Uso de medicamentos nos esportes


17 de julho de 2010 | Autor: antonini

“A palavra doping é provavelmente derivada da palavra dop, o nome de uma bebida alcoólica feita de peles de uvas utilizadas pelos guerreiros Zulus, a fim de melhorar as suas proezas em batalhas (WADA, 2009)”.

O esporte profissional no Brasil e no mundo, nas suas várias modalidades, foi palco nos últimos anos de vários casos de atletas flagrados nos exames antidoping. Com a proximidade da Copa do Mundo de 2010 inevitavelmente o assunto doping novamente será bastante comentado. A Comissão Médica da FIFA (Fédération Internationale de Football Association) já anunciou que fará, de abril até o final da copa, exames antidoping em jogadores que estarão na África do Sul. Estes exames serão feitos “de surpresa” tanto nos países de origem dos atletas como na estada deles no país sede durante todo o torneio.

Desta forma, é importante que o farmacêutico esteja sempre bem informado sobre o assunto para que possa orientar e esclarecer as principais dúvidas e curiosidades que porventura venham a surgir sobre o uso de determinados fármacos, sempre com o intuito de promover o uso racional e privando pela saúde da população.

É considerado doping o uso de substâncias ou métodos capazes de aumentar artificialmente o rendimento ou desempenho esportivo nas competições, sejam eles potencialmente prejudiciais à saúde do atleta ou de seus adversários, o contrário ao espírito do jogo.

Ao contrário do que imaginamos, esta não é uma prática moderna, ela faz parte da história do homem há milênios. Existem relatos de que nos jogos olímpicos realizado na Grécia no final do século III a.c., os atletas em já procuravam aumentar de maneira empírica o desempenho nas competições com os recursos disponíveis na época. Em 1896, quando ocorreram os primeiros jogos olímpicos da idade moderna, em Atenas, os atletas já conheciam o uso de estimulantes como a cocaína e a efedrina. Apesar disso, no período inicial do século XX, o espírito olímpico prevaleceu e o uso do doping foi eventual, pois os atletas valorizam mais a participação nos jogos do que a própria vitória.

A Olimpíada de Berlim, em 1936, marca o início da utilização política dos jogos por Hitler. Ele buscou, através de uma organização monumental e vitórias dos atletas alemães, demonstrar o poderio de seu exército e força de sua política, mudando o espírito das competições.

Durante a segunda guerra mundial, a anfetamina foi utilizada para melhorar a capacidade de combate dos pilotos, eliminando o sono, a fome, a sede e a fadiga. Com o fim da guerra, os soldados se converteram em atletas e divulgaram seu conhecimento sobre esta substância. Os anabólicos esteróides foram utilizados no pós-guerra como alternativa para reestruturar o sistema muscular dos prisioneiros desnutridos dos campos de concentração. Logo em seguida, o conhecimento de que esta substância poderia aumentar a massa muscular chegou ao esporte.

O doping nos jogos culminou com a morte de um ciclista finlandês por overdose de anfetamina em Roma (1960), e com o uso expressivo em Tóquio (1964) de esteróides anabolizantes, repercutindo negativamente para o movimento olímpico.

Diante destes fatos, para preservar o espírito dos jogos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) estabeleceu 1967 comissão médica responsável pela criação de uma lista de substâncias proibidas de uso durante as competições, sendo que nas olimpíadas do México (1968) os testes para detecção foram utilizados pela primeira vez.

Com o objetivo de unificar as políticas de controle antidoping, no ano de 2003 representantes de diversas nacionalidades reuniram-se em Copenhague, Dinamarca, e assinaram a Declaração de Copenhague sobre doping no esporte. Houve concordância dos presentes em seguir as determinações do Código Mundial Antidoping da Agência Mundial Antidoping (WADA – World Anti-doping Agency), cujo objetivo é manter o chamado “espírito esportivo”, caracterizando a prática esportiva pela ética, honestidade e saúde.

O progresso permanente da farmacologia e da ciência do esporte faz surgir constantemente novas formas de implementar artificialmente o desempenho. Neste contexto, é publicada anualmente uma lista de classes farmacológicas e métodos proibidos, tendo em vista a necessidade de atualizações frequentes.

Existe um favorecimento sociocultural para o uso abusivo de substâncias químicas na forma de especialidades farmacêuticas ou produtos formulados sem nenhum critério técnico-científico. Grande parte das substâncias que são utilizadas como agentes de dopagem necessitam de prescrição médica, mesmo quando utilizadas na terapêutica, devido aos efeitos adversos que podem ocasionar.

Muitas vezes, o atleta consome doses excessivas para alcançar o máximo de efeitos farmacológicos usados na terapêutica ou para conseguir obter determinados efeitos colaterais.

Neste contexto, a relação risco/benefício para o uso de fármacos não é adequadamente considerada. O uso indevido pode levar a intoxicações, desenvolvimento de tolerância e dependência.

A forma encontrada de se minimizar a dopagem tem sido seu controle pela realização de análises toxicológicas de material (sangue ou urina) fornecido pelo atleta, no período das competições ou fora delas. O controle em competição realizada imediatamente após o término de uma competição esportiva e o controle fora de competição pode ser efetuado qualquer momento, durante um treinamento, na residência do atleta e até mesmo algum tempo antes ou depois de uma competição esportiva. O exame em competição inclui pesquisa de todas as classes de substâncias e de métodos proibidos, enquanto o exame fora de competição é específico.

Entretanto, existem casos de atletas que apresentam determinadas patologias (por exemplo, diabetes, hipertensão, asma entre outras) e que necessitam utilizar uma apresentação farmacêutica que possua na sua formulação uma substância proibida. Nestes casos, torna-se necessário solicitar uma permissão especial à respectiva confederação responsável, antes da participação em uma competição, que poderá ser concedida após análise do diagnóstico e da indicação de uso do medicamento.

A lista de substâncias proibidas no esporte é elaborada anualmente pela WADA, sendo que a vigente em 2010 foi publicada no Brasil através da resolução nº 27, de 21 de dezembro de 2009, do Ministério do Esporte e tem validade até 31 de dezembro de 2010. As substâncias proibidas permanentemente (em competição e fora de competição) compreendem os agentes anabólicos, hormônios peptídicos, fatores de crescimento, beta-agonistas, antagonistas de hormônios e moduladores, diuréticos e agentes mascarantes. As substâncias proibidas em competição compreendem, além das citadas anteriormente, os estimulantes narcóticos, canabinóides e glicocorticóides. Os betabloqueadores são proibidos somente em competição, em alguns esportes como bilhar e sinuca, bocha, ginástica, lancha de potência, luta, motociclismo, tiro esportivo, tiro com arco, vela entre outros.

O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) publica anualmente um material para orientação dos atletas, contendo, não só a lista atualizada das substâncias proibidas, mas também uma lista de medicamentos que podem ser utilizados em diferentes situações clínicas caso o atleta necessite, além de outras informações. A publicação intitulada “Informações sobre o uso de medicamentos no esporte 2010” está disponível aqui.


Substâncias comumente empregadas na dopagem esportiva e riscos do uso abusivo

Agendas anabólicos: os esteróides anabólicos androgênicos, quando administrados por longo período de tempo, podem aumentar a massa muscular, força do atleta, a agressividade e provavelmente melhora o desempenho em modalidades esportivas que requerem estas propriedades. No entanto, uma série de efeitos adversos podem ser observados: depressão, doenças cardiovasculares, anormalidades hepáticas, aumento da secreção de glândulas sebáceas, atrofia testicular, infertilidade, perda da libido, ginecomastia em homens, anovulação e amenorréia em mulheres, agressividade que pode evoluir para comportamentos violentos, hostis, antissociais e até mesmo suicídio.

Hormônios peptídicos, fatores de crescimento e substâncias afins:
eritropoietina (EPO) é utilizada pelos atletas na tentativa de estimular a produção de eritrócitos, aumentando, desta forma, a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue, fato que podem melhorar o desempenho. O uso indevido pode ocasionar o aparecimento de reações tóxicas que incluem encefalopatias, distensão vascular e diminuição do fluxo sanguíneo.

Gonadotrofina coriônica (CG): tem sido utilizada por atletas para estimular a produção de testosterona antes de competições e/ou para prevenir a atrofia testicular verificada durante ou após o uso prolongado de substâncias androgênicas. Além disso, estimula a produção de eritrócitos devido à ação sobre a produção de eritropoietina. Pode causar efeitos colaterais desconhecidos quando utilizada inapropriadamente, além de ginecomastia nos homens.

Corticotropinas (ACTH): usada com o objetivo de aumentar os níveis de corticosteróides endógenos para obter efeitos euforizantes. Além disso, podem exercer ação sobre o sistema hematopoiético. Efeitos adversos do abuso incluem hipertensão, amenorréia, osteoporose, fraqueza muscular e distúrbios psíquicos.

Hormônio do crescimento (GH): utilizado pelos atletas com propósito de aumentar o tamanho corporal, reduzir depósitos de gordura e produzir efeitos similares aos anabolizantes. São relatados casos de consumo de doses vinte vezes maiores do que as recomendadas na terapêutica, com sérios riscos de aparecimento de efeitos adversos como acromegalia, levando à redução da força muscular, aumentando a massa cardíaca, cardiopatias graves, a aceleração da osteoartrite, tumores malignos, apneia do sono e hipertensão.

Insulina: alguns atletas utilizam a insulina para diminuir o catabolismo muscular na promoção da síntese de glicogênio e facilitar a entrada de glicose nas células musculares. Nesta perspectiva, promovem o aumento do armazenamento de glicose sob a forma de glicogênio, principalmente nas células musculares, melhorando a performance durante uma atividade física. Além disso, estimula a síntese protéica através da mobilização de transportadores de aminoácidos e indiretamente a partir da transcrição de fatores de crescimento. Também inibe a proteólise. Este uso não é seguro e acarreta risco de hipoglicemia que pode levar ao coma, morte e certos distúrbios do metabolismo lipídico.

Beta-2-agonistas: efeitos desejados para elevar o desempenho esportivo: estimulante (dosagens maiores que as terapêuticas), anabolizantes (necessárias dosagens muito elevadas). Efeitos colaterais: tremores musculares; diminuição da pressão sanguínea com consequente taquicardia e palpitações; vasodilatação pulmonar; nervosismo; acidose lática; hiperglicemia; insônia; vertigens; sudorese; cefaleia; náuseas; vômitos; ansiedade; cãibras musculares; hipopotassemia; hipomagnesemia. Em indivíduos portadores de doenças cardiovasculares: além da taquicardia e arritmia cardíaca, provocam dor anginal, palpitações e parada cardíaca. Em indivíduos portadores de diabetes: complicações decorrentes da hiperglicemia.

Diuréticos e outros agentes mascarantes: no esporte o abuso de diuréticos tem a finalidade de aumentar o fluxo urinário; reduzir rapidamente o peso corpóreo e impedir a retenção de água no organismo, fenômeno frequentemente observado em usuários esteróides anabólicos. A redução do peso em intervalos de tempo curto pode permitir a inclusão do atleta, durante a pesagem realizada no período pré-competição, em determinada categoria. Efeitos colaterais incluem desidratação, dores de cabeça, náuseas, cãibras, vertigens e problemas renais.

Estimulantes: são utilizados com a finalidade de aumentar o estado de alerta, reduzir a fadiga e aumentar a competitividade. Eventualmente podem aumentar o desempenho, ocasionando a perda da capacidade de julgamento e ocorrência de acidentes em determinadas modalidades esportivas. Alguns efeitos nocivos são: alteração do controle da temperatura corporal, hipertensão, taquicardia, arritmias, vasoconstrição, midríase, excitação, ansiedade, crises convulsivas, entre outros.

Narcóticos: são utilizados pela ação analgésica. Existem relatos do seu uso de forma injustificada e, como por exemplo, no ciclismo para diminuir ou mascarar a dor devido a um esforço físico excessivo e no pugilismo após uma lesão. Podem causar depressão respiratória e cardiovascular, aumentando a liberação de vasopressina, alterações gastrintestinais, dependência, entre outros. Além disto, a ausência ou diminuição da sensação dolorosa pode levar um atleta a menosprezar uma lesão potencialmente perigosa, levando ao seu agravamento.

Glicocorticóides:
a principal razão para a utilização abusiva no esporte está relacionada à sua ação anti-inflamatória e analgésica, permitindo a participação de atletas com lesões articulares em provas esportivas, reprimindo provisoriamente a dor e a inflamação. Disso resultam consequências graves para o atleta, frequentemente irreversíveis. Fragilidade dos tendões, rompimentos musculares, fadiga crônica com queda de rendimento, infecções locais e generalizadas, problemas cardiovasculares que podem levar à morte são algumas dos efeitos colaterais descritos na literatura.

Betabloqueadores:
efeitos desejados para elevar desempenho esportivo são redução de taquicardia e tremor nas mãos por estresse e ganho de precisão por desaceleração dos batimentos cardíacos. Os efeitos colaterais são principalmente broncoespasmo em asmáticos. São contraindicados no caso de insuficiência cardíaca.

Transcrito da revista O Farmacêutico, ed. 01, p. 5-8, do Conselho Regional de Farmácia do Paraná

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