1. FORMAÇÃO E CIRCULAÇÃO DESSAS MOLÉCULAS
A creatina é o ácido metil-guanidina acético. Ela é fabricada no fígado a partir do aminoácido glicocola, da arginina e de um doador de metila como a S-adenosil-metionina.
Ela atinge o músculo trafegando por via sangüínea. Sua taxa é mais elevada na mulher do que no homem porque a quantidade sintetizada pelo fígado é a mesma nos dois sexos, mas a massa muscular total é menor na mulher de sorte que a creatina é menos captada pelos músculos.
A eliminação renal de creatina é muito baixa no homem, um pouco mais elevada na mulher. Existe uma reabsorção tubular quase total que permite ao organismo conservar sua creatina.
Tendo chegado às células musculares, a creatina fixa fosfato a partir do ATP e se transforma assim em fosfocreatina (fosfagênio) que é uma forma de reserva de energia química imediatamente utilizável pela contração muscular.
Uma pequena fração desse fosfagênio (constante para uma mesma massa muscular) se cicliza no curso das reações de troca de energia, perdendo seu fosfato, e dá origem à creatinina, a qual não é utilizável pelo músculo.
2. METABOLISMO DA CREATINA
A creatina encontra-se no músculo, cérebro e sangue, tanto em estado livre como em forma de fosfocreatina. Traços de creatina estão também presentes na urina. A creatinina é o anidrido. Ela é intensamente formada no músculo pela remoção irreversível e não enzimática de água do fosfato de creatina. A creatina livre ocorre tanto no sangue como na urina. A formação da creatinina é aparentemente um passo preliminar necessário à excreção da maior parte da urina.
A origem da creatina foi estabelecida por estudos metabólicos e confirmadas por técnicas de isótopos. Três aminoácidos – glicina, arginina e metionina – estão diretamente envolvidos. A primeira reação é aquela de transamidinação da arginina para a glicina, para formar o ácido guanidoacético (glicociamina). Experimentos feitos in vitro demonstraram que isto ocorre no rim, mas não no fígado nem no músculo cardíaco. A síntese de creatina é completada pela metilação da glicociamina no fígado. Nesta reação, metionina “ativa” é o doador de metila. Outros doadores de metil, tais como betaína, ou colina depois da oxidação para betaína, podem servir também indiretamente para a produção de metionina através da metilação da homocisteína. A metilação da glicociamina não é reversível. Nem a creatina nem a creatinina podem metilar a homocisteína para metionina: são necessários ATP e oxigênio na metilação da creatina.
Os mecanismos enzimáticos de metilação da glicociamina, para formar creatina são semelhantes aos requeridos para a formação da N-metil-nicotinamida. O primeiro passo é a formação de metionina ativa (S-adenosilmetionina), que requer ATP, íons magnésio e glutation e uma enzima ativadora da metionina. O segundo passo envolve a metilação do ácido guanidoacético pela metionina ativa, reação catalisada por uma enzima solúvel, guanidoacetato-metiltransferase, encontrada em extratos de células livres de fígado de cobaia, coelho e bovinos. O glutation ou outras substâncias redutoras são necessárias para a atividade ideal desta enzima; não há até agora evidência de que íons metálicos ou outros co-fatores sejam necessários.
Até recentemente, julgava-se que a única sede da enzima transaminadora em mamíferos fosse o rim. Há atualmente evidências de que ratos nefrectomizados bilateralmente podem ainda sintetizar creatina. Isto é interpretado como uma prova de existência de uma sede ou sedes extra-renais de transamidinação neste animal.
Uma preparação enzimática isolada no tecido pancreático do boi e do cão, foi capaz de catalizar a síntese de creatina a partir de glicociamina e da S-adenosilmetionina. Descobriu-se também que o pâncreas (ao contrário do fígado) pode sintetizar glicociamina. Essas observações sugerem que o pâncreas pode ter um papel particular na síntese de creatina nos mamíferos.
O fenômeno de retroação (retro-alimentação) . Ele é bem demonstrado pelo efeito da creatina alimentar, na biossíntese de creatina. Em ratos cujo suprimento dietético continha 3% de creatina, a atividade da transamidinase no rim foi acentuadamente menor que nos animais de controle. Gerber e outros estudaram a taxa de síntese de creatina a partir de glicociamina em fígado isolado perfundido de rato, na presença de precursores de creatina, em níveis encontrados normalmente no sangue e na presença de altas concentrações de precursores (metionina e glicociamina) adicionados ao líquido perfusor. Quando a concentração de glicociamina no sangue caiu de 0,4 para 0,2 mg/dl a taxa de síntese da creatina diminui; aumentando a concentração de glicociamina até níveis de 2,0 mg/dl, juntamente com metionina, a síntese de creatina não se alterou significadamente. Creatina introduzida na alimentação, ou alto nível de creatina no fígado. Entretanto, o fato de que a síntese hepática da creatina esteja ligada aos níveis de glicociamina no sangue – e de que este composto seja produzido no rim – sugere que a taxa de biossíntese da creatina seja realmente dependente da atividade desta enzima seja afetada pela creatina, aparentemente por um mecanismo de retroação.
O hipertiroidismo é um dos males que se caracterizam por perturbações no metabolismo da creatina. Conseqüentemente, é de se notar que o hipertiroidismo esteja também associado a uma atividade reduzida da transamidinase no rim. Pode ser que o efeito do hipertiroidismo na transamidinas do rim seja realmente mediado pelos níveis elevados de creatina no sangue que ocorrem nesta doença, agindo a creatina como um repressor enzimático.
3. DOSAGEM DE CREATINA
Tal dosagem é feita no soro. A creatina é ciclizada por aquecimento a 100% durante uma noite, o que dá creatinina, dosável pela reação de Jaffé. Este método é longo e pouco preciso (resultado no segundo dia consecutivo ao do pedido de dosagem).
4. VALORES FISIOLÓGICOS
Creatina no soro:
No homem: 10 a 40 micromols/L;
Na mulher: 20 a 160 micromols/L.
Creatina na urina:
1,3 micromol por 24 h (150 mg/24h)
5. VALOR SEMIOLÓGICO E INDICAÇÕES
Sempre que uma dada doença provoca uma diminuição da massa muscular, a creatinemia aumenta e a creatina aparece na urina.
Por exemplo, nas doenças infecciosas severas em que o desgaste muscular é provocado pelo hipercatabolismo, a creatimenia se eleva e a creatunúria aparece.
Mais interessantes são as doenças musculares como a miodistrofias progressivas (ou miopatias) cujo tipo é a doença de Duchenne de Boulogne (doença genética). Neste caso, a taxa de creatina plasmática está elevada e a relação creatina/creatinina se eleva com a idade. Há também uma forte creatunúria e uma modificação de repartição das isoenzimas de creatina-fosfoquinase no soro.
A elevação da creatunúria é, com o aumento de atividade de enzimas séricas como a creatina-fosfoquinase ou aldolase, o marcador das afecções miogênicas (degenerativas ou inflamatórias, por oposição às amiotrofias neurogênicas, nas quais esees parâmetros são constantemente normais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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