O descobrimento do Brasil se deu, oficialmente em 22 de abril de 1500, já dentro da idade moderna. Digo oficialmente porque Cabral viajou para cá apenas para tomar posse das terras em nome da Coroa de Portugal, representando Sua Majestade El’Rey, mas sabidamente não foi ele que as descobriu, visto que é conhecido por todos os historiadores o fato de que antes dele, estiveram aqui naus e marinheiros espanhóis como Sebastião Orellana (1493) e Vicente Yanes Pinzon (1494), que descobriu a foz do Rio Amazonas, chamado por ele de Mar Dulce, ou Mar Doce, pois como não conseguiu ver suas margens, pensou ser um mar de águas doces.
Por essas e muitas outras já é possível se ter uma idéia de como e porque o Brasil não vai para frente. Falta verdade, seriedade e defesa da justiça e da honestidade e o próprio descobrimento já começou com uma desfraldada mentira que se conta nas escolas como algo majestoso e miraculoso.
A história da farmácia no Brasil se resume na luta secular travada entre os farmacêuticos, os políticos e os comerciantes.
Os farmacêuticos vem lutando desde os tempos coloniais contra a espoliação do povo por oportunistas que vêem no comércio farmacêutico uma forma de obter lucros fáceis e vis. Vem lutando pela preservação da saúde das pessoas e não arredarão o pé deste compromisso apesar dos percalços e das urzes do caminho.
Os políticos sempre pensaram e com certeza continuarão a pensar, que o comércio de medicamentos deve ser livre e sem restrições e desde os mais remotos tempos coloniais se associam a comerciantes, acobertando as atividades clandestinas e ilícitas dos mesmos e, em troca, cobrando deles o retorno esperado que era pago em forma de apoio político e, principalmente votos. Deve-se fazer uma ressalva aqui. Existem bons parlamentares que pensam no povo e com isso procuram defender a todo o custo a legalidade e o exercício legítimo da profissão de farmacêutico pelos profissionais diplomados em cursos superiores de Farmácia e entre os parlamentares da atual legislatura do Congresso Nacional merecem nossa gratidão e respeito os deputados IVAN VALENTE, LUCIANO PIZATTO, CELSO RUSSOMANO, ELIAS MURAD, RICARDO GOMYDE, PAULO PAIN, ALVARO VALLE, e outros cujos nomes não me recordo agora, bem como também merece louvor o ex-ministro da saúde, médico JAMIL HADDAD, o primeiro a tentar implantar, com o Decreto-lei 793/93, uma política nacional de medicamentos genéricos, desafiando brava e heroicamente o grupo fechado das multinacionais do setor. Outrossim, merecem nosso mais profundo repúdio e até repulsa, o deputado Federal CHICÃO BRÍGIDO e a senadora MARLUCE PINTO, ambos ferrenhos defensores da entrega da responsabilidade técnica da farmácia aos proprietários leigos, atitude essa que só viria a favorecer os laboratórios fabricantes de medicamentos, especialmente os multinacionais que poderiam “empurrar” medicamentos sem um mínimo de critérios nos balcões dos estabelecimentos farmacêuticos através dos empurroterapêutas de plantão.
Os comerciantes, por visarem unicamente o lucro, sempre procuraram explorar a botica do passado e a farmácia pública de hoje, de todas as formas sem a mínima preocupação com a saúde dos clientes. A maioria dos comerciantes do passado eram praticamente analfabetos, como os que tentam exercer hoje as atividades farmacêuticas sem o preparo básico e, devido à ignorância e ao excesso de incompetência cometiam muitas atrocidades, tanto no aviamento das receitas médicas, substituindo os medicamentos prescritos, como na prescrição de fármacos sem estarem devidamente habilitados para esse exercício.
Os Jesuítas foram os primeiros boticários que aqui aportaram quando da descoberta do Brasil. Eles trataram logo de instituir enfermarias e boticas nos seus colégios, onde havia um Irmão que tratava dos doentes e outro que manipulava os medicamentos. Em São Paulo esse irmão foi JOSÉ DE ANCHIETA., sendo considerado o primeiro boticário do Piratininga. Notáveis chegaram a ser as boticas Jesuíticas da Bahia, Olinda, Recife, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo.
Como se sabe, BOTICA era o nome dado à casa comercial ou pequena loja onde, no passado, o povo adquiria as drogas e medicamentos. Ela representava o centro das reuniões políticas, das boas e más notícias, de tudo o que se passava pelo mundo, pois o farmacêutico sempre foi o homem letrado, literato pôr necessidade e pôr vocação, detentor da cultura e conhecedor do folclore regional.
Antes disso, porém, os mascates em suas andanças pelo interior, carregavam consigo caixas de folhas-de-flandres onde colocavam as drogas e medicamentos mais necessários e urgentes. Foram os pioneiros nesse ramo de comércio. Pôr incrível que pareça, o legislador atual, talvez saudoso e atávico, ou ainda pôr motivos puramente eleitoreiros, ressuscitou dentro da Lei 5.991/73 a figura do mascate naquela malfadada e infeliz idéia da unidade volante.
Todas as doença e males de antanho eram tratados pôr esses mascates, misto de curandeiro e comerciante ambulante que traziam drogas até para o tratamento de animais, quando não apelavam para a benzedura contra mau-olhado, bicheira, vento-virado, espinhela-caída e outras dos animais e das pessoas.
Com o passar dos tempos as pequenas boticas se transformaram em boticas nacionais e se instalaram geralmente nas proximidades de igrejas e colégios, para uso exclusivo dos membros da Companhia (a Companhia de Jesus, à qual pertenciam os Jesuítas), dos Catecúmenos e dos alunos das classes mais adiantadas e atendiam ao povo, pois as boticas públicas, quando as havia, eram dirigidas pôr comerciantes, às vezes incompetentes e ignorantes, que erravam com muita freqüência no aviamento das receitas e não hesitavam em substituir as drogas prescritas.
Eram as boticas o centro das informações políticas e religiosas vindas do Reino e das novidades regionais e locais. Fato que se notabilizou ao longo da evolução daquele estabelecimento é que ainda hoje, nas cidades do interior, quase sempre é na farmácia que se reúnem o médico, o advogado, o juiz e demais autoridades para, em conjunto, deliberarem as medidas necessárias ao desenvolvimento local.
Dada a seriedade com que trabalhavam, notabilizaram-se renomadas boticas, na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Recife e Olinda, estas de propriedade particular, enquanto as primeiras citadas eram administradas pelos Jesuítas.
Com a emancipação oficial da farmácia no século XIIId.C. o Rei de Portugal tratou logo de editar as Ordenações do Reino, que entraram em vigor no início do século XVId.C. (três séculos após). No século seguinte ao estabelecimento destas leis, Dom Manoel tratou de reformulá-las e editou algumas leis régias que passaram a regulamentar a matéria, estabelecendo que o comércio de drogas mediante receita o não dos físicos (como eram chamados os médicos daquelas épocas), era privativo dos boticários.
Como não poderia deixar de ser, aquelas normas eram muito avançadas para a época. Apesar da relevância, não tiveram condições de serem cumpridas, pois o tráfico de influências, tal como o conhecido hoje em dia, já se fazia presente àquelas épocas. Os comerciantes usavam de suas prerrogativas de poderosos que sustentavam o crédito a pessoas influentes na administração, faziam valer suas amizades e pressões políticas para burlar aquelas ordenações que vinham causar-lhes prejuízos.
A CARTA DE APROVAÇÃO, como era chamada a licença ou alvará de licenciamento, era fornecido a quem o requeresse, bastando, contudo, que provasse alguma habilidade na manipulação de medicamentos galênicos, caseiros e tisanas.
Ora, muitos desses boticários eram praticamente analfabetos, como os que tentam hoje exercer as atividades farmacêuticas sem o preparo básico, e associavam-se a outros comerciantes para explorar a botica com a finalidade única do lucro fácil, sem qualquer outra preocupação.
Tal procedimento se faz sentir ainda hoje, quando farmacêuticos legalmente habilitados se associam a leigos, como sócios ou prepostos, com a finalidade única do lucro daqueles, pois que o profissional é o grande prejudicado nesses relacionamentos comerciais.
Para coibir os incessantes abusos, no ano de 1744, o Comissário do Físico-Mor (o mesmo que o Ministro da Saúde de hoje), alarmado com os incidentes que ocorriam no comércio de drogas e com os abusos de toda ordem, ordenou o integral cumprimento do regimento baixado naquele mesmo ano, que proibia terminantemente o comércio ilegal de drogas e medicamentos pôr estabelecimentos não habilitados, estabelecendo pesadas multas e apreensões dos estoques, o que acabou pôr originar pânico no comércio em geral, tais eram os seus lucros com atividades clandestinas das drogas e medicamentos.
O regimento de 1744 foi o precursor do que hoje temos como legislação farmacêutica, tanto é assim que entre outras coisas estabeleceu:
a - legalização do profissional farmacêutico;
b – existência na botica de balanças, pesos, medidas, medicamentos galênicos, produtos químicos, vasilhames, livros elementares;
c – fiscalização sobre o estado de conservação das drogas e dos vegetais medicinais, principalmente quando importados;
d – prazo para a fiscalização, que deveria ser pelo menos de três em três anos e rigorosa;
e – fixação da carta de aprovação (alvará) em local bem visível pela clientela.
Como se pode inferir, as exigências daquelas normas legais de 1744 pouco menos representam que os dispositivos da legislação farmacêutica atual.
É evidente que, considerando as condições dos órgãos fiscalizadores à época, o regimento de 1744 jamais seria fiscalizado e, mesmo que o fosse, jamais a fiscalização conseguiria fazer frente à disseminação dos abusos, pois como é óbvio, o espírito de aventura dos comerciantes encontrava apoio na necessidade de colonização e povoamento do País. Os abusos continuaram sendo praticados por muito tempo, ao sabor dos interesses políticos e religiosos reinantes.
O próprio senado e a câmara, à época, da mesma forma que hoje, entendiam que o comércio de drogas e medicamentos deveria ser livre, sem restrições.
Para se ter uma idéia dessa situação, basta lembrar que, em 1726, Antônio da Motta, único boticário existente no Rio de Janeiro, requerera exclusividade na venda de drogas e medicamentos, fundamentando seu requerimento nas Ordenações, Livro V, Título 89, que estabelecia que o comércio de drogas e medicamentos era privativo do boticário. Desnecessário dizer que Antônio da Motta teve a sua pretensão repelida pela Câmara e pelo Senado, o que o levou a abandonar de vez sua promissora carreira de boticário.
Assim, as próprias autoridades acobertavam as atividades e pretensões clandestinas dos comerciantes, o que fazia, como já era de se esperar, cair em descrédito o comércio de drogas e medicamentos. Ora, os boticários tinham outra preocupação, além do comércio, eles visavam a atender, dentro dos limites de seus conhecimentos, à saúde do povo, mas as autoridades se preocupavam unicamente com a sua popularidade junto aos eleitores
Debalde lutaram os boticários contra a onda de descrédito que avassalava a botica. Enquanto eles queriam ajudar a saúde das gentes que pôr ali viviam, os comerciantes visavam o lucro, simplesmente agravando, com a hipócrita, medíocre e idiota conivência dos políticos, os péssimos estados de coisas ali encontrados, quer sejam: fome, miséria, doenças, etc..
MUTATIS MUTANDIS, a luta dos farmacêuticos nos dias atuais é exatamente a mesma daquelas épocas, a mesma dos boticários, pois aqueles tem um compromisso com a saúde de povo e dele não arredarão o pé, apesar dos percalços e das urzes do caminho.