26
de outubro de 2015 | Autor:
antonini
Revendo
revistas antigas encontrei em
O
Cruzeiro
um texto muito interessante publicado por Mário Soares em
1º de agosto de 1964, intitulado
"Na
base do ano 2000", cheio de
esperança de um futuro repleto
de tecnologia no qual a saúde seria mera mercadoria e a
morte
poderia ser adiada indefinidamente e praticamente todos os
órgãos do corpo humano estariam a venda em lojas
comerciais, mas passamos do ano 2000 e as previsões do
cronista
não se concretizaram por completo, conforme previsto na
crônica que você pode ler abaixo:
Passo
por um cinema e o nome do
filme, que fala em mercado de
corações, lembra-me um outro, que vi
há muito
tempo, e que, com este, tenho a certeza, não tem nenhuma
relação.
Mais
de vinte anos são
passados, desde a sua
exibição. Mostrava, creio, o século
vinte e um.
Época em que o pobre mortal, padecente de muitos males,
poderia
trocar, a seu bel-prazer, as peças gastas e enferrujadas do
seu
humano organismo. Lembro-me de um sujeito, americano alto e
avermelhado, ue ia à procura de excelente
coração,
que o seu já estava pifado. E da velhota que buscava um
figado
novo em folha, para substituir o antigo. gasto pelo uso, procurando,
entre vários, o mais adequado ao seu tipo
Leio
os jornais e revistas deste
presente sessenta e quatro. E neles
encontro muita realidade que não está longe
daquela
ficção. No Japão trocam o rim doente
de um enfermo
por igual órgão sei lá de que animal.
Num
país, dos subdesenvolvidos, colocam outro braço
num
acidentado. Coração artificial não
é mais
novidade. E nós mesmos, aqui no Brasil, temos um
conterrâneo, que até reportagem mereceu nesta
revista, que
anda por Minas carregando seu transistor no peito.
Solto
as rédeas da
imaginação e vejo
um
supermercado, onde não faltam desde os melhores
dedões do
pé a bem refinados cérebros. E imagino algumas
cenas. A
pobre e desiludida mocinha, que recém levara um fora do
namorado, sentindo destrocado o coração, junto ao
balcão correspondente:
-
A senhorita não teria, por
aí, um
coração
para moça de dezenove anos? Daqueles que não
estão
sujeitos a paixonites?
Vejo
Mané Garrincha, meio
encabulado, escondendo-se dos
fãs, a procurar, numa ilha, um novo e sem problemas
joelhocdireito. E a manchete, no dia seguinte, nas páginas
esportivas:
«Garrincha
estreou joelho
novo».
Certos
cronistas, de
imaginação desgastada, a
procurar
afobados:
-
Não terá aí um
cérebro
bem moderno,
daqueles cheios de ideias? Mas, por favor, eu tenho pressa! Preciso
usá-lo ainda hoje, quando for escrever o meu artigo.
A
velhota, que acabara de sair
invejosa de uma roda de twist, a indagar
interessada:
-
Já chegou a nova partida de
juntas? Estou louca para
trocar as
minhas.
Chego
a ver o Leônidas, de
molejo novo, a pedir vaga no
selecionado brasileiro, afirmando convicto:
-
E agora, Feola, o que o Vavá
tem que eu não
tenho?
Como
seria a bossa nova? Broto de
quinze, para ter mais
experiência, usando coração de trinta?
ou
balzaquiana voltando às suas dezoito primaveras,
graças
à rápida mudança na butique da esquina?
A
inflação, por certo,
influiria no
preço dos
artigos. E seriam naturais diálogos como este:
-
Você viu como subiu o
preço do
estômago? E a
vesícula? Anda pela hora da morte.
-
E, olha, já não se
fazem mais narizes como os
de
antigamente.
Ou
este:
-
Como você cresceu, Eduardo!
-
Cresci nada, Roberto. Mudei foi de
pernas. Comprei estas altas, bem
mais elegantes do que as antigas.
O
mal é que os rapazes iriam
ficar na dúvida. À
guria,
que passasse teriam forçosamente que perguntar:
-
É mesmo modelo 1950, ou
passou por reforma?
Até
por volta do ano 2000
algumas dessas previsões ou visões se
concretizaram, como
por exemplo as próteses articulares, apesar de
não
substituirem perfeitamente a articulação natural
devido a
limitações mecânicas e estruturais, mas
permitem
uma vida "quase normal" aos usuários.
Neste mesmo ano 2000 surgiram os primeiros resultados do projeto genoma
humano que se propunha mapear e decifar todo o código
genético, gene-a-gene, do ser humano e cujo representante
brasileiro era o médico Salmo Raquini, geneticista e doutor
em
genética pela Universidade Federal do Paraná.
Após
alguns anos, mais alguns bilhões de dólares
gastos e com
97% do genoma humano decifrado, os pesquisadores começaram a
se
perguntar qual a utilidade de todo aquele trabalho colossal.
A encruzilhada foi tão intransponível que o Dr.
Salmo
Rasquini publicou um artigo intitulado:
O
genoma humano e a revolução que não
veio.
Todos os dias aparece propagandas de drogas, alimentos,
métodos
ou equipamentos que prometem milhagres absurdos, além de
resultados de estudos clínicos sugerindo que comer
ou
beber tal coisa ou tomar tal droga ou fazer determinada
atividade
aumenta o tempo de vida e melhora a saúde, mas que
não
passam, tanto as propagandas, quanto as supostos resultados de
pesquisas de embustes para arrancar dinheiro ou enganar trouxas. Muitos
resultados de pesquisa são lançados na
mídia e na
Internet de forma pouco confiável com o único
fito de
catapultar as carreiras dos pesquisadores neles envolvidos.