Alguma coisa no ar

Jenner tinha feito a previsão, antecipando Pasteur:

“A origem da varíola é uma matéria morta, de uma espécie peculiar.”

E Jenner especulou, antecipando Robert Koch:

“Não será certo imaginar que muitas das moléstias contagiosas que prevalecem agora entre nós podem dever seu aparecimento não a uma origem simples, mas composta? Por exemplo, é difícil imaginar que o sarampo, a escarlatina e a inflamação ulcerosa da garganta, com pintas na pele, tenham todas vindo da mesma fonte, supondo alguma na forma de acordo com a natureza das novas combinações?”

Jenner sabia tanto quanto uma vaca que a varíola era causada por um vírus. No microscópio eletrônico, esse vírus tem a forma de um tijolo, um dos grandes do grupo do ácido desoxirribonucléico. Ele cresce nos embriões de galinha, e a varíola é visível no fim de três dias. O vírus da varíola bovina é muito parecido, embora os vacinadores do mundo tenham se despedido das ordenhadoras e passado a usar o vírus da varíola atenuado, fazendo-o passar pelo corpo de vitelas.

Há um século, quando a cada ano eram identificados novos micróbios, os médicos estavam ainda confusos a respeito dos germes. O conceito de infecção não se/urgiu para eles como um glorioso nascer do sol, merecedor da contemplação científica. A explosão de descobertas, detonada pro Robert Koch, em 1876, foi tão violenta que, ao invés de iluminar a antiquada estrutura do pensamento científico, a reduziu a ruínas

Até os antigos “fômites” de Hieronymus Frascatorius foram lembrados para explicar aquelas misteriosas novas “partículas”, as quais , ensinavam vagamente o Dr. Husband, de Edinburgh, 15 anos depois de Koch: “Segundo dizem, têm vida própria, são capazes de se movimentar em fluidos, procurar alimento, crescer e morrer.”

Algumas opiniões profissionais conflitantes:

  • O Dr. Parkes explicava que a infecção não era inevitável, porque algumas pessoas não tinham no organismo o alimento adquado para essas partículas, ou esse alimento já fora devorado por elas num ataque anterior.

  • O Professor Hallier dizia que as partículas eram fungos.

  • O Dr. Ross citava Darwin, insistindo em dizer que as partículas eram pequenas partes modificadas que se soltavam de um indivíduo e produziam a doença aderindo a outro indivíduo.

  • O Dr. Richardson achava que elas retiravam o oxigênio do sangue, provocando a decomposição dos tecidos.

  • O oficial médico do Conselho Privado calculava oficialmente: uma única bactéria pode produzir 16.777.220 indivíduos a cada 24 horas.

A infecção, portanto, era um assunto sem argumentos definitivos, como é o câncer hoje.

Porém em meados do século certos desinfetantes, como o fluido do Dr. Condy, começavam a ser usados abundantemente, e os desodorantes apareceram nos manuais de saúde, antes de atingirem a sofisticação do uso nas axilas. Água de Colônia era o perfume favorito para disfarçar o cheiro extremamente desagradável e gangrenoso dos hospitais. Era preciso evitar as “fermentações” e as putrefações misteriosas produzem seus nebulosos contagia. Desse modo, o ácido carbólico, o permanganato de potássio e o cloro passaram a ser usados, correta e eficientemente, para evitar a infecção pelos germes que ninguém conhecia (Hipócrates tinha usado alcatrão).

O contato direto do desinfetante e do contágio era, também corretamente, visto como essencial; a simples aspersão do ácido carbólico no ar do hospital era acertadamente considerado inútil. O calor seco, a uma temperatura de 125 °C, era recomendado como o desinfetante mais eficiente de todos, o precursor da esterilização moderna. “Para maior segurança e para prevenir a infecção e outras doenças , a população deve procurar limpeza, boa ventilação e drenagem”, aconselhava acertadamente o oficial médico do Conselho Privado em 1866, “e o uso da água completamente pura para beber “. Florence Nightingale havia previsto isso em Scutari. Para ela, a limpeza era tudo. Durante toda sua longa vida, Florence Nigthingale encarava os germes com o mesmo desprezo com que ela via a supremacia masculina.

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