Colocando a raposa para cuidar do galinheiro. Isso é um absurdo. Só no Brasil, mesmo! Lugar de criminoso é na cadeia e não em tribunal onde poderá se livrar de suas falcatruas e adquirir imunidade para cometer mais delitos.
No seio de suas estruturas arredondadas, o Congresso produz uma rotina enfadonha.
Sob o concreto obscuro de Niemeyer, armam-se ciladas contra o interesse público.
Vem do PMDB a penúltima emboscada. O partido indicou o senador Leomar Quintanilha (TO) para o posto de ministro do TCU.
Se referendado pelos colegas, Quintanilha ocuparia simultaneamente duas cadeiras: a poltrona do TCU e o banco de suspeitos do STF.
À condição de suspeito de profanar as arcas públicas, o senador agregaria a credencial de guardião do erário. Seria juiz e investigado.
Quintanilha foi indicado pelo líder do PMDB, Valdir Raupp. Ignorou-se uma exigência básica: a reputação ilibada.
O candidato do PMDB ao TCU responde a um par de inquéritos no STF (1.882, de 2003 e 2.274, de 2005). Foi denunciado pelo Ministério Público.
Integra o rol de indiciados em processos que apuram um esquema de troca de emendas ao Orçamento da União por propinas de empreiteiras.
Responde por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Os desvios foram estimados pelo Ministério Público em pelo menos R$ 25 milhões.
Dinheiro público, liberado por meio das famigeradas emendas parlamentares para obras fraudadas em Tocantins.
Há no inquérito seis dezenas de acusados. A lista inclui cinco políticos, todos de Tocantins. Entre eles Quintanilha.
O caso veio à luz em 2002. Denunciou-o o procurador da República Mario Lucio Avelar. Na ocasião, trabalhava em Palmas (TO). Hoje, encontra-se em Cuiabá (MT).
Contam-se em três dezenas as empreiteiras envolvidas nos desvios. Muitas eram empresas-fantasma.
Serviam apenas para participar de licitações fraudulentas, dando ares de concorrência a disputas de fancaria.
A apuração foi feita com a ajuda da Polícia Federal e da Receita.
Realizaram-se escutas telefônicas e operações de busca e apreensão de documentos. Quebraram-se sigilos bancários.
Entre os papéis apreendidos há uma relação de pagamentos de propinas a políticos.
O dinheiro foi repassado, de acordo com o Ministério Público, ora diretamente ora por meio de assessores e parentes.
Dois dos envolvidos foram vinculados a Leomar Quintanilha. Receberam das empreiteiras cerca de R$ 280 mil em cheques.
Há também nos autos pelo menos um recibo com o nome do senador Quintanilha. Refere-se a uma suposta propina de R$ 10 mil.
Foi apreendido na sede de construtora chamada Talismã, acionista de outra empreiteira apontada como cabeça do esquema de Tocantins, a Mendes & Fachini.
São dois os inquéritos relacionados ao caso. Ambos mencionam Quintanilha.
Correm no STF, sob segredo de Justiça. Um trata de corrupção. O outro de sonegação fiscal.
Quintanilha nega as acusações. E o PMDB parece dar-lhe crédito irrestrito. A indicação causou espanto até no TCU, uma casa apinhada de ex-congressistas sem-voto.
A cadeira que vai vagar no tribunal é a de Guilherme Palmeira, um ex-senador do ex-PFL.
Concorre com Quintanilha um outro ex-senador, José Jorge (DEM-PE).
Jorge não tem a ficha corrida de Quintanilha. Traz a biografia limpa. Mas compartilha com o rival um vício capital: é político indicado para uma função que deveria ser técnica.
A disfunção não causa incômodo ao Congresso. Ali, sob a sombra das cuias de Niemeyer, o inacreditável não se cansa de aliar-se ao inaceitável para emboscar o interesse público.
Escrito por Josias de Souza às 19h33
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