “Antes tarde do que nunca”, escreveu:
“Consta-nos por pessoa fidedigna que vamos ter a felicidade de em breve possuir nesta capital um farmacêutico hábil e inteligente brasileiro. Benvindo seja o senhor tenente Joaquim Antonio Pereira Alves e ansioso esperamos a sua chegada, pois, só assim mais livres estaremos da sujeição de um só competidor, havendo, como esperamos, o concurso do senhor Pereira Alves.”
Apenas 20 anos mais tarde, Joaquim Pereira Alves, depois de cerca de 30 anos de exercício da profissão em Paranaguá, instala a farmácia Pereira Alves no Largo do Mercado, n.º 30, contrastando o seu anúncio circunspecto com ofertas espalhafatosas de milagrosos depurativos, estimulantes, anti-peçonhentos, óleo animal, extraído da banha de rins de carneiros das montanhas Rochosas dos Estados Unidos, específico para a cura do garrotilho, à venda em… diversos armazéns de secos e molhados e quinquilharias de Curitiba.
Não se lembrava mais aquele redator, especializado em morfinas, do nobre e altruístico gesto de Augusto Stellfeld que, além de tudo, era hábil e inteligente e tão bom brasileiro como quem mais sua origem lusa e ufania pela cidadania brasileira quisesse realçar.
Não se recordava mais da notícia que em 12 de outubro de 1864 havia publicado, quando se originou no comércio paranaense um verdadeiro pânico devido à notícia que a moeda de prata chamada “boliviano” e que corria em profusão em virtude da nossa exportação de erva-mate para o Rio da Prata, quando não era falsa, não tinha o peso legal, e assim era recusada na cidade. Confiado pelo presidente da Província o caso à competência de Augusto Stellfeld, ele, depois de analisar a moeda, apresentou o seu laudo, declarando que cada boliviano tinha 172 grãos de prata e 80 grãos de liga, que seu peso era exato, não tendo encontrado uma única moeda falsa, o que foi suficiente para tranqüilizar o comércio e reabilitar a moeda.
E, enquanto Augusto Stellfeld e comerciantes curitibanos declaravam pelo referido periódico que aceitavam o boliviano em suas transações com o povo pelo preço corrente de 800 réis, o próprio Dezenove de Dezembro, talvez apocrifamente, anunciava a compra da mesma moeda de prata por 550 réis!
Não se recordava mais o Dezenove de Dezembro que em 1863, quando a questão Christie tocou intimamente nos brios e patriotismo dos brasileiros e quando foi aberta a subscrição nacional para auxiliar a despesa de segurança do Império e aplicada a aqui arrecadada, para a fortificação dos nossos portos, Augusto Stellfeld foi um dos subscritores. Não assinou, na verdade, uma importância igual ou maior à ofertada pelo presidente da Província, seus auxiliares de alta categoria, pelos ricos da capital e do interior, mas também não foi inferior à subscrita pelo jornalista!
E, não se recordava mais que, decorrido apenas um ano da abertura da botica Alemã, publicava o Dezenove de Dezembro (17.04.1858) uma notícia que Augusto Stellfeld havia lido no sereníssimo e enciclopédico Jornal do Comércio do Rio de Janeiro de 25 de março e por sua vez transcrita sem comentários do Correio de Minas, que anunciava o aparecimento da famigerada gitiranaboia:
“este perigosíssimo inseto, que contém em si o veneno mais sutil e que mata, irremediavelmente, em poucas horas o indivíduo que tem a infelicidade de por ele ser ferido; por debaixo do peito existe a mortífera arma como vulgarmente se diz, um ferrão de meia polegada de comprimento e grossura de agulha entrefina. Se este inseto chega a tocar qualquer parte do corpo em que possa injetar o seu veneno, a morte é a conseqüência infalível.”
Esclarece, em seguida, Augusto Stellfeld que o inseto é inocente, que a chamada arma mortífera ou ferrão é a tromba com que costuma chupar as substâncias líquidas das flores e, portanto, não contém veneno algum; que tem dois exemplares de gitiranaboia em sua coleção, um trazido de Santa Catarina e outro capturado aqui no Assungui e que terá muito prazer em mostrar em sua casa o interessantíssimo e inocente inseto, que causou tanto espanto aos habitantes de Minas Gerais.
Imagine-se o pavor e o desconhecimento absoluto desse fantástico inseto cem anos atrás, se ainda agora, Cândido de Figueiredo em seu Novo Dicionário da Língua Portuguesa (4ª edição) diz que:
“jequiranaboia é uma espécie de cigarra, de cabeça grande e cuja picada é fatal aos homens e às plantas!”
A 30 de janeiro de 1880, na qualidade de suplente, entra em exercício do cargo de subdelegado de polícia do distrito norte de Curitiba.
A 21 de maio do mesmo ano chegam a Curitiba D. Pedro II e Dona Tereza Cristina, acompanhados de dignitários da Corte e elementos representativos do governo. Além de satisfazer seu antigo desejo de visitar a capital da Província, para cuja instalação tanto havia se interessado, D. Pedro viera assistir à inauguração do hospital da Santa Casa de Misericórdia e aos serviços da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba, com o lançamento oficial do marco zero na cidade marinha.
Augusto Stellfeld, já capitão da guarda nacional, faz parte da comissão organizadora do programa de recepção e também da comissão de organização dos batalhões e do préstito.
Como prova de reconhecimento público aos relevantes serviços prestados ao Brasil, D. Pedro II confere a Augusto Stellfeld a comenda da Ordem da Rosa, no grau de Cavaleiro e cujo diploma é passado no Rio de Janeiro a 4 de setembro de 1880.
Em julho de 1882 concorre às eleições para vereadores da Câmara Municipal de Curitiba, conseguindo o primeiro lugar e com apenas 25 votos, dados pelos remanescentes daqueles homens de sã consciência. Foram seus companheiros o doutor Trajano Reis, Joaquim Ventura Torres, Joaquim José Belarmino de Bittencourt, Matias Taborda, Isaias Augusto de Andrade, entre outros. Agradece pela imprensa e promete empregar todos os esforços para corresponder à confiança que, tão generosamente, nele depositaram os eleitores.
Em 1885, o doutor Brasílio Machado, presidente da Província do Paraná, antecipando-se ao próprio governo real e as demais Províncias do Império, põe em execução o ato de 3 de dezembro de 1883 do presidente Oliveira Bello, criando o ensino obrigatório. Lutou com dificuldade o Presidente e seus auxiliares na realização da nobre tarefa, pois, a população proletária, principalmente, furtava-se a dar os meios necessários para o arrolamento escolar; uns pais pensavam que se procedia por este sistema a um recrutamento para a marinha; outros que se procurava desta forma fazer cobrança de algum imposto novo e outros, finalmente, diz o Dezenove de Dezembro de 22.04.1885, procediam com maquiavelismo, aproveitando as crianças em trabalhos domésticos, muito embora com prejuízos da instrução.
O periodista afirma com entusiasmo que os resultados da campanha já são observados e chega mesmo a comparar a eficiência do ensino no Paraná com o dos Estados Unidos da América do Norte, onde, apesar do seu progresso, o setor do ensino primário ainda apresenta suas deficiências. Faz uma exortação aos pais, no sentido de poderem proclamar até o fim do ano que todos seus filhos, de 07 a 14 anos, sabem ler, pelo menos o primeiro livro de leitura, dada a excelência do novo método de ensino.
É publicado um recenseamento das escolas públicas de Curitiba, em número de 20, inclusive particulares e que constituíam a maioria, acusando um total de 1.136 alunos, além de 81 que freqüentavam as aulas noturnas e dos quais 23 eram adultos. Havia, ainda, alunos do Instituto Paranaense e das escolas dos corpos, todos maiores.
Havia um chefe da Superintendência do Ensino Obrigatório. Augusto Stellfeld exerce as funções de superintendente do 1º distrito de Curitiba e na visita que faz à escola Alemã, constata a matrícula de 141 alunos, mais do dobro do Colégio Curitibano e do Partenon, que eram os mais acreditados.
Mais tarde, o presidente Taunay relegando para um segundo plano o ensino obrigatório, considera de máximo interesse e mesmo vital para todo o Brasil a imigração européia, que aqui no Paraná fora tão bem iniciada pelo presidente Lamenha Lins. E, imbuído destes propósitos, o autor da epopéia da Laguna cria várias sociedades de imigração, tanto no capital como no interior, e determina que nos papéis e correspondência oficiais, seja substituída a denominação colono pelo vocábulo imigrante , muito mais expressivo e de maior exatidão científica, o que deu motivos a mais uma crítica ao seu governo pelo órgão do partido liberal.
A 6 de outubro de 1885 funda-se, em Curitiba, a filial da “Sociedade Colonial de Berlim”, recentemente fundada e que tinha por objetivo procurar estreitar as relações da Alemanha com as colônias e imigrantes alemães em toda a parte do globo. Estava a Sociedade vivamente interessada pela imigração das províncias meridionais do Brasil, procurando para isso conquistar relações comerciais e promover a imigração para os nossos portos por meio de linhas diretas de vapores, comprando, ainda, terras para seus compatriotas.
A reunião no Grande Hotel é presidida por Augusto Stellfeld e honrada com a presença do presidente Taunay, aliás, aclamado naquela noite presidente honorário da filial da Sociedade Colonial de Berlim, por unanimidade, em sinal de gratidão e estima consagradas “ao grande apóstolo da imigração.”
Aprovados os estatutos e eleita a primeira diretoria, Augusto Stellfeld integra o grupo de cinco conselheiros.
Na sessão da Câmara Municipal de 7 de janeiro de 1886, Augusto Stellfeld é eleito vice-presidente, ocupando, porém, imediatamente, a presidência até o fim do seu mandato.
A atual praça Tiradentes, onde a 29 de março de 1693 reuniram-se os povoadores da paróquia de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais de Curitiba, e aclamaram seis homens de sã consciência, para que estes constituíssem as autoridades da administração e da justiça e, conseqüentemente, ficasse instalada a vila de Curitiba, até fins do século XIX não passava de um largo deserto, “um imundo potreiro de animais, que por abuso inqualificável dos proprietários ali pastavam de noite e até de dia.” (Relatório do presidente Taunay).
Graças aos préstimos do coronel Pereira Gomes, comandante do 3º regimento de artilharia de campanha, a praça em pouco tempo foi radicalmente remodelada e ajardinada, com os passeios diagonais e em cruz. E, por ocasião da inauguração, assistida, entre outros, pelo então acadêmico de medicina Vitor Ferreira do Amaral e que nos contou o episódio a seguir, Augusto Stellfeld, na qualidade de presidente da Câmara, exaltando em breves palavras o empreendimento público, em nome dela, faz a entrega da quantia de um conto de réis (mil reais, em moeda atual) aos soldados que haviam participado das obras.
Do mesmo modo, o extenso charco em que se espraiava o rio Belém, merece a atenção dos governos provincial e municipal, formando-se, como por um encanto, o belíssimo Passeio Público e que realmente se tornou, como prognosticava o Dezenove de Dezembro, um dos mais apreciados e procurados locais de recreio desta cidade e para o futuro motivo de justa ufania. Foi um dos principais “motores da transformação“, o senhor Francisco Face Fontana, nomeado depois seu diretor. Augusto Stellfeld faz também uma rápida alocução ao ato, entregando à cidade o pitoresco logradouro.
Em maio de 1886 realizar-se-ia a Exposição Sul Americana de Berlim, e Augusto Stellfeld faz parte da comissão nomeada para constituir-se centro receptor de todos os produtos da Província e destinados àquela exposição.
A 7 de janeiro de 1887, quando prestaram juramento e tomaram posse os novos vereadores da Câmara Municipal de Curitiba, Augusto Stellfeld lê o relatório da sua administração, dizendo “que nas circunstâncias precárias em que se achavam os cofres da Câmara, devido a operações dos anos anteriores, que comprometeram as suas rendas por muitos anos, não pôde a Câmara nos últimos tempos e sob a administração atual, empreender obras de vulto, entretanto não fora inativa.”
Enumera os principais problemas da sua gestão, como a questão da dívidas, que passavam de 200:00$000 (duzentos contos de réis); embora na administração anterior fosse amortizada apenas a quantia de 300 mil réis, no seu mandato foi possível sortear apólices no valor de Rs. 7:700$000 (sete contos e setecentos mil réis), além do pagamento de juros da dívida consolidada, no valor de Rs. 11:239$000 (onze contos, duzentos e trinta e nove mil réis).
É preciso ponderar que só a amortização das apólices representava uma grande parte da arrecadação anual da Câmara Municipal e que naquele tempo a edilidade ocupava uma das salas da cadeia nova, “prédio de proporções acanhadas e de péssima construção”, e obrigada ainda a pagar ao tesouro provincial o alto aluguel de 100$000 mensalmente.”
Merecem referências no relatório a necessidade de um novo cemitério, apesar do excelente estado sanitário do município, onde não apareceram certas enfermidades que continuavam a reinar na capital; o abastecimento de água potável, a limpeza pública, a iluminação da cidade, que devia ser a gás e não elétrica.
Na opinião da comissão relatora da Assembléia Provincial:
“o sistema de iluminação elétrica ainda não está bem estudado e cujo processo tem sido vário” e que “o malogro a que se têm sujeitado as cidades que a experimentaram, nos afastam do mesmo caminho e nos aconselham a escolha de um sistema bom e já anos experimentado e conhecido.”
Contudo, embora aprovada pela comissão relatora da Assembléia Provincial a iluminação à gás, o melhoramento assim projetado não se efetivou, tendo sido Curitiba a segunda cidade do Brasil a adotar a iluminação elétrica.
A ojeriza partidária e racial que o Dezenove de Dezembro, bem como os liberais, em geral, tinham pelo presidente Taunay e também, indiretamente, por Augusto Stellfeld, manifestava-se ainda no carnaval de 1887, quando o grupo carnavalesco Nihilistas do Averno, apresentava um regular número de carros alegóricos (carros de idéias, como eram chamados naquelas épocas), os quais pelas cinco horas do domingo entraram pela rua da Imperatriz (a atual Rua XV de Novembro ou a mundialmente conhecida Rua das Flores de Curitiba), precedidos de uma banda de música a cavalo e fantasiada, e de uma esplêndida grande de honra, e percorrem a limitada área urbana de Curitiba.
O quarto carro alegórico, diz o Dezenove de Dezembro, de 24 de fevereiro de 1887:
“apresenta a jardim da Praça Dom Pedro II, tendo no centro um ex-presidente de Província, muito conhecido pelos imigrantes e um ex-presidente da Câmara Municipal, que não sabe falar português”.
Da porta da farmácia, Augusto Stellfeld, há menos de dois meses que havia deixado a presidência da Câmara Municipal, envergando a impecável sobrecasaca, com o cobiçado botão da Ordem da Rosa na lapela, e coifando contemplativamente a bem tratada barba branca, e protegendo com a mão esquerda a vista, já sensivelmente cansada, dos últimos raios solares douravam e aqueciam o rejuvenescido pátio, e elevando assim um pouco aquele barrete de veludo vermelho, símbolo da sua amada profissão e com o qual, quando crianças, brincávamos, ignorando o seu significado e o seu inestimável valor que hoje e para sempre teria para nós, percebe que um daqueles bonecos é a sua própria pessoa, como se estivesse refletida num espelho muito grande.
Indubitavelmente acha bem engraçado, mas profunda e amargamente ingrata aquela crítica; contudo, sente-se orgulhoso ser criticado publicamente ao lado de um Taunay.
A 8 de novembro de 1891 recebe o diploma e a medalha de Membro Fundador da “Societé Scientifique Européenne”.
A Campanha Federalista, com seus lúgubres “dias fratricidas”, é um dos últimos capítulos da vida de Augusto Stellfeld, quase octogenário. Talvez não tivesse tido nenhuma participação ativa, além da absoluta lealdade ao regime constituído, contudo seus filhos, Bruno, tenente da cavalaria, com curso na Escola Militar do Rio de Janeiro, e Edgard, tenente do sexto batalhão de infantaria da guarda nacional, prestam serviços de guerra.
Augusto Stellfeld assina ainda uma cautela de empréstimo, sob responsabilidade dos chefes da revolução, de mar e terra no valor de Rs. 400$000, recebidos pelo barão do Serro Azul, a 30 de janeiro de 1894.
Uma semana mais tarde, a 7 de fevereiro de 1894, falece súbita e tranqüilamente, feliz com o justo e terno descanso que o Juiz Supremo do Universo lhe concede, deixando dois filhos, “hábeis e inteligentes” na direção da sua farmácia, a primeira de Curitiba.
Quando à 7 de abril de 1907, comemorando-se o cinqüentenário da fundação da Farmácia Alemã, foi inaugurada a Rua Augusto Stellfeld, o periódico Diário da Tarde, ainda me recordo, glosando o acontecimento sob a forma de diálogo, pergunta: “quem foi Augusto Stellfeld? Ao que o outro responde: foi o pai do deputado Edgard Stellfeld.
Ahn! Exclama o primeiro, resignadamente e crente que a homenagem que hoje é prestada tão abusiva quão displicentemente, foi feita para satisfazer apenas a vontade de um deputado, um político!
E quando o Brasil, na primeira guerra mundial declara guerra à Alemanha, os gestos, as manifestações patrióticas dos exaltados, culminam, depois da depredação em estabelecimentos de ensino, do comércio e da indústria, arrancando apoteótica e violentamente as placas da Rua Augusto Stellfeld.
[Voltar]
Maravilhosos comentarios e muito boa a narração dos fatos e da historia
Caro Vladimir
Bela história que retrataste sobre meu tataravô, de quem me orgulho ser descendente. Gostaria porém de pedir para que arrumasse em seu texto o nosso sobrenome, com a grafia correta que segue: STELLFELD.
Grata pela atenção, certa da sua compreensão, deselho-lhe os melhores votos.
cordialmente,
Carolina Stellfeld
Carolina:
Assim que tiver um tempinho, eu corrigirei.
Abs