“Procura-se espermatozoide em bom estado de pai loiro, alto, atlético e bem-humorado. Paga-se bem.”
Este anúncio é fictício, mas não tem uma gota de sensacionalismo: no mercado brasileiro de sêmen, que aumentou 528% em 18 anos e ultrapassou a 1.300 amostras comercializadas em 2012, a demanda que mais cresce é a por doadores com pinta de viking.
Esse “baby boom” foi impulsionado por mulheres solteiras (adeptas a “produções independentes”) e casais de lésbicas, que respondem por um em cada três procedimentos de gravidez artificial –em 2005, eram 5%.
Diferentemente dos casais inférteis, que buscam doadores parecidos com os futuros pais, as meninas querem filhos no “estilo David Beckham”.
Segundo o Pro-Seed, maior e mais antigo banco de sêmen do Brasil, o crescimento da renda e o acesso à informação fazem a procura por espermatozoides congelados bater recordes a cada ano. O laboratório privado, no térreo de um prédio de escritórios na Bela Vista, já vendeu 11 mil amostras de esperma paulistano para mais de 200 clínicas espalhadas pelo país.
A partir das doações dos voluntários (que não podem ser pagos, segundo a lei brasileira), o banco cria uma espécie de “cardápio” com as características físicas dos doadores. Entre elas estão cor da pele, cabelo, olhos, tipo físico, profissão e hobbies.
Por falta de demanda, orientais e negros são mais raros, com 5% e 10% das amostras. “Mas a procura por negros tem aumentado”, afirma Vera Feher, diretora do Pro-Seed.
Mesmo num país de 200 milhões de habitantes, teme-se a chance de que filhos do mesmo doador se apaixonem. Para evitar o risco, o Conselho Federal de Medicina e a Anvisa determinam que cada voluntário só possa gerar uma criança de cada sexo em uma mesma região.
O fotógrafo Adriano Oliveira, 28, é um dos veteranos, com mais de dez contribuições. “Perdi um filho recém-nascido por erro médico. Sempre tive vontade de ser pai. Por isso me preocupo com quem não consegue.”
No Brasil, tanto os doadores quanto os casais são anônimos. Adriano torce para que sua contribuição “vá para as mãos certas, para quem realmente ame e cuide com carinho”.
Além de amor, quem decide engravidar em laboratório tem que estar disposto a pagar de R$ 1.600 a R$ 2.200, dependendo do processo escolhido –fertilização in vitro (embrião gerado fora do corpo e depois inserido no ventre da mulher) ou inseminação artificial (espermatozoides introduzidos diretamente no útero da paciente).
Já o doador não recebe nada, ao contrário de países como Estados Unidos, onde ganha-se em média US$ 50. Mas Vera aponta vantagens para o doador: “Além de ajudar outras famílias, quem doa faz vários exames gratuitamente”.
‘VOCÊ TEM BOLAS?’
O “vestibular” da doação elimina 90% do material. O candidato deve ter de 18 a 45 anos e manter abstinência sexual (masturbação inclusa) de três a sete dias antes da coleta.
Na análise do esperma, boa parte do estoque é limada.
“Em 20 anos, percebemos que a concentração média de espermatozoides por miligrama de sêmen caiu pela metade”, conta Vera.
“As causas são ligadas a estresse, poluição, alimentos com agrotóxicos e sedentarismo”, ela afirma.
Após o espermograma, o material passa por exames sorológicos (Aids, Hepatite B e C, sífilis e outros). Se tudo correr bem, o homem faz ao menos seis coletas (a cada sete ou 15 dias).
Na Inglaterra, onde um em cada seis casais tem problemas para engravidar, uma campanha de doação espalhou pôsteres em estádios: “Do you have balls?” (“você tem bolas?” –a palavra “balls” também pode significar “coragem” em inglês).
Por aqui, as campanhas são menos enfáticas, e o número de “contribuintes” também é tímido. “São oito ou dez por mês. O ideal seriam 50”, diz Vera.
REPÓRTER RELATA EXPERIÊNCIA NA ‘SALINHA’ DE COLETA
Acordar cedo para conseguir chegar no laboratório, cumprimentar a recepcionista, conversar com a médica, fingir estar tranquilo e enfim entrar na salinha de coleta de sêmen já seria tarefa difícil. Com gravador na mão, crachá do jornal e fotógrafo a tiracolo, a missão se torna especialmente ingrata.
Ok, pensei, são ossos do ofício.
Quando me dei conta, já estava na saleta iluminada por luz branca, em frente a uma enorme TV de plasma e uma pilha de revistas e DVDs eróticos maior ainda.
Dava para ouvir a risada do fotógrafo: “Nesse momento, o Ricardo já tá mandando ver…”
Não, não estava. Quando o barulho lá fora diminuiu, arrisquei folhear a coleção de “Playboys”: Luma de Oliveira posando, em 1987, aos 20 aninhos. Sheila Carvalho, no auge do É o Tchan (e antes do silicone). Catarina, a menina que desistiu de leiloar a virgindade.
Eu nunca tinha visto uma lista tão grande de DVDs: “Ninfetas Viciadas em Sexo”, “Todas Querem Jack” e “Três Horas de Luxúria” eram alguns.
Escolhi “Amigas à Procura de Cowboys” –vale ressaltar que todas as revistas e DVDs eram focadas no público heterossexual. Fiquei sentado no sofá de couro branco da saleta por uns 20 minutos. Aos menos, pensei, não dava para ouvir nenhum barulho lá de fora.
Depois de cumprir minha missão, abri a janelinha quadrada dos fundos da sala. Ali, sobre uma placa aquecida a 37°C, deixei o potinho de coleta.
Amigos perguntaram o que eu acharia se a experiência resultasse em filhos (seriam meus primeiros). Nunca vou saber. A doação é anônima. Então, estou tranquilo.
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