Substância tóxica danifica genes do pai e dos filhos


1 de dezembro de 2009 | Autor: antonini

Herbicida, por exemplo, afetaria parcialmente o sistema reprodutor masculino. Estudo em ratos flagra erro genético ser transmitido até bisnetos; conclusão derruba a tese de que exposição tóxica causa só infertilidade. Os agrotóxicos também parecem ser os responsáveis pela puberdade cada vez mais precoce das meninas e pelo aumento da expressão da homossexualidade masculina, conforme dados apurados em estudos farmacológicos com ratos e camundongos em laboratório.

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BOSTON

O Ministério da Saúde não adverte ainda, mas talvez devesse: a exposição de homens a substâncias tóxicas, como herbicidas, remédios quimioterápicos e até mesmo álcool e tabaco pode prejudicar o feto -e, em alguns casos, causar problemas de saúde até mesmo nas gerações seguintes.

Novos estudos que apontam o efeito paterno no desenvolvimento do embrião foram apresentados ontem numa conferência nos EUA. Segundo seus autores, é cada vez maior o número de evidências a sugerir que as autoridades de saúde talvez devessem pensar em uma lista de produtos que não podem ser consumidos por homens que queiram conceber.

Hoje, para a maioria das substâncias -como álcool e tabaco-, a proibição vale apenas para mulheres grávidas. Nos Estados Unidos, uma gestante que consumir essas substâncias e perder o bebê pode ser processada por homicídio.

Três pesquisadores reunidos em um simpósio durante a Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Boston, porém, sugerem que o quadro é mais complexo.

O sistema reprodutivo masculino pode ser afetado por produtos que não causam necessariamente infertilidade ou mutações nos genes, mas afetam a sua expressão (ou seja, a maneira como são ligados e desligados, bagunçando seu funcionamento nas células).

Machismo reprodutivo
“As pessoas tendiam a pensar que era tudo ou nada, ou seja, ou o homem exposto ficava infértil ou ele não era afetado”, afirmou Cynthia Daniels, da Universidade Rutgers, em Nova Jersey. Por isso, segundo ela, o assunto foi ignorado por cientistas durante anos, naquilo que Daniels chama de “machismo reprodutivo”.

Num estudo publicado on-line na revista médica “The Prostate”, o bioquímico americano Matthew Anway, da Universidade de Idaho, mostra que mudanças ambientais problemáticas para o aparelho reprodutor masculino do rato podem ser transmitidas até a bisnetos.

Anway expôs ratas prenhas a doses altas (mas não tóxicas) de vinclozolin, um fungicida comum, durante sete dias, na fase da gestação em que o sexo do feto é determinado. Os machos nascidos dessa gestação tiveram alterações de expressão em mais de 200 genes, embora não tivessem sofrido nenhuma mutação genética.

Isso aumentou a proporção de problemas de próstata e tumores em quatro gerações de animais descendentes da linhagem afetada. “Não só defeitos reprodutivos, mas também modificações de comportamento, defeitos renais e outros problemas foram observados.”

Como não houve mutações no DNA, Anway acredita que o fungicida tenha alterado o padrão de metilação dos genes. Metilação é o nome dado à adição de um radical de metila (CH3) a certos trechos do DNA depois da divisão celular. Esse radical funciona como um ponto final no “texto” genético, impedindo a célula de continuar “lendo” e transcrevendo aquela seqüência. Isso silencia ou atenua a expressão do gene -o que os cientistas chamam de mudança epigenética.

O trabalho de Anway teve um sabor de vingança para Gladys Friedler, da Escola de Medicina da Universidade de Boston.

Desde 1968, Friedler (que não revela a idade, dizendo apenas que tem “23 anos e envelhecimento precoce”) se depara com evidências de que roedores adultos machos expostos a substâncias como morfina sofrem alterações reprodutivas e podem passá-las a seus filhos.

“Tratava machos com morfina e os cruzava com fêmeas que não haviam sido expostas. Quando vi que os animais na segunda geração tinham problemas, fiquei chocada.”

A cientista não conseguiu recursos para continuar. “Não via efeito genético algum”, diz. “Naquela época, ninguém sabia o que era epigenética.”


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